Capítulo 50

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A primeira semana de aulas foi dolorosamente longa. Na quarta-feira percebi o quanto gostava de estar de férias, de estar "presa" em casa, e isso é bem irônico porque costumava ser algo que eu detestava. Odiava a sensação de ser engolida pelos meus próprios pensamentos, por mim mesma. Mas qualquer coisa é melhor do que ter de usar uma máscara durante seis horas e fingir que não me importo por estar sozinha e ser invisível para todos.

Hoje é sexta e eu acho que nunca estive mais ansiosa para um fim de semana desde que comecei o Ensino Médio. Meu estômago se revirou com a perspectiva de ter algo para fazer no fim de semana, ou não. Com Harry todo dia é uma novidade, mesmo que não saíamos de casa.

Cheguei em casa me sentindo curiosamente feliz, o que é uma novidade, geralmente os fins de semana são meio tristes. Minha playlist está tocando Britney Spears, o que mostra que estou bem humorada o bastante para não me irritar com músicas que tem "Baby" demais na letra.

A casa estava trancada quando cheguei e ao me aproximar da sala pude ver Harry no sofá como sempre, mas algo parecia diferente dessa vez.
Ele estava de costas para mim e seus ombros pareciam tensos por baixo da camiseta cinza, o celular entre a mão e a orelha direita, e ao me aproximar mais percebi que ele sibilava coisas para quem quer que estivesse do outro lado da linha.

- Você só pode estar brincando! - ele disse entredentes - Não, você não pode me pedir isso... Você- você não pode sumir e depois simplesmente me pedir para... - a pessoa do outro lado da linha gritou algo irreconhecível de volta, com a voz metalizada - Eu não vou para a droga da faculdade e você não pode me obrigar! - Harry gritou, sua voz soou ameaçadora e rouca. Em seguida ele desligou a chamada.

- Merda. - ele xingou e passou a mão nos cabelos, frustrado.

Senti aquela animação se esvair de mim, como ar de uma bexiga. Harry não está bem, está irritado e isso de repente se tornou problema meu também.

Ou talvez não. Eu não sei.

Eu deveria perguntar o que está acontecendo, é o que uma pessoa normal faria. Mas eu não sou uma pessoa normal, e não sei lidar nem com os meus próprios problemas...

- O que foi, Liz? - a voz de Harry me chamou. Ele estava olhando para trás, para mim agora. E eu nem havia percebido.

- Oi. - sorri para ele e me aproximei com a mochila no ombro. - Está tudo bem?

- Sim, é só o meu pai. - não tinha emoção na sua voz, e eu fiquei decepcionada por não receber nenhum beijo ou um sorriso mínimo.

- O que está acontecendo?

Ele passou as mãos no rosto antes de responder:

- Nada.

- É sobre a faculdade, não é?

- Sim. - ele resmungou- Ele quer que eu faça de qualquer forma.

Não soube o que dizer de imediato. Eu sempre fui péssima com conselhos e consolo.
Daisy sabe disso melhor que ninguém. Ela podia chorar no meu ombro, mas eu nunca servi para dar conselhos úteis.

- Bem... Você não vai fazer, né? - perguntei insegura.

- Não sei. - ele passou a mão nos cabelos mais uma vez, e se encostou no sofá - Seria mais simples apenas fazer. Ele está me enchendo com isso já faz algum tempo.

Eu me senti mal por saber disso. Estou sempre concentrada no que estou sentindo e no quanto estou feliz por Harry me entender, que as vezes esqueço que ele tem problemas também.
Velhos hábitos são difíceis de largar, mas me sinto mal por ser egoísta com Harry. Ele não merece meu egoísmo acima de todas as pessoas.

- Você não pode aceitar isso, Harry. - falei, esperando demonstrar confiança e que esse fosse um conselho bom - Não é o que você quer, não pode fazer faculdade só porque seu pai quer...

- Para você é fácil falar. - ele atirou e eu fiquei quieta. Por essa eu não esperava. - Você vai para a faculdade e seus pais estão orgulhosos de você. - ele disse acidamente e eu me lembrei, quase automaticamente, da vez em que Daisy veio em casa e nós discutimos depois que ela foi embora.

- Só estou tentando ajudar. - rebati com a voz baixa.

- Dizer que devo fazer o que quero não ajuda muito.

- Não sou boa com conselhos, me desculpe.

- É engraçado como você nunca sabe o que dizer... - sua voz soou cansada.

Essa frase em especial foi como um tapa na cara. Ele sabe porque nunca sei o que dizer.
Mas o tapa na cara talvez tenha me acordado para a realidade; Harry ainda é Harry, e eu ainda sou eu.
Sem finais de semanas felizes e abraços o tempo todo.

Com um pouco de dificuldade consegui dizer:

- Como isso se tornou sobre mim?

Ele está se comportando com uma criança emburrada, e por alguma razão não está nem olhando nos meus olhos.
O que eu tenho á ver com isso?

- Não é sobre você. - ele resmungou.

- Harry, se você tiver algo para dizer...

- Eu só quero ficar sozinho um pouco, tá bom?! - ele ainda não estava olhando para mim, seu olhar estava na tela muda da tv.

- Tudo bem, eu só estava querendo ajudar... - falei, de repente me sentindo envergonhada. Não estou acostumada com a rejeição de Harry. De Harry não.

- Eu sei, apenas me deixe pensar um pouco. - Harry disse mais suavemente.

Eu me levantei e comecei a andar rapidamente para fora da sala. O olhar de Harry encontrou o meu por um segundo, e eu não consegui encontrar muita coisa nele.
Se os olhos são a janela da alma, a alma de Harry parece estar escondida agora.

Um arrepio involuntário percorreu o meu estômago. Tive uma sensação ruim, como se alguma coisa tivesse chegado ao fim. Eu tinha quase certeza de que "a coisa" era essa felicidade que tenho vivido nos últimos meses.

Caminhei até a escada, talvez estivesse corando, pois sentia vergonha por alguma razão.

Antes de pisar no primeiro degrau da escada, um pensamento me ocorreu: "Quando eu tiver um namorado, não vou deixá-lo me tratar mal"

Eu sempre dizia isso para mim mesma quando meus pais brigavam. Não parecia certo e eu prometi para mim mesma que jamais me deixaria ser tratada dessa forma.

Talvez não fosse o caso, afinal as pessoas discutem, mas já deixei que as pessoas me tratassem mal muitas vezes. Até mesmo quando eu estava tentando ajudar.
As pessoas parecem não ter paciência comigo e eu não sei porquê. Na verdade eu tenho uma ideia do porquê, mas é diferente com Harry. Ele é um namorado em potencial, e se não quero um relacionamento tóxico e abusivo eu deveria parar com isso agora.

Me virei novamente e puxei a voz do fundo da minha garganta.

- Harry. - chamei. Ele olhou para mim, parecia cansado. Seus olhos pareciam ocos para mim, embora continuassem sendo os mesmos de sempre.

- O quê?

- Eu- eu já deixei as pessoas me tratarem mal por muito tempo, mas não vou mais deixar isso acontecer... - disse, um nó se formou na minha garganta e eu o engoli imediatamente.

Dei meia volta e comecei a subir as escadas de dois em dois degraus.

- Liz! - Harry gritou roucamente.

- Não, Harry! Você precisa de um tempo! - gritei de volta e bati a porta do meu quarto.

Tranquei- a para ter a certeza de que não seria incomodada.

***

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All the love xx

Prisoners - h.sWhere stories live. Discover now