6. Aparição (parte 1)

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A segunda-feira começou como tantas outras vividas por Porãsy. Ela acordou cedo e foi para a escola no ônibus escolar. E agora, perto do meio-dia, voltava para casa, no mesmo ônibus.

O conhecido barulho da freada dos pneus indicou que era hora de descer. Eles eram menos de dez adolescentes indígenas que cursavam a escola na cidade. Ainda assim, era na sua parada que desciam mais alunos.

Após descerem, o ônibus continuou. Ainda tinha muitos outros alunos, filhos de colonos, para serem deixados nos sítios e fazendas de que seus pais cuidavam.

As crianças pequenas não iam naquele ônibus para a escola. Ou melhor, elas não iam em ônibus nenhum. Elas estudavam em uma sala multisseriada, no acampamento mesmo.

Uma briga fora travada, até que a prefeitura concordasse em pagar dois professores indígenas para que dessem aulas ali, do primeiro ao quinto ano: primeiro e segundo em um período, terceiro, quarto e quinto no outro. Todos juntos, em uma mesma sala, com um único professor.

— Cadê o ? — foi a primeira pergunta que Porãsy fez para a irmã ao chegar em casa.

A irmã não tinha ido, de novo, para a escola. Muitas vezes, ela tinha de ficar, para cuidar do barraco e das crianças pequenas, quando os adultos precisavam fazer alguma coisa fora do pequeno agrupamento de casas.

— Foi todo mundo para Taquara, para dar apoio contra o despejo. Foi o vovô, os tios, as tias, o pai e a mãe.

Porãsy olhou ao redor, antes de entrar e pendurar a mochila. O local estava silencioso, sinal de que a maioria dos pequenos também havia ido.

— Foram de quê?

— De ônibus. Conseguiram um ônibus para levar o pessoal. Acho que foi a Aty Guasu (1) que conseguiu o ônibus.

Aquilo não era novidade para Porãsy. Isso sempre acontecia. Sempre que havia uma ordem de despejo para alguma das aldeias, as pessoas das outras na mesma situação se mobilizavam e se deslocavam para o local, para apoiar e dar força.

Muitas vezes funcionava, mas nem sempre. Como não funcionou uma vez com o outro avô, pai de sua mãe. E seu coração se apertou com a lembrança do cruel e covarde assassinato do avô, em uma situação semelhante. Ela era muito nova, ainda, talvez tivesse uns cinco ou seis anos, na época, mas se lembrava muito bem.

— A Amandy foi? — Porãsy perguntou, sentindo falta da irmãzinha.

— Foi, sim. Você sabe que a mãe não deixa ela.

Porãsy olhou para as panelas de que a irmã cuidava: Arroz, feijão, um ensopado de mandioca e carne moída. Era um prato repetitivo naquela casa, mas ela gostava dele, ainda assim.

O cheiro apetitoso que alcançou seu nariz fez a barriga reclamar ainda mais de fome. Pegou uma vasilha com água, foi para fora e lavou as mãos. A irmã já estava se servindo e, em seguida, ela foi para o banco sob a árvore onde seu avô gostava de ficar: o banco do seu avô.

Porãsy também se serviu e foi se sentar perto da irmã. Aquele silêncio em volta era angustiante.

— A gente devia ter ido também — disse Porãsy.

— E quem ia ficar cuidando do nosso barraco? — perguntou a irmã.

— Cuidar do quê, aqui? Aqui não tem nada para ser roubado. E de mais a mais, que diferença vai fazer, nós duas aqui sozinhas?

— Não estamos sozinhas. Você sabe que os barracos jamais ficam sem alguns dos adultos. Em algumas casas ficaram outras pessoas.

Após o almoço, a adolescente ajudou a irmã com as louças.

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora