Capítulo 12

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Apesar de ser difícil observar a rua da minha janela, a única coisa que dá pra ver com perfeição é a janela do quarto perfeitamente arrumado do velhinho que mora ao lado, eu consegui ver quando meus pais saíram. Então estou sozinha em casa, apenas com o Harry no quarto ao lado. Terminei de ler Reparação e depois de derrubar algumas lágrimas por causa do romance trágico e sem final feliz de Cecilia Tallis e Robbie Turner, eu me deitei com o objetivo de dormir e só acordar quando meus pais voltassem.
Isso evitaria comentários desnecessários da minha mãe, mas eu estava inquieta demais para dormir.

Não consegui encontrar uma posição confortável para adormecer e não consigo deixar para lá o fato de que não estou sozinha de verdade.
Estamos só nós dois em casa e isso me deixa um pouco nervosa.

Depois de olhar diversas para o relógio e perceber que depois de uma eternidade não se passaram sequer vinte minutos, decidi que tinha que fazer alguma coisa para me manter ocupada por um tempo.
Desci as escadas com calma para não fazer barulho e chamar a atenção de Harry. Peguei a chave da garagem e andei em direção a uma porta embutida no canto da cozinha que leva á nossa garagem

Girei a chave na fechadura enferrujada e abri-a. A garagem é basicamente um cubículo sujo, onde cabe literalmente apenas um carro. Tudo nela parece cinza e enferrujado demais e só usamos-a para guardar o carro do meu pai e as coisas velhas que não usamos mais, mas que não temos coragem de jogar fora. O carro quase sempre está lá, coberto por uma camada grossa de pó, pois o meu pai quase nunca está em condições de dirigir.

E num dos cantos afastados do quadrado cinzento, está a minha estante de livros.Sorri quando a vi exatamente como estava quando a deixei lá.
Não tinha espaço para ela no quarto de Beatrice e me recusei a deixá-la a mercê de outra pessoa. Na época ainda pensava que nosso primo era um garotinho, então parecia ainda mais perigoso.

Com um pouco de dificuldade empurrei um pouco a prateleira para o lado, um pouco mais próxima de onde o carro do meu pai costuma ficar (tem até uma mancha de óleo no chão para provar) e me sentei no à sua beira.
A prateleira não é muito larga nem muito alta, mas dá conta dos meus livros e eu amo a cor escura da madeira.

Tirei todos os livros da primeira fileira e os empilhei no chão. Pobrezinhos, todos empoeirados.
Tirei o pó de cada um deles com um pedacinho de flanela, dedicando atenção em cada um deles. Admirando as capas, até as dos livros de estudo e dos romances que não gosto muito. Afinal eu tenho tempo de sobra para gastar.

Quando eu já estava na terceira fileira, ouvi passos se aproximando.
Harry entrou na garagem com as mãos no bolso da calça de moletom. Ele sempre parece um pouco desconfortável e meio perdido perto de nós, mas por algum motivo não parece inseguro. Muito pelo contrário ele exala  confiança até na maneira que anda.

- O que você está fazendo? - ele perguntou quando se aproximou. Seu corpo fez sombra no meu, mas eu não me levantei.

- Organizando meus livros. - respondi.

- Sua prateleira de livros fica na garagem?

Ergui o pescoço para olhá-lo com uma expressão que queria dizer 'você sabe bem porquê'.

- Oh.- acho que ele entendeu - Quer ajuda?

- Não precisa, mas obrigada.

- Qual é. Estou entendiado. - ele disse, mas não tinha qualquer emoção no rosto, o que deu a entender que se eu quiser ou não ajuda, não faz muita diferença.

Eu não consigo detectar emoção real na maioria das palavras que saem da sua boca, a não ser o sarcasmo, claro.
Ele parece seco demais para mim, mas  as pessoas também acham que sou "seca", quando na verdade estou sempre pensando sobre algo.

- E quer me ajudar a tirar o pó dos livros?

- Sim.

- Então, fique á vontade. Pode começar com os de cima. - apontei para a última fileira do topo.
Ele assentiu, e pegou alguns livros de lá.

- Deve ter alguma flanelinha por ali. - falei apontando para onde ficavam as ferramentas do meu pai.

- Tá.

Harry andou até lá e encontrou uma toalinha verde velha que teria que servir, depois voltou e pegou um dos meus livros.

- São todos do mesmo autor? - perguntou mexendo em alguns livros enfileirados.

- Sim, gosto de organizá-los assim.

- É uma boa coleção de livros.

Sorri com o seu elogio. Prefiro mil vezes falar de livros á falar da cor dos meus olhos. E eu sei que a minha coleção é digna de alguns elogios.

- É, acho que sim.

- Isto não deveria ficar na garagem. - ele comentou enquanto tirava o pó do livro em suas mãos.

- É, não é?  - falei, com sarcasmo concentrado nas palavras.

- Eu só ia dizer que não precisa deixá-los aqui. Eu não ligo de ter eles no meu... seu quarto. - ele disse com a voz levemente alterada .- Mas deixe eles aí, se preferir. Eu realmente não me importo.

Ele jogou a toalhinha de lado e começou a andar para fora da garagem.

- Harry, espera!- segui ele de volta para cozinha.

Ele parou no meio da cozinha e me encarou. Seus olhos verdes me queimaram com um lampejo de raiva.

- Desculpa. - tentei sorrir para ele - Eu só não sei quando você está sendo gentil comigo ou zombando de mim.

Ele não sorriu.

- Tudo bem. - ele se virou mais uma vez, mas eu o segurei pelo pulso. Mas voltei a soltar rapidamente, um pouco envergonhada. Eu deveria apenas deixá-lo ir e voltar a ignorá-lo, mas me sinto mal de verdade por ser tão grossa.

- Ainda posso deixar minha prateleira no seu quarto? - perguntei e ele assentiu.

Estava esperando que um sorriso vencedor aparecesse em seus lábios, mas isso tem que bastar por agora.

- Pode me ajudar, se quiser. - sugeri em tom amigável.

                              *

Prisoners - h.sWhere stories live. Discover now