— Calma, calma — disse Thomas conciliador. — Será que posso continuar?
— Pode, sim — disseram as duas meninas.
— Bom, voltando. Os outros deuses ficaram EXASPERADOS com Tau e resolveram castigá-lo. Quem se sentiu mais incomodada foi a deusa Arasy e foi ela quem impetrou a maldição. Todos os filhos do casal seriam monstros.
Porãsy continuava naquele outro mundo. Ouvira a conversa dos companheiros, mas era como um sonho. No mundo em que Porãsy se encontrava, Tau tocou os cabelos de Kerana, acariciando-os, e depois o seu rosto. Em seguida a atraiu para si e beijou seus lábios. A jovem que gostava de dormir estava completamente entregue.
Porãsy olhou em volta, angustiada. Não era essa a hora que Angatupyry (1) aparecia e lutava com Tau para salvar Kerana? Pelo menos era assim nas histórias do avô e na história de Thomas. Onde ele estaria? Ou será que essa parte já tinha passado?
— E foi aí que surgiram os monstros lendários. Os sete filhos de Tau e Kerana — completou Guarasyáva.
— Isso! — disse Thomas.
— Nada de novo até aqui — continuou Guarasyáva. — Nada que eu não soubesse desde a minha mais tenra idade.
— Olha ela! — disse Thomas. — Cadê a garota que disse que não sabia português? Como assim tenra idade?
— Viu! Eu disse que era só implicância — disse Tupinambá. — Continua, Thomas, senão nunca chegaremos onde você quer chegar.
Em sua realidade fantástica, Porãsy quis interromper o assédio de Tau a Kerana, mas percebeu não era possível. Apesar de ver tudo, de sentir até o cheiro das ervas, das flores, não conseguia intervir. Quando quis ir na direção da sobrinha, não se moveu; não tinha força nas pernas. Quando tentou chamá-la, gritar, a voz não saiu. Só podia observar e ver a sobrinha sendo enredada pelo espírito do mal.
Era como nos seus pesadelos que ela não se lembrava e sofria terrivelmente em seu interior. Via a sobrinha e sabia o que lhe aconteceria, mas não podia fazer nada. Agora Tau a beijava e tocava seus seios. Será que não tinha ninguém ali para ver aquilo? Então lembrou-se que, sendo um deus ou semideus, Tau deveria ter poderes para se fazer invisível aos olhos humanos, e talvez quem observasse Kerana só a visse como se estivesse dormindo.
— Sim. Os filhos de Kerana e Tau se tornaram os sete monstros lendários: Teju Jaguá, Mboi Tuí, Monhãy, Jasy Jaterê, Aô-Aô, Kurupiry e Huixon — completou Thomas.
— Bom, até aí tudo bem, sem novidade. Mas onde entramos nessa história? — perguntou Guarasyáva, apontando para as três.
Thomas olhou para as meninas. Porãsy estava quieta, silenciosa e só agora ele percebera. Na verdade, estava estática. A fitou por momentos e se assustou.
— Porãsy! — ele a chamou. — Porãsy, está tudo bem com você?
Somente quando a chamou as outras olharam para a amiga. Porãsy ainda estava parada, apavorada e com os olhos fixos no nada.
— Porãsy! — chamou de novo, com voz mais alta e mais firme, tocando-a no braço.
A menina piscou, respirou fundo e balançou a cabeça:
— Quê? Que foi? — perguntou.
— Que foi? Eu é que pergunto o que foi. Você aí, como uma estátua.
Finalmente a adolescente saiu do transe e se voltou para o três.
— Tá acontecendo alguma coisa? — Tupinambá perguntou nervosa.
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Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígena
FantasyHouve um tempo além do tempo, onde a Criação havia começado e os deuses andavam livremente na terra. Nessa era existiu Kerana e seus sete filhos monstruosos e amaldiçoados. E existiu Porãsy, a garota de quem as profecias falam... Mas, com o passar...
26. Uma experiência sobrenatural
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