22 Atuar

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Nick

Já era noite, ouvi o jantar dentro da casa sem me mover, aproveitei para me sentar na borda da piscina, estava completamente perdido nos meus planos para os próximos dias, cheio de merda na cabeça e com um mau humor dos infernos pela maldita conversa com Isabella.

Fiquei do lado de fora da casa, vendo-a pela janela, sentada em sua cadeira de frente para o computador. Tentadora, e ao mesmo tempo proibida... Eu daria tudo para não ser quem eu era, só para subir as escadas e entrar naquela merda de quarto gigante e dizer o quanto eu queria beijar aquela boca abusada.

Mas não dava para me enganar, não dava para viver naquela casa como se fosse um paraíso e que tudo se fodesse lá fora. Eu tinha a Mi para cuidar, jamais a deixaria...

A soma era simples, ou eu matava Helena, ou tia Dulce me matava. A paciência dela não era sua melhor qualidade, na verdade, se não fosse essa  história, desconfio que ela já teria dado um jeito de se livrar de mim também, ela já havia chegado perto tantas vezes... Não seria esforço algum para ela. E aquilo era sinal de que eu ainda valia algo para ela.

Baixei os olhos para a água da piscina com as luzes acesas no fundo. Minha mente dizia que Helena merecia morrer. Ela teria feito comigo se não tivesse sido resgatado. Eu estaria morto, então por que eu não podia matá-la? Era justo. Foi assim que fui ensinado. Era a justiça da quebrada. Se tu roubou, vai devolver, se tu matou, vai morrer. Mas... Por que eu não sentia mais vontade de me vingar como antes? Aquele tempo vivendo ali, estava me afetando, e eu nem era burro a ponto de negar isso. O que deveria ter me deixado com mais raiva, porque passei dezoito anos longe de tudo aquilo, e era para tudo ser meu.

E o ponto seguinte era... Ela merecia morrer, porque eu nem me sentia vivo. Porque ela me condenou ao inferno ao me jogar fora, e...

— Oi Nickolas. — fechei os olhos ao ouvir sua voz, para me acalmar.

Olhei para cima, e dei de cara com seu sorriso mais meigo.

Bem ali, tão perto... E eu só conseguia pensar em formas de acabar com ela martelando minha cabeça.

— Oi Helena. — respondi cabisbaixo.

— Posso me sentar com você? — disse, usando seu tom educado como sempre.

Pisquei atordoado, engoli do em seco — A casa é da senhora, então, claro que pode.

Acompanhei vendo apenas com a visão periférica ela se abaixando, e assim como eu, enfiou as pernas na piscina, agitando a água. Ela vestia uma blusa fina de seda azul e short jeans, estava mais a vontade do que todos os dias em que a havia visto em casa. Estava mais sorridente também. Parecia até mais feliz que o normal.

— Você está diferente hoje... — disse quase para si mesma, como se nosso pensamento fosse o mesmo em relação ao outro — Chegou machucado... Quer me contar alguma coisa?

Virei o rosto para ela sem entender aquele tom carinhoso. Apostei comigo mesmo que Isabella devia ter batido minha história para ela.

Balancei a cabeça negativamente, voltando a olhar para a água — Estou bem, foi só uma briga, como te disse, não é nada demais.

Ela assentiu e segurou minha mão apoiada para trás, de um jeito que fez meu corpo estremecer.

— Queria te contar uma coisa, sei que não conversamos muito desde que chegou aqui. Mas eu estava cuidando de alguns assuntos importantes...

Afastei minha mão dela, fingindo uma coceira na perna. — Eu entendo, mas Dália me passa todo o serviço, está tudo bem. Sei como a senhora é ocupada.

Não a olhei, mas seu tom de voz pareceu levemente chateado por eu ter me afastado — Não é sobre o serviço... Eu queria te contar uma coisa, se me permitir.

Fechei os olhos, suspirei e me virei para ela. Aquele rosto era... Era o rosto que sempre assombrou meus sonhos, e agora ali, vendo tão de perto... Por que a raiva não borbulhava como antes? Por quê?!

— Eu engravidei muito jovem,— começou ela. — estava completamente perdida... Eu... Fiz uma coisa horrível no passado. E não consigo conviver com a culpa me corroendo.

Pigarreei sentindo meu corpo trêmulo, como um aviso para que eu fosse embora dali — Helena... Eu não sou seu filho! — me apressei em dizer — Isabella já veio com esse papo para mim hoje cedo... Eu não sou quem você procura.

Seus olhos lacrimejaram enquanto me encarava — Nickolas, pode me chamar de maluca, mas eu sinto, desde o momento em que te vi em frente ao LALEC, que você é sim meu filho. E eu nem consigo conter o orgulho só em pensar... Em saber que se for mesmo você... É exatamente o tipo de homem que eu gostaria de ter criado. Justo, bondoso... Que ama ajudar as pessoas...

Me afastei um pouco mais dela, agora sentindo a raiva crepitar em minhas veias.

— O que fez com seu filho? — perguntei trincando os dentes.

Vi seu rosto se transformar, ficar pesado com a mágoa, a culpa estava realmente ali — Dei a luz sozinha na casa de uma amiga. Quase morri, mas meus pais não podiam nem sonhar com a idéia. Escondi até onde consegui, depois fiquei na casa dessa amiga que já era mais velha, nos meses finais... Meu pai era deputado federal na época, minha mãe secretaria do gabinete dele, eu passava muito tempo sozinha, mas obviamente, a gravidez na adolescência atrapalharia a brilhante carreira pensada por meu pai desde os meus dez anos... Eu me culpo, e sei que o que fiz não tem perdão, eu queria desistir... Mas...

Sem que eu conseguisse evitar, meus olhos já estavam cheios de lágrimas. Não era nada diferente do relato da amiga da Isabella, ou de tantas outras meninas da quebrada. Mas era diferente para mim, porque eu era a consequência.

— Por que não abortou? Não seria mais fácil? Não seria o certo?

— O pai não permitiu que eu cogitasse essa ideia. Mas dois meses antes de meu filho nascer, ele sumiu. E aí já era tarde demais. Acabei descobrindo que ele morreu em um acidente logo depois de eu dar a luz...

Não consegui reprimir meu sorriso irônico, ela teria abortado... Teria evitado tudo isso...

— Somos lados opostos do que talvez possa ser a mesma história Nickolas. Eu gostaria muito que fizéssemos o exame para comprovar se é verdade...

— Pra que? Quer "recuperar o tempo perdido?"Não rola, sinto muito. Já me jogaram fora uma vez, e não tenho vontade de reviver isso. — me levantei — Se insistir, eu vou embora. Agradeço sua ajuda, mas não quero remexer esse passado.

Ela se levantou em um salto para me encarar — Eu não joguei meu filho fora Nickolas! Jamais faria isso!

— Então essa é mais uma prova de que não sou seu filho, porque foi dentro de uma sacola plástica que fui achado...

— Isso é o que lhe disseram! Como sabe que é verdade?

— Eu não sei, e não me importo, porque verdade ou não, nada vai mudar o que eu vivi até aqui, nem a maneira que fui criado. Então, com todo o respeito Helena, eu não preciso de uma mãe agora, não quero ter, ou mesmo saber quem ela é. É passado, e passado a gente enterra.

— Nickolas... — sussurrou chorando.

Baixei os olhos dando de ombros  — Me desculpe.

Deixei de encará-la e comecei a me afastar deixando-a para trás. Eu não podia lidar com aquilo naquele momento. E por um segundo, voltei para o quarto rezando para que ela me mandasse embora daquela casa. Sei lá, que dissesse que não conseguiria conviver comigo depois daquela conversa... Qualquer coisa. Mas não aconteceu... E meu tempo corria.

Atroz Where stories live. Discover now