23- A Cada Dia

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Pra mim era muito difícil dormir daquela forma, pois não tinha esse costume, passei anos dormindo sozinha com meus travesseiros e acho que isso te faz criar uma certa individualidade, mas a vontade de estar junto, de senti-la, mesmo que apenas num abraço, aquela vontade era tão grande que me forçava a ficar naquela posição, só que, o desagradável mal estar pela posição, misturado com o enorme tesão que eu sentia por ela, me impediam de dormir, mas isso, é claro, sem dizer que em minha mente também pensava no quão raro aquele momento era e não saber se um dia se repetiria me fazia desejar que ele durasse o máximo de tempo possível.

Lembro vagamente de alguma conversa que havíamos tido sobre ela acordar animadinha e seu namorado não reagir bem, o que a deixava mal, ainda mais porque afetava sua autoestima e depressão, então fiz alguma brincadeira dizendo que ela podia me acordar assim se quisesse e lembro que no dia seguinte acordei exausta porque né, não havia dormido muito e ela, ao perceber que estava acordando, sorriu fofa e mudou de voz para me dar o tal "bom dia".

Alice tinha ensaio naquele dia, tentou confirmar pra saber se havia necessidade de ir, me perguntou se eu queria acompanhar e era lógico que eu aceitaria, não é mesmo? Em qual mundo eu, o ser apaixonado, diria "não, quero não, vai lá"? Ainda mais sendo "cavalheira" e besta. O sorriso que ela abriu foi tão fofo quando eu disse que iria que pra mim aquilo já me serviu como recompensa.

Minha irmã chegou, tive que apresentá-las me sentindo bem constrangida, mas não porque eu tivesse que escondê-la, é que já havia tido tantos problemas e brigas por causa de amigas e minha própria sexualidade que devo ter criado ranço, ou uma enorme necessidade de não falar de mim dentro de casa e, naquela época, ela ainda nem sabia que eu estava começando a sair do armário.

Como já mencionei, cresci numa família tradicional, aprendi que era feio uma mulher não estar casada com mais de vinte e um anos, o que me gerou um certo desespero na adolescência e uma certa tristeza quando passei por essa idade. Não critico ou julgo, essa também foi a criação que meus pais e avós receberam, natural que passassem adiante, mas com isso dá para se ter uma ideia do quanto eu preciso "desconstruir" dentro de mim mesma... Igreja... criação... são tantos pensamentos já pré-formados que ainda fico confusa sobre o que realmente é meu e o que me foi embutido.

Outro dia estava assistindo uma série bem famosa nos tempos atuais, "os treze porquês" e a cada episódio me identificava muito com o personagem Clay Jensen... infelizmente não é um elogio... com isso penso que, se hoje me vejo assim, quanto mais na época em que minha história se passava, eu realmente era muito ingênua, imatura, ou qualquer outra nomenclatura que se possa usar, mas juro que nunca foi de forma negativa, nunca tive uma má intenção real.

Minha "adolescência" chegou muito tarde, já que eu não a aproveitei quando tinha idade pra fazê-lo, ser mulher é algo muito difícil, mas ser mulher nos anos anteriores era ainda mais complicado. Vejo pessoas dizerem que gostariam de ter nascido centenas de anos atrás, eu não, principalmente se fosse pra nascer mulher, mas não por ser mulher, mas pela dificuldade que é ser uma com a sociedade mundial que temos.

Enfim... fomos de metrô até o lugar onde seria o ensaio para a apresentação dela de Cosplay. Alice me apresentou a seus amigos e passei a tarde assistindo-os, cheguei a filmá-los a pedido deles, pois queriam ter uma noção de fora de como estava ficando, já que iriam participar de um concurso cujo prêmio valia dinheiro.

De alguma forma era como se aqueles pequenos momentos começassem a me fazer vê-la de outra maneira, mesmo que não fosse da forma que eu estava tentando realmente vê-la... não era amizade, não conseguia enxergar assim, mas a chateação que havia nascido estava se abrandando e juro que tentava compreendê-la, juro que tentava acreditar que Alice realmente amava o namorado, tentava acreditar que não estivesse se insinuando nem pro surfista e nem pra Sophia, e juro que tentava ignorar o brilho que as vezes via em seus olhos ao me olhar, dizia para mim mesma, como sempre, que era tudo coisa da minha cabeça.

É muito difícil você entender uma história quando só pode enxergar o seu próprio ponto de vista, por isso não é isso o que estou buscando aqui, escrevo porque minha história, aos meus olhos, me parece uma coisa louca que só acontece em novela, mas escrevo também para me entender, me enxergar, já que hoje me sinto outra pessoa, e também o faço como desabafo.

Terminaram o ensaio, ela parecia feliz ou satisfeita por eu ter ido e isso me deixava muito feliz também. Dali fomos pro teatro, tínhamos aula de interpretação, na verdade já devíamos estar ensaiando para o que seria nossa peça de segundo período... pois é, junho... quantos capítulos e ainda estou no mês de junho... são tantas informações que tenho uma pasta com fotos datadas e uma planilha em Excel com calendário e marcações pra me auxiliar, mas fato é que nunca vou realmente conseguir expressar o que cada situação representou pra mim, então não leia de forma seca, pois por trás de cada palavra existe uma infinidade de emoções.

Do Teatro, ela foi pro namorado, e mais um final de semana se iniciava, mas com uma diferença, agora eu tinha mais uma noite de lembranças para recordar, bastava fechar os olhos e eu podia senti-la novamente em meus braços... a cada dia, involuntariamente, mais apaixonada eu ficava sem nem saber o porquê.


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LGBT - Aos Meus Olhos - 2016 Parte 1Onde histórias criam vida. Descubra agora