Capítulo 69

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Na manhã seguinte, uma manhã parcialmente nublada de sábado, acordo com os olhos inchados e uma maldita dor de cabeça. Não sei dizer se é por causa da alergia ou se é porque derrubei algumas lágrimas antes de dormir.

Depois da discussão com a minha mãe, eu só sai do quarto para tomar um banho quando ela foi se deitar. E tentei segurar o choro o máximo que pude, eu tentei ser forte e levar a idéia de evolução para frente, mas em algum momento comecei a chorar e aceitei que tinha de deixar tudo sair.
Ao menos no dia seguinte eu me sentiria melhor, foi o que eu pensei, mas a realidade é diferente e o peso de tudo ainda continua nos meus ombros.

Depois que os meus olhos se acostumam á luz e o meu corpo começa a funcionar normalmente, eu pego o meu celular no criado-mudo e entro na página do Google.

Faço uma busca por consultórios de terapia perto de mim no google maps, mas todos parecem cobrar mais do que eu quero pagar com o salário da lanchonete.
Por alguma razão eu me sinto nervosa, por alguma razão eu quero não achar um consultório bom para mim. Quase desisto e fecho o navegador, mas encontro um consultório que atende por um preço razoãvel a consulta de uma hora.
O consultório da Dra.Greene, que se localiza há alguns minutos do centro, não deve ser difícil chegar lá de ônibus.

Pego o endereço e bloqueio o celular.
Respiro fundo. Eu não queria ter que fazer isso, eu não queria precisar. Não quero ficar presa em uma sala com uma desconhecida, falando sobre as merdas que eu sinto dentro de mim. Como raios eu vou explicar o que eu sinto, se nem eu entendo completamente?
Como vou explicar que sou uma fodida que não consegue se comunicar com as pessoas? O que eu vou fazer se uma psicóloga me olhar como se eu fosse uma estranha?

Passo a mão no rosto e me levanto da cama. O relógio marca 9:43 e a cortina deixa alguns fechos de luz entrar no quarto, consigo ver partículas de pó flutuando na luz.
Visto as minhas pantufas e vou ao banheiro. O corredor está vazio e as luzes estão desligadas. Tenho certeza de quê só Beatrice está em casa, dormindo.
Lavo o rosto e escovo os dentes e o cabelo. Em seguida, faço um rabo de cavalo e deixo o meu rosto à mostra.

Me olho no espelho. Todas as sardas, todas as manchinhas, a falha na minha sombrancelha direita fazem os meus dedos coçarem para usar maquiagem, mas eu decido sair sem nada no rosto hoje.

Volto para o quarto e troco o pijama por jeans pretos e um casaco preto. Antes de descer, eu calço um all-star e pego a minha bolsa com tudo o que vou precisar.
Na cozinha, eu bebo um pouco de café e como alguns biscoitos de um pacote de Oreo que já estava aberto.
Mando uma mensagem para mamãe e outra para Beatrice e saio.

Ando à passos largos até o ponto mais perto. Sinto a ansiedade crescer mais á cada minuto dentro de mim, mas tento me controlar. Não quero passar mais uma vergonha no ônibus.

Embarco com duas garotas que estão no mesmo ponto e felizmente consigo um lugar para sentar.
Coloco os fones de ouvido, num volume alto suficiente para se ouvir através do barulho, mas baixo o suficiente para me deixar calma.

As minhas pernas não pararam de se mexer e eu perdi a conta de quantas vezes tentei acalmar a minha respiração, mas não funcionou.
Acho que não tem como não estar nervosa com isso.

Desço num ponto há sete minutos do consultório.
Tento andar devagar como uma pessoa normal, mas meus pés não me respeitam. Mais uma vez sinto como se tudo ao meu redor fosse irreal, e tudo em que consigo pensar é no que pode acontecer naquele consultório.

Chego no endereço certo, um edifício de dois andares, com paredes marrom e detalhes em preto, como a porta e os parapeitos das janelas.
Tento abrir a porta, mas ela está travada, então aperto o botão do interfone e uma mulher com a voz fininha me atende.

- Bom Dia, meu nome é Ariana, em que posso ajudá-la? - sua voz é doce e por algum motivo eu só consigo imaginá-la sendo uma mulher baixa e magra, com o cabelo curto.

- Bom dia. Eu... Hum... Será que a Dra.Greene pode me atender hoje?

- Não tenho certeza, mas pode subir, eu vou abrir a porta.

- Ok, obrigada.

A porta se destranca e eu entro. Uma longo lance de escadas aparece na minha frente, o corrimão é da mesma cor preta dos parapeitos e da porta.
Subo os degraus com calma.
Entro na sala de espera, um lugar pequeno, mas muito confortável. Em um canto há quatro cadeiras almofadadas, no centro há uma mesinha com algumas revistas, há uma janela grande, com cortinas claras e ao lado dela há duas plantas grandes e verdes.
É bonito, simples e confortável de alguma forma.

- Oi. - falo para a recepcionista.

Como eu imaginei ela parece ser uma pessoa pequena e magra, mas o seu cabelo com luzes loiras é longo e cacheado.

- Olá, bom dia. - ela sorri abertamente para mim. Ela parece feliz, como alguém que deveria trabalhar em um parque de diversões, não em um consultório de gente triste e confusa. Mas ninguém realmente sabe o que há por trás de um sorriso bonito. - Eu já verifiquei os horários. A Dra.Greene pode te atender agora, mas será uma consulta de 35minutos.

- É mais do que suficiente.

- Ok, é aquela sala ali. - ela aponta para uma porta preta que tem uma plaquinha prateada - Pode tomar uma água ou um café antes de entrar, se quiser.

- Não, eu estou bem. Obrigada.

- Por nada...Hum, qual é seu nome?

- Elizabeth.

- Eu preciso anotar algumas coisas na sua ficha, pode me passar algumas informações?

- Ah, claro. - eu me aproximo do balcão e Ariana pega uma caneta - Será que tem algum problema por eu ser menor de idade?

- Você está precisando de ajuda?

- Sim- sussurro.

- Então, está tudo certo. - ela sorri - Isso não é ilegal.

- Ok. - de alguma forma a resposta dela me deixa mais aliviada.

Depois de cinco minutos respondendo algumas perguntas bem básicas, eu bato a porta da Dra.Greene.

- Entre. - ouço uma voz feminina chamar.

Respiro fundo uma última vez e entro.
Nem sequer percebo a decoração da sala, pois a minha atenção vai diretamente à mulher de cabelos pretos sentadas em uma cadeira cor de creme no centro da sala.
Ela está vestida com um blazer claro e calças jeans pretas, seu cabelo preto está preso em um rabo de cavalo perfeito e arrumado.
Sua imagem é poderosa e ligeiramente intimidante, mas humilde de certa forma.
Ela sorri para mim, dentes brancos e retos, e se levanta para me cumprimentar.

- Olá, meu nome é Margareth Greene e você é?

- Elizabeth Gray. - eu me aproximo e ela aperta a minha mão.

- Não estou sentindo firmeza nesse aperto. - ela sorri e volta à se sentar - Vamos começar sendo confiantes. Pode ser você mesma aqui, ok? Não tenha medo.

Eu assinto.

- Pode se sentar, Elizabeth.

- Pode me chamar de Liz, se quiser

- Tudo bem.

Eu me ajeito no sofá e olho para a Dra.Greene. Ela está olhando de volta para mim, fixamente.
Eu olho para ela por alguns segundos, mas depois começa á ficar difícil. Desvio o olhar para uma prateleira de madeira atrás da doutora, mas não presto realmente atenção aos livros ou aos porta-retratos que estão nela, só estou nervosa.
Quando volto á olhar para ela, ela ainda está olhando para mim. Desvio o olhar novamente, e tento agir como se nada estivesse acontecendo, mas o meu coração está disparado.

- Então, me conte um pouco sobre você.

             *

Prisoners - h.sWhere stories live. Discover now