36 Dêssa

1.3K 203 142
                                    

Nick

Duas semanas depois

Me arrastei pelo chão do barracão quando ouvi a porta se abrir.

— Estou aqui. — arfei segurando uma toalha suja no rosto. — Aqui no chão.

Ela se aproximou, me olhando de cima, indignada como sempre.

— Meu Deus Nick! Desse jeito vamos precisar fazer uma plástica na sua cara...

Fechei os olhos para ignorar as palavras de Andressa enquanto ela se abaixava e começava a tirar coisas do seu kit de primeiros socorros para tentar fazer minha cara parar de sangrar. Já era a sétima vez desde que tinha voltado para casa, não tinha mais um pedaço de mim sem machucados. Mas eu nem chegava a me importar. Eu queria respostas, e enquanto não as conseguisse, não pararia.

— Cala a boca e conserta isso, não pedi sua opinião. — resmunguei com a cabeça já apoiada sobre a coxa dela, deitado no chão do barracão. Sua mão delicada, começou a limpar os machucados com cuidado.

Era sempre assim, ela sempre cuidava de mim, e quando acabava, passava tempos afagando meu cabelo enquanto eu fingia dormir.

Mas segurei sua mão quando ela começou a afagar minha cabeça naquela tarde, e mantive sua palma quente sobre meu peito frio e molhado da chuva.

— Não pode mais deixar ela fazer isso. Você não merece passar por isso Nick... Caramba, segue em frente... Volta para...

Abri os olhos encarando seu rosto. — Não posso... Eu não me importo Dêssa... Deixa que ela me espanque, não é novidade.

Ela suspirou — Sabe o que a gente estava lembrando esses dias? — ergui a cabeça para prestar atenção. — Da surra que deu na Cristina.

Sorri ainda com o rosto doendo. — Virei o mito da escola, né?

— Sim, você virou — sorriu ela — os caras passaram a deixar que andasse com eles, os grandões do seu tio até fizeram festa para você. Mas... —  fez uma pausa — O que ela fez para você afinal?

Fechei os olhos novamente — Ela disse que a Mi ter nascido desse jeito, foi um castigo aos dois pelo que faziam comigo.

Vi sua expressão de surpresa — Sempre a Mi?

Assenti — Você entendeu? Ela queria dizer que a culpa era minha! Mas eu não queria isso para a Mi. Pelo contrário, eu passaria por tudo outra vez por ela. Eu daria a minha vida pela dela sem piscar...

— E eu achando que fosse por causa do seu passado... — ironizou.

  — Você achou mesmo que bati nela porque perdi a cabeça? Que eu sou complexado por causa do meu passado...

— E não é? — perguntou séria.

— Não, porra! Não naquela época, pelo menos. Mas ela me fez entender que eu realmente era um lixo, que eu não teria qualquer futuro, que eu nunca seria nada além de um bandido filho de ninguém.

— Tá, mas, você mudou depois daquilo...

— Eu mudei, por causa da Mi, a desgraçada da Dulce me espancou gritando o que eu havia feito, a Mi ouviu tudo, e puta que pariu, nunca vi minha lindinha tão brava comigo. Era um toco de gente, mas as palavras dela, me machucaram mais do que a surra... E eu ouvi, eu entendi tudo...

— O que ela te disse?

— Ela... — engoli em seco — Desenhou uma peça de quebra cabeças e me disse, do jeitinho dela, que eu não precisava ser como a mãe dela, que eu não precisava fazer aquelas coisas... Que eu não precisava ser ruim. Que eu era a pecinha dela, e que a gente podia formar o desenho que a gente quisesse... — me sentei, dando as costa a ela — naquela noite, ela teve uma convulsão, e depois o primeiro AVC. Achei que ela fosse morrer, eu quase morri junto, ela era a única coisa que me fazia abrir os olhos todas as manhãs, estando arrebentado ou não.

Atroz Where stories live. Discover now