24. Um encontro de dimensão eterna (parte 2)

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Ele se levantou rápido e, quase no mesmo instante, estava diante dela, curvando-se. Abandonou seu bastão recostado à cadeira e se aproximou da menina. Havia protocolos estabelecidos pelos deuses.

Elas se assustaram com seu movimento e recuaram.

— Minha irmã — ele falou de forma tranquila, mas claramente emocionado. — Você continua a mesma Porãsy, sempre: linda. E meu espírito agora se identifica com o seu.

Ela também o encarou de forma estranha e intensa. Porãsy foi tomada por algo ao ouvir sua voz. No coração dela, ao ver Thomas, seu primo, naquela hora, algo mudou. Ela também o reconheceu de outra realidade. Talvez de patamares celestiais, habitações de deuses. Ela sabia disso. Ainda que não entendesse completamente.

Soltou-se de sua irmã mais velha e se aproximou de Thomas. Estavam frente a frente.

Thomas insistia na pequena reverência, então as suas mãos se tocaram, uma de frente para a outra, direita com esquerda.

— Eu conheço você — ele disse.

— Eu sei — disse Porãsy. — Eu também te conheço.

No interior de Porãsy, tudo se esfriou, se acalmou. O toque daquelas mãos sugou todo o medo, a apreensão, ansiedade. Restabeleceu e fortaleceu seu corpo e espírito. Sabia que a pessoa que estava defronte dela era muito importante. Ela o reconhecia. Ele lhe inspirava tranquilidade, proteção. Só não sabia como isso podia ser, afinal ele não passava do seu primo chato e desprezível.

— É claro que você me conhece, minha irmã. — A voz de Thomas estava embargada, mas demonstrou um amor intenso. — Você é minha irmã. Por toda a eternidade. De antes da criação do mundo.

Não há como explicar com palavras o que se passou ali. Os dois irmãos, dos tempos primeiros, imemoriais, mais uma vez, juntos. Eles se reconheceram, se reencontraram, como seres especiais que eram.

Tupã havia enviado a revelação a ela primeiro. Nascera como uma menina humana qualquer, mas no tempo e espaço de atuação previstos na eternidade. Thomas também recebera a iluminação de que precisava. Para ele, a revelação veio apenas quando atravessou a dimensão que separava o patamar terrestre do celestial. Ele esteve com Tupã.

Lágrimas começaram a escorrer. Primeiro dos olhos dela, mas depois também dos dele, então se abraçaram. Se abraçaram de forma intensa, verdadeira. Havia entre os dois um amor cúmplice que não se podia descrever. Só podiam ficar assim, um nos braços do outro.

Lá fora, a chuva não passava de chuvisco. O sol, que se erguia, atravessava as gotas d'água. O arco íris se formava no céu. Kaja'a também participava do momento. A deusa do arco íris era também dos tempos primeiros. Ela era a senhora dos animais aquáticos. Amava a neblina e o chuvisco. Em momentos assim, podia se adornar de suas sete cores e enfeitar o céu, porque o amor predominava, e havia lembrança da promessa antiga de esperança.

Ainda abraçado a Porãsy, Thomas acariciou os seus cabelos, sentiu o seu perfume. O seu amor por ela era maior do que o amor entre os casais humanos, porque o seu amor por ela era imortal. Sobrevivia geração a pós geração. Um amor maior que a morte.

— Me perdoe, irmã. Me perdoe.

Foram essas as palavras que ele sussurrou em seu ouvido.

Para o povo de Porãsy, os deuses e senhores de forças da natureza podem ser conhecidos como muito severos, às vezes. Em outros momentos podem ser até cruéis. Na maior parte das vezes, no entanto, acreditam que eles amavam suas criaturas, os seus enviados à terra. Outras vezes, como naquele momento, os espectadores tinham certeza de que eles olhavam, apaixonados, de seus lugares celestiais. Eram momentos de cumprimento de palavras e profecias, às quais estavam subjugados. O que estava gravado nos rolos eternos não tinha como ser revogado, a não ser pelo preço de uma vida.

— Não precisa falar nada, está perdoado, meu irmão — falou sincera.

Tupã sorriu. A terra irrigada com sua essência também se alegrou. A vida renascia. Apenas os sete monstros lendários estremeceram. Eles sentiram que um poder maior estava se formando na terra. Um amor ainda maior do que o que unia os irmãos monstros estava unido novamente.

Ao lado, sem entender o que estava acontecendo, os pais e as irmãs de Porãsy, os olhavam num resquício de atordoamento e emocionados com a cena que se desenrolava diante de si.

***

Thomas estava, enfim, com as três irmãs e seus pais. As horas foram esquentando aos poucos. Muitas perguntas foram feitas. Algumas coisas já haviam sido esclarecidas, mas ainda havia muita coisa que a família não entendia direito. Ou melhor, que as meninas não entendiam. Porque uma coisa tinha ficado clara: os pais sabiam muito mais do que deixavam transparecer. Disso Thomas tinha certeza, ele estava inspirado por Tupã.

E quando Thomas deixou "escapar" uma estranha frase, as meninas encararam os pais com olhos arregalados e curiosos. Também um pouco assustadas:

— Vocês sempre souberam, né? — Thomas perguntou. — Sempre souberam de tudo. Desde o nascimento da menina, da escolha do nome, das escolhas que tomaram na tentativa de esconder ela dos deuses. Principalmente, vocês sabiam da missão dela. Pois a hora da verdade chegou, e o destino de Porãsy está escrito por forças que ninguém pode desafiar.


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(Não se esqueça de curtir na estrelinha) 

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaWhere stories live. Discover now