24- Família

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É Brasil, esse último capítulo me fez pensar e lembrar certas coisas a respeito de minha família e acho que muitos irão se identificar de alguma forma porque infelizmente essa ainda é a nossa realidade. Não é mesmo?

Minha mãe é o tipo de mãe invasiva, eu a amo de todo coração, mas não posso negar ou fingir que não enxergo seus defeitos, mas compreendo os pais serem invasivos na vida dos filhos adolescentes pela ideia de proteção, o que não falta é merda acontecendo nesse mundo e os alvos mais fáceis são os jovens... desculpem, mas são, não sei se pela ansiedade e curiosidade, ou se pela falsa sensação de que já sabem de tudo, mas são.

Durante muito tempo vivi sem ser enxergada dentro de casa devido a alguns problemas familiares, mas a partir de uma certa idade parece que todos os holofotes se viraram pra mim e tudo acabou, comecei a precisar colocar senha nos meus celulares, pois minha irmã e minha mãe vasculhavam minhas coisas, especialmente pelas questões homossexuais, as quais eu nem sabia ainda que realmente possuía.

Passei a vida com todos a minha volta me taxando de "sapatão", fosse na escola, ou fora dela, minha irmã me zoava com essa ideia, mas como eu era um ser apagado, não tinha relacionamentos e nem amizades, acho que não levavam isso tanto a sério, até que comecei a ter amizades e o mais comum é você, moça, ter amizades com outras moças, o problema era que eu não era feminina, nunca fui, mas minhas amizades eram.

Uma coisa muito comum entre as meninas é o carinho, independente da sexualidade, o que provavelmente gera muitas dúvidas sobre ela estar ou não afim de você, porque entre os rapazes não existe isso, normalmente o rapaz só é realmente carinhoso e atencioso se estiver com algum outro interesse... lembrando, não estou generalizando... mas convenhamos, nós somos seres observadores, é lógico que, principalmente os solteiros, quando conhecemos qualquer pessoa, um dos primeiros pensamentos é voltado pro lado sexual ou sentimental, dificilmente vamos conhecer alguém sem nenhuma intenção ou pensamento, quem consegue fazer isso melhor são as mulheres, por isso muitos se confundem, mas volto a dizer, estou dando a minha opinião, analise e crie a sua.

Minhas amigas eram carinhosas e se eu não estava acostumada a isso, quanto mais meus familiares, então criou-se um inferno na minha vida, onde minha mãe tentou de todas as formas me afastar de algumas pessoas, tudo influenciado pela minha irmã, na maior parte do tempo, por fim, foram meses, até anos, nesse estresse e, se eu dissesse que ia ao shopping, escutava:

– Pra quê você quer ir e com quem você quer ir?

Era estressante, minha única liberdade era quando estava dentro da Igreja porque lá ninguém ficava me controlando, ao mesmo na maior parte do tempo, então pouco voltava pra casa.

Houve uma vez, numa briga, que minha mãe me olhou nos olhos e disse:

– Você tem que gostar de homem!

Ela não falou de uma forma gentil e até aquele momento eu ainda me considerava hétero, então imagina como era ouvir isso da minha própria mãe. Como eu disse, toda minha vida foi rodeada por isso, mas sempre de uma forma negativa, preconceituosa e pesada, ninguém nunca havia me dito: "ah, tudo bem se você for lésbica, vou te amar do mesmo jeito".

Houve uma outra vez que minha mãe disse:

– Prefiro morrer do que você ser sapatão.

Se você me perguntar se tenho raiva, vou te dizer sinceramente que não, minha mãe queria que casássemos virgem com menos de vinte e um anos, ou seja, o pensamento dela não é apenas um pensamento dela, mas é um pensamento que embutiram nela, assim como meu pai, que outro dia comparou homossexuais a bandidos.

Eu cresci escutando que uma irmã do meu pai seria "sapatão", mas escutava aos sussurros, porque este era um assunto que ninguém falaria em voz alta. Meu pai cresceu num Município pequeno e hoje ele tem sessenta anos, ou seja, se eu escutei por anos sobre minha tia, imagina ele... imagina as coisas feias que ele ouviu sobre a própria irmã em tom de ofensa e deboche. Minha tia nunca se casou, o último relacionamento dela oficial acho que eu nem tinha nascido.

Aos nossos filhos nós passamos o que achamos ser o certo e o que achamos ser o melhor, por isso não os julgo, mas não posso dizer que com tudo isso seja fácil pra mim ser quem eu sou. Muitos, quando olham pra mim, talvez achem isso porque sou forte e sou mesmo, mas não sou forte porque nunca tenha tido problemas, sou forte porque lutei para superá-los, por exemplo, na academia o músculo só cresce depois de "esmagado", então sei que hoje sou fruto de todas as dores que vivi... não é fácil ser eu e isso também não é um elogio.

Quando me vi apaixonada pela primeira vez por uma mulher foi algo estranho, na verdade beijá-la foi libertador, senti um alívio que nem sei explicar, até porque alívio não deveria ter sido o meu sentimento, embora houvessem milhares de outros mais compatíveis com a realidade e que foram os pivôres de nossa separação.

Quando me apaixonei pela segunda vez, só que desta vez sem a religião me dizendo que precisava terminar, eu ainda tinha toda uma criação dentro da minha mente, mas já havia sofrido tanto a vida inteira, já havia perdido um amor tão forte e profundo por conta disso tudo que resolvi agir diferente.

Assumir pra mim não era o meu maior problema, mas por Alice eu pensei em assumir para o mundo, viver o que não havia podido viver da outra vez, mesmo sabendo o inferno que isso seria... ela não fazia ideia do que significava pra mim dizer "amo você".

Hoje posso dizer que minha mãe me surpreendeu, pois lhe contei a respeito da minha sexualidade e escutei a frase que tanto sonhava em escutar:

– Você não vai me perder por causa disso, nunca vou deixar de te amar, agora é que vou te amar mais.

Bom... agora só falta o meu pai, desejem-me sorte.

LGBT - Aos Meus Olhos - 2016 Parte 1Where stories live. Discover now