31. Uma estranha jornada

En başından başla
                                    

Olhou em volta, procurando um lugar, uma casa, um barraco, qualquer coisa em que pudesse ficar segura durante a noite, ainda que soubesse que nada impediria Monhãi de fazer o que quisesse.

De repente, ele parou. O lugar era aberto; só havia gramíneas. Então deu voltas em torno de si várias vezes, até amassar a vegetação, e disse:

— Pode deitar e dormir aqui.

— O quê? — Porãsy se assustou quando entendeu o que ele disse.

— Aqui. Arrumei aqui para você se deitar.

Com a pouca claridade que ainda restava, a garota encarou a criatura. Ele estava falando sério. Era para ela se deitar e dormir naquele capim, com aquela coisa ao seu lado.

— Não precisa ficar com medo. Eu cuido de você. Nada vai chegar perto, garanto. Estará segura comigo.

"Nossa! Será que ele não percebia mesmo que o maior medo que ela já sentira na sua vida era provocado pela sua presença?". Porãsy pensou se seria possível ele não ter ideia disso: da própria deformidade, da aberração que era. Será que não percebia mesmo o terror que sua simples visão infundia?

A garota ficou ali, parada, em pé, por um tempo, olhando para a "cama" que ele preparara. Monhãi fazia um novo "ninho" ao lado. Era o dele, que ficaria junto a ela. Não, ela jamais teria coragem de dormir ao lado daquilo.

O senhor dos ares se enrolou em si mesmo e se aninhou, preparando-se para dormir. A escuridão já tomava conta de tudo. Porãsy não sabia o que fazer. Ela não podia ficar ali parada, em pé, a noite toda.

— Te assusto, né? — Monhãi comentou, erguendo um pouco a cabeça.

"Se assusta? Ele ainda pergunta? Claro que assusta! Não só assusta. Apavora!", queria gritar, mas ficou quieta. Tinha que continuar com o plano.

— Não... É que... nunca dormi assim... ao relento. Acho que não vou conseguir — Porãsy tentou se justificar.

— Sei que assusto você, mas repito: está segura comigo. Vem aqui — ele pediu, erguendo-se sobre o corpo de serpente. — Vou te mostrar uma coisa que sei fazer. Vai te fazer dormir.

"Eu não quero ver do que você é capaz. Nunca!", era o que a adolescente queria ter dito, mas não podia, então tirou coragem sabe-se lá de onde e se aproximou de Monhãi bem devagar, cuidando onde pisava. Não queria, por descuido, encostar naquele bicho pavoroso.

Ele olhou nos olhos dela, a língua bifurcada se movendo perto do rosto da garota. Porãsy quis sair correndo ou, pelo menos, fechar os olhos para não ver aquilo, mas se manteve firme e encarou a criatura. Os chifres, mesmo na noite, refletiam as cores do arco-íris. Por um instante, ela se perguntou de onde a deusa Arasy tirara ideia para forjar aquela forma para o filho de Tau e Kerana.

Os chifres, eles atraíram sua atenção, e tinha a língua... Porãsy foi se sentindo sonolenta. O medo se foi, ela estava muito cansada e com sono. Foi em direção à cama que Monhãi preparara e se deitou. Dormiu, em seguida.


Quando abriu os olhos novamente, o dia estava claro. À sua frente, havia frutas de diferentes qualidades. Todas maduras. Algumas, ela conhecia; outras, nunca havia visto. Soube de imediato que eram para ela. Foram depositadas ali por ele. Era um presente dele. A contragosto, sorriu agradecida. Tinha fome.

Monhãi estava na "cama" dele. Penas caídas por ali indicavam que ele já havia tomado o seu café.

— Você sempre se alimenta de aves? — Porãsy se admirou de sua coragem em falar com o monstro.

— Quase sempre. Aves são... digamos... o meu prato preferido.

Porãsy o olhou. Percebia tristeza na sua voz?

— Na verdade, faz parte da maldição — ele voltou a falar com voz sibilante. — Ao nos amaldiçoar, a deusa Arasy estabeleceu nossos corpos e a falta de controle sobre eles. Depois, Tupã se apiedou de nós e mudou um pouco a nossa situação. Criou e estabeleceu limites para a nossa alimentação. Dessa forma, ele estava garantindo que não virássemos, todos nós, assassinos brutais como Aô-Aô, ou violadores de cemitérios, como Huixon.

Porãsy estremeceu por um instante: Aô-Aô e Huixon. Ela ainda se depararia com eles. Apertou no pescoço e braços as pulseiras e enfeites feitos a partir da palmeira pindó, que Cauã lhe dera na noite que passara em sua caverna.

— Não precisa ficar com medo deles. Não poderão te tocar.

— Como assim? Por que não?

— Porque você está comigo. Comprometida comigo. Nenhum de nós pode tocar na pessoa que é ligada a outro dos irmãos. É o tratado antigo, estabelecido pelos deuses. Até mesmo quando você morrer, eu espero que de velhice, e for enterrada, Huixon não poderá tocar seu túmulo. Eu gostei de você, assim que a vi. Consegui confiar minha vida a você porque você disse que gosta de mim e que quer se casar comigo por livre e espontânea vontade, e esse elo é inquebrável. Conforme a determinação primeira, amar é o princípio da nossa redenção. Ser amado é a consumação.

O coração de Porãsy apertou. Ela se comoveu com a criatura. Se apiedou, até. Na verdade, naquele instante, sentiu por Monhãi e seus irmãos mais do que dó. Sentiu algo que beirava a afeição. Não era isso que esperava dos monstros lendários. Ela os imaginara como sendo seres monstruosos em todos os aspectos, mas o que via era diferente e isso pesou em seu coração. Os deuses haviam sido cruéis com Kerana e seus filhos, e Porãsy também seria. Talvez, até pior.

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin