92.

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--- Harry Off ---
Desperto aos poucos e ao lembrar a noite anterior um sorriso aparece. Abro os olhos devagar e vejo a mulher que amo ainda a dormir tranquilamente. Os seus cabelos espalhados pela almofada dão-lhe aquele ar rebelde que a torna única. Passo o meu braço pela sua cintura puxando-a mais para mim. Ela resmunga qualquer coisa que me faz gargalhar. A minha mão passa pelas suas costas nuas deixando-a completamente arrepiada. Vejo-a abrir os olhos aos poucos e sorrir quando me vê.

Bia: Bom dia amor. (esfrega os olhos)
- Bom dia paixão. Dormiste bem?
Bia: Optimamente. Que horas são?
- Quase nove horas. Tinha tantas saudades de te ter nos meus braços. (passo o meu polegar nos seus lábios quanto a olho profundamente)
Bia: E olha que estar nos teus braços é tudo o que eu mais desejo e quero. (sorri para mim e aproxima a sua cara da minha)
- Já somos dois então. (corto a distância entre nós e beijo-a com vontade e desejo)
Bia: Harry temos de nos levantar. Daqui a pouco temos aulas.
- (debaixo dos lençóis passo a minha mão pela sua coxa) Que se lixem as aulas…
Bia: (respira irregularmente) Amor eu perdi um mês de aulas e não quero perder… (levo a minha mão aos pontos do seu corpo que a fazem arquear)
- (beijo o seu pescoço) Queres mesmo parar?
Bia: Querer, não quero, mas vai ter mesmo de ser. (empurra-me ligeiramente e acabamos por nos afastar)
- Ok, ganhaste. Mas em troca quero o pequeno-almoço em troca.
Bia: Só se fizeres as tuas famosos panquecas.
- Se me ajudares.

Rimo-nos e levantamo-nos os dois. Depois do banho tomado e de estarmos vestidos encontramo-nos na cozinha para o pequeno-almoço. Houve muita troca de carinho e mimos entre nós. Quem visse até parece que estamos mais apaixonados que nunca. O que não deixa de ser verdade, pelo menos da minha parte. E tenho certezas que ela sente o mesmo.

Depressa o dia passa e decidimos que não passava de hoje a mudança final para a nossa casa. Assim fui com a Bia buscar o resto das minhas coisas e no fim fomos a casa dela buscar as dela. O James e a Ellen fizeram questão que ficássemos para jantar. Foi divertido e animado. A Mel está cada vez mais desenvolvida e tanto eu como o James ficámos tempos a brincar com ela e com o Zarry. O Zarry a meio do jantar ficou meio murcho sem entendermos porquê e sentou-se nos pés da Bia. Aliás para onde quer que ela fosse nesta noite, ele acompanhava-a tipo sombra.

Bia: Pai, que se passa com o Zarry?
James: Acho que ele se sente sozinho e posto de parte.
- Como assim?
Ellen: Filha, ele mesmo sendo um cão sabe quando o seu dono tem alguma coisa.
Bia: Mas está tudo bem comigo.
James: A questão é que ele antes de ires para França, passava muito tempo contigo. Durante este mês ele viu que algumas das tuas coisas foram empacotadas para levares para tua casa.
Ellen: Na ideia dele, ele pensa que o vais abandonar.
Bia: Jamais o iria abandonar. (faz-lhe uma festa no focinho)
James: Bia, ele este tempo tem dormido no teu quarto. Acho que ele pensa que o vais deixar.
- Bia, achas que lá no condomínio deixam ter animais de estimação?
Bia: Estás a propor levar o Zarry connosco lá para casa? (os olhos dela brilham)
- Não queres?
Bia: Claro que quero. Só não sabia se tu querias.
- Pois então acho que o Zarry está oficialmente de mudanças também.

Falo e recebo um abraço da minha namorada. Eu sei o quanto ela ficou feliz quando recebeu o Zarry de prenda de aniversário. Sei o quanto ele esteve com ela em todas as nossas desavenças. Ele foi o seu amigo quando eu não estive perto. Por isso, faz mais que sentido ele ir viver connosco.
O resto do jantar correu muito bem. Antes mesmo de acabarmos o café o telemóvel do James toca e ele atende meio confuso ao olhar para o nome. Levanta-se repentinamente e afasta-se para falar. Só espero que esteja tudo bem.
Minutos depois vejo o James chamar-me a mim e à Ellen à cozinha. A Bia estava tão feliz na brincadeira com a Mel e o Zarry que nem deu por isso.
--- Harry Off ---

--- Bia On ---
A Mel e o Zarry estão tão felizes que me deixam assim também. Confesso que tenho pena de não estar mais perto da minha irmã. Acho que neste mês que passei fora muita coisa mudou e perdi isso. Mas agora quero recuperar esse tempo.
Vejo a minha mãe regressar da cozinha com os olhos vermelhos. Ou muito me engano ou ela esteve a chorar. Logo de seguida aparece o Harry e o meu pai com cara fechada e preocupada.

- Que se passa? Está tudo bem?
Harry: Bia, temos uma coisa para te contar.
- (levanto-me e sento-me no sofá junto da minha mãe) Mãe porque estiveste a chorar? Que aconteceu?
Ellen: Querida nós vamos estar sempre aqui para ti.
James: O Jack… Ele…
- Pai fala logo, por favor.
James: (sinto o Harry apertar a minha mão) O Jack morreu.

E com esta frase o tempo parece ter parado. Morreu? Aquele que foi meu pai adoptivo morreu? Não sabia como havia de reagir. Não tenho lágrimas para deitar e opto apenas pelo silêncio em relação ao que acabei de ouvir.

James: O chefe da prisão ligou dizendo que o encontraram sem vida na sua cela. Com uma grande quantidade de comprimidos ao lado.

Notei que todos avaliavam a minha expressão com algum receio e preocupação. Pela minha memória passou a última conversa que tive com ele. A conversa em que ele disse que estava bonita e que me desejava sorte no campeonato. A conversa onde eu deixei bem claro que não o conseguia desculpar pelo que aconteceu.

*Flashback On*
Jack: Estás tão bonita. Os teus pais fizeram aquilo que eu não fiz.
- Tu não me chamaste aqui para falar dos meus pais e do que eles fizeram ou deixaram de fazer.
Jack: Pois. Eu soube que vais representar o Reino Unido nos campeonatos europeus de patinagem no gelo.
- Sim vou. Vou concretizar um dos meus sonhos.
Jack: Eu sei disso. Por isso te queria desejar boa sorte pessoalmente.
- Desculpa mas não acredito que digas isso de coração.
Jack: Mas estou a dizê-lo. Acredita. (o seu olhar era desesperante)
- Não posso. Não depois do que tu fizeste.
Jack: Eu sei que errei e já estou a pagar por isso.
- Tu não entendes. Nunca entendeste. Quando tu e a Ellen me foram buscar ao orfanato eu desejava mesmo ter uma família que me amasse e cuidasse de mim. Mas depois tu conseguiste arruinar isso. Trataste mal a minha mãe e ela quase morreu por tua causa. Quiseste separar-me da minha verdadeira mãe e do meu irmão quando tu sabias o nome deles. Aliaste-te ao Jeremy para me arruinar a mim, ao meu namorado e à minha família. Juntamente com ele mandaste raptar a minha irmã e podia tê-la perdido. Não admito que voltes a interferir a vida da minha família e impedir a felicidade deles. A Ellen amou-te sim e muito, mas acabou e tu tens de entender isso. O que vocês tiveram foi bom enquanto durou.
Jack: Beatriz…
- E mais. Vocês tiveram uma coisa boa na vossa relação. A vossa filha Philippa. Tudo bem que por causa de um acidente ficaram sem ela, mas não uses isso para te desculpares de tudo o que fizeste e pelos teus erros. Ela não iria querer ver o pai destruir a vida da mãe e de todos à sua volta. Eu sei que no fundo, bem lá no fundo tens um coração que te vai fazer pensar nestas palavras. Eu tentei ser a filha que querias, mas tu não deixaste. Agora que eu estou bem não me venhas com falinhas mansas que essa não pega. Se estiveres mesmo arrependido não continuavas a atormentar a minha vida. Estou cansada. Sabes o que isso significa?
Jack: (vejo lágrimas nos seus olhos) Apenas te posso pedir desculpa. Eu sei que isso não apaga o que fiz.
- Não apaga mesmo. (falo firmemente)
Jack: Mas mesmo assim eu peço desculpa. (levanta-se e olha-me nos olhos) Boa sorte Bia.
*Flashback Off*

A informação que acabei de receber está a consumir-me, mas eu não como reagir. Quero chorar, mas ao mesmo tempo não consigo.

- Quando é o funeral? (pergunto ainda em choque)
Ellen: Amanhã à tarde. (fala com falhas na voz)

Eu sei que ela não perdoou o Jack pelo que ele fez no passado, mas no fundo ela sente uma espécie de “carinho”, se assim se pode chamar, por ele. Afinal foram vinte anos de casamento. Casamento esse que passou por momentos muito destrutivos, como a morte de uma filha e a violência. Mas quero acreditar que em tempos iniciais também passaram bons momentos. Não sei como vai ser a partir daqui, mas tenho certeza que uns dos maiores pesadelos da minha vida acabou de terminar.

Eu, o Harry e o Zarry estamos a caminho de nossa casa. Não consegui ainda proferir uma palavra sobre o Jack e aposto que o Harry está bastante preocupado comigo. Noutra época eu já teria chorado lágrimas que enchessem uma cisterna. Está que posso estar a exagerar, mas seria verdade que teria chorado bastante. A minha mãe perguntou se eu queria ir mesmo ao funeral e eu disse que sim. Vai custar, mas preciso disso. Não sei se alguém vai estar presente, mas para mim ninguém merece morrer sozinho e não ter ninguém no seu funeral. Sei que o Jack fez alguns inimigos ao longo da vida, mas também sei que os seus amigos por mais que gostassem dele o recriminavam pelas suas atitudes.
Chegados a casa reparo que o Harry me leva praticamente colada a ele com o Zarry em nosso enlace, para dentro de casa. O Harry perguntou se eu queria algo, mas apenas neguei com a cabeça. Fui directa para o quarto enquanto o Harry foi alimentar o Zarry.
Retirei as minhas roupas e fui para a casa de banho vestir o pijama. Quando me olho ao espelho vejo uma Beatriz diferente. Passo a cara por água e fecho os olhos respirando fundo. Sinto uns braços à minha volta e a segurança e paz que me é transmitida deixa-me fraca o suficiente para finalmente correrem lágrimas pela minha face. Viro-me de frente para o Harry que se encontra apenas de calças e abraço-o forte. Abraço esse em que ele me reconforta e diz palavras de carinho.

Harry: Shhh… Eu estou aqui contigo. (abraça-me)
- Porquê?... (falo com voz embargada pelo choro) Não quero chorar mais.
Harry: Chorar faz bem.
- Não me deixes por favor. (aperto-me mais contra ele)
Harry: (beija-me o topo da cabeça) Prometo.

Daí para frente apenas me lembro do Harry me carregar até à cama e de eu deitar-me nos seus braços com muitas lágrimas à mistura. Lágrimas essas pelas quais me deixei vencer mesmo estando aninhada nos braços do meu namorado.

Hate and LoveWhere stories live. Discover now