09- Apenas o Começo

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– Mãe, me faz um favor, ora por mim, pede pra Deus ter misericórdia e me ajudar. – Pedi em uma ligação que fiz durante o trabalho naquela terça-feira, dia dezenove de abril de 2016.

Minha mãe não fazia ideia do que estava acontecendo, pra ela nem da Igreja eu teria me afastado, quanto mais todo o resto... não seria nada fácil contar essas coisas, mas não tinha como lidar com isso, ainda mais porque nem sabia ainda o que estava por vir.

"Ela tem depressão"... "Ela namora"... "O que você tá fazendo?"... "Você é doida sua imbecil?"... "Você não pode estragar a vida da garota"... "O que você tá fazendo?"... "Virou lésbica mesmo então?"... "O que eu faço agora?"... "Você sabe o que isso significa né"... "Eu vou pro inferno"... "Ela tem depressão"... "Você não pode estragar a vida dela, ela namora"... "O que você tá fazendo?"...

Quem me olhasse provavelmente me acharia muito concentrada no que estivesse fazendo, mas essa representação acima é a mais próxima de como minha mente estava... eu não sabia o que fazer... não sabia o que pensar, pensava em Alice, pensava em seu namorado, pensava no quão filha da puta eu havia sido, ou estava sendo... okay... havia confirmado minhas suspeitas... grande coisa... ela não era solteira e eu mal a conhecia.

Haviam momentos em que apenas me lembrava do que havia acontecido, simplesmente me pegava olhando pro nada enquanto minha mente viajava em lembranças e mais dúvidas... "será que fiz alguma coisa errada?"... "será que ela realmente gostou, ou disse que sim só pra não me chatear?"... "ela teria ido embora se não gostasse, eu acho"... "ela ficou porque estava se sentindo mal, não por sua causa"... se eu penso demais? Pode ser, mas como não pensar? Minha vida estava sendo transformada do vinho pra água, 180º graus... estava descendo a montanha russa de cabeça pra baixo e entrando num túnel escuro.

Voltei pra casa com o coração na mão, abri a porta com meus ouvidos atentos, fechei e caminhei até a cozinha, depois fui até a área onde existe um segundo banheiro... a porta estava fechada e o chuveiro estava ligado... eu sorri... tive um pequeno momento de idiotice, pois a sensação era de chegar em casa e encontrar a minha... enfim.

Não sei se faz tanto tempo, ou se foi a quantidade de coisa que aconteceram que prejudicou minha memória, talvez tenham sido os inúmeros exercícios que fiz pra esquecer dessas coisas, mas lembrar detalhes não é algo fácil, só sei que não sabia como tratá-la... era pra ser carinhosa?... podia beijá-la, ou devia fingir que nada aconteceu?... ela estaria bem depois ter traído o seu namorado?... preferi então ir devagar, deixar nas mãos dela qualquer coisa que viesse a acontecer, afinal, como eu disse, não gosto de ser inconveniente.

– Dei uma olhada no armário da cozinha e quase fiz um macarrão pra você. – Me disse ela num momento em que estávamos deitadas no meu quarto conversando... – Pausa. – seus olhos pareciam brilhar enquanto falava e eu me deslumbrava sem perceber.

– Com molho vermelho? – Perguntei.

– Sim.

– Ainda bem que você não fez porque não gosto de molho vermelho. – Eu ri.

Sinceridade é comigo mesmo, pois ela estava nitidamente sendo simpática e eu falando besteira. Não me lembro de sua resposta, mas não foi negativa, chegou a sorrir, então creio que não tenha ficado chateada com minha forma de responder.

Colocamos mais alguma coisa pra assistir, creio que uma série de comédia adolescente que eu havia descoberto a pouco tempo com a temática lésbica, eram episódios de vinte minutos muito gostosos de se ver. Assistíamos quando minha mãe mandou a seguinte mensagem: "Amanhã vou estar chegando aí bem cedo pra deixar os gatos com você".

Eu estava tão bem na presença de Alice, nem estava pensando em minhas confusões... tá... só algumas... mas se pudesse passaria horas e horas ali com ela, mas não... como explicar a necessidade dela sair antes da minha mãe surgir em casa sem que parecesse escroto?... poderia dizer que era apenas uma amiga, mas conheço minha família e, como eu disse, sou uma pessoa muito reservada, se puder não falar nem o que comi no dia, prefiro, quanto mais qualquer outra coisa e não estava em condições de lidar com olhares e desconfianças.

Me arrependo de ter agido assim, hoje penso que poderia apenas ter dito que uma amiga estava comigo e pronto, nada demais, minha mãe chegaria, deixaria os gatos, elas se conheceriam e pronto... nada demais, Alice amava bicho, isso não seria um problema de qualquer forma.

Não sei dizer como foi que fiz, ou como foi que falei, mas aparentemente estava acertado, de qualquer forma continuamos a assistir televisão, mas dessa vez como amigas, não me lembro nem de abraçá-la como acontecera na noite anterior, embora minha mente estivesse sempre em ebulição, porque meu desejo era fazer sexo com ela novamente, mas não era somente sua menstruação que atrapalhava, eu não sabia o que ela estava pensando sobre tudo e não queria ser insensível, ou desrespeitosa, quis dar espaço, achei que era a melhor atitude a tomar, afinal ela tinha depressão e tinha acabado de trair o namorado.

Deitamos pra dormir, nos abraçamos e nossa, como era doloroso senti-la em meus braços, sentir seu corpo junto ao meu e não me sentir com permissão de fazer nada, mas eu realmente não sabia o que podia fazer, o que ela esperava. Se eu não tocasse no assunto, Alice tampouco falaria, mas ela parecia bem e era isso que importava, porque era com o que eu mais me importava naquele momento.

Abril... estamos falando de abril de 2016... eu a havia conhecido a apenas três semanas e precisei de nove capítulos para descrever um espaço tão curto de tempo. Consegue compreender o porquê nunca me senti por tanto tempo com a mesma idade?... mas esse era o começo... era apenas o começo.


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LGBT - Aos Meus Olhos - 2016 Parte 1Tempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang