26. Uma experiência sobrenatural

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— Eu... não... sei... — Porãsy respondeu trêmula. — Acho que cochilei. Sei lá. Estou me sentindo um pouco zonza.

— É esse chá do Thomas! — disse Guarasyáva. — E essa história que não acaba nunca.

Thomas ainda observava a prima. Ele achava que sabia o que estava acontecendo com ela. Devia ser o mesmo que sucedera com ele, quando tomou a erva ka'a ruvixa. Pensou se a prima também não teria sido levada ao patamar dos deuses.

— Você viu alguma coisa? — ele perguntou.

Porãsy olhou para ele como se estivesse acordando de um sonho. Balançou forte a cabeça tentando sair da visão. Ele a encarava com um olhar doce.

— Eu não sei direito. É como eu disse. Acho que cochilei e sonhei. Sei lá...

— Então acorda! — disse Guarasyáva. — E termine logo com isso, Thomas!

O garoto tomou o chá da ka'a ruvixa e as serviu mais uma vez. Convenceu-se de que pelo menos Porãsy estava sob o efeito da erva, mas era preciso mais que isso.

— Alguma de vocês se lembram dos irmãos da Porãsy original? — perguntou Thomas, voltando-se para as outras meninas.

— Eu acho que lembro — disse Tupinambá. — Tumé Arandu, Marangatu...

— Tinha aquele que andava pra trás — disse Guarasyáva. — Como era mesmo o nome dele?

— Japeusá! — respondeu Tupinambá. — E não é que ele andava para trás: ele foi transformado em caranguejo pelos deuses depois que matou a irmã.

— É mesmo! — completou Guarasyáva. — Ele matou a irmã. Mas foi sem querer, eu acho. Foi, né, Thomas? Conta aí, você que agora é um expert na mitologia do nosso povo.

Thomas retomou a narração:

— Rupavê e Sypavê, os primeiros humanos criados, tiveram três filhos e várias filhas: Tumé Arandu foi o primeiro deles. Ele ficou conhecido também como Pa'í Sumé. Foi um grande sábio e um profeta Guarani. O segundo filho deles foi Marangatu...

— E Marangatu foi o pai da Kerana — disse Guarasy.

— Isso — disse Thomas. — Marangatu era muito bom. E realmente ele foi o pai de Kerana. Mas isso foi depois. O terceiro filho dos primeiros humanos foi Japeusá. Ele era precipitado e isso o tornava desobediente. Ele não ouvia o que precisava ouvir, e isso viria a ser a sua ruína.

— Ele deu o chá errado para a irmã e ela morreu — lembrou Tupinambá.

— Bom, não vou entrar nos detalhes dessa história agora, porque quero conversar com vocês sobre outra parte dela. — O rapaz retomou a palavra. — O que quero que vocês me digam é o nome das filhas de Rupavê e Sypavê, porque quase sempre são citados só os filhos homens.

— Porãsy! Porãsy era uma das filhas! E claro que todo mundo fala dela! — disse Guarasy.

— Isso! — disse Thomas. — E as outras?

Porãsy e as outras meninas tinham tomado mais um pouco do chá que Thomas preparara. E mais uma vez Porãsy estava absorta. Agora se via sentada em uma clareira, em volta de uma fogueira, como aquela onde se encontravam, mas em um outro tempo, um outro patamar. Ela notou mais três pessoas com ela, no entanto a visão não era muito nítida. Uma neblina a impedia de ver claramente. Ainda assim, notou Thomas, seu primo. Ele estava diferente. Como ela, usava roupas de algodão cru, pinturas, enfeites de penas e sementes. Servia um chá.

Ela se forçou a ver as outras duas pessoas que estavam ali com eles e, de repente, tudo ficou claro!

— Guarasyáva e Tupinambá! — ela disse.

— Quê? — as duas meninas perguntaram juntas.

Ela saiu imediatamente do transe e olhou para as duas:

— Vocês! Vocês são as outras filhas dos primeiros humanos!

— Ãh?? Como assim? Endoidou de vez? — questionou Tupinambá assustada.

— Isso! Era aqui que eu queria chegar — disse Thomas. — As irmãs da Porãsy original foram: Iracema, a que foi morta por Japeusá, Tupinambá e Guarasyáva.


***

Nota de rodapé 

Angatupyry, na mitologia Guarani, é o espírito do bem criado por Tupã. Juntamente com Tau, espírito do mal, orientam Rupavê e Sypavê (respectivamente pai e mãe da humanidade) e seus descendentes (a humanidade, propriamente dita, pelos caminhos da vida). Acesso em 06/05/2020


Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaWhere stories live. Discover now