10. A nova escola (parte 2)

Começar do início
                                    

— Menina, o que foi isso? Você está bem?

— Estou bem, sim, professora.

— Nossa, acho que você arranjou uma bela encrenca para nós! — E ela deu um leve sorriso ao dizer isso. — O pai dele é um fazendeiro muito rico, dono de uma enorme fazenda no município, e político também.

Só então Porãsy voltou a si também do seu estado de hipnose. Estava em uma bela enrascada e arrastara outros consigo. Poderia até ser expulsa da escola e os alunos indígenas serem ainda mais perseguidos.

Que bela maneira de começar o dia e as atividades escolares na nova escola, mas não estava arrependida. Nem um pouco.

Ainda que fosse expulsa, ela não se preocupava consigo. Não queria ter entrado naquela escola mesmo. Mas o que a angustiava eram os colegas. Só se preocupava com seus colegas indígenas e com o que seria deles naquela sala e escola, depois do que fizera.

***

O lanche da escola era bom. Pelo menos foi o que Porãsy achou. Bom... na verdade, ela estava com fome e isso deixaria qualquer comida boa.

A menina se encontrava sentada em uma mesa no refeitório, que era parcialmente aberto com uma parede que ia só até a altura do joelho, e aguardava a sua irmã e sua turma se servirem — o nono ano era o último a ser servido.

Ela sentiu que todos a olhavam, encarando-a.

Bom, ela não deveria estar errada, já que o seu feito se alastrara na escola como fogo em capim seco. Com certeza, já tinha um time de favoráveis a ela, e um de contrários.

A sua sorte foi que a escola não suportava o garoto em que ela batera, e havia muitas testemunhas do bullying cometido por ele. E outra coisa que a aliviava um pouco era o fato do garoto ser um garoto, e não uma menina, e de ser maior que ela, mas, ainda assim, sabia que estava bem enrascada.

Quando Porãsy foi levada à sala do diretor, após o acontecido, em questão de meia hora, o adolescente, que ela descobriu se chamar Sérgio, já estava lá com seus pais. O pai, quando viu a menina, chegou a estremecer e Porãsy percebeu logo que era de ódio. Mas ele teve de escutar calado o relatório das palavras que o garoto usara contra os indígenas e depois contra Porãsy.

O garoto foi advertido verbalmente e por escrito. Já que não era a primeira ocorrência, ele não podia fazer muita coisa. A menina descobriu, então, que ele corria mais risco de ser expulso do que ela. No caso dela, ainda era sua primeira ocorrência — ainda que no seu primeiro dia na escola, e de nem estar efetivamente matriculada —. O garoto, no entanto, já estava pendurado por várias ocorrências, inclusive de agressão física.

O que não queria dizer que Porãsy estava livre. Os pais dela iriam na escola à tarde, e seria depois disso, então, que ela saberia do seu destino. Não que ela estivesse tão preocupada com isso.

Depois de escrita e assinada a advertência por ambos, os pais do garoto saíram com ele. O diretor, por alguns momentos, conversou com Porãsy, lhe dizendo que ela não podia se comportar daquela maneira, que aquela não era a forma de se resolver problemas etc.

A menina ouviu tudo em silêncio e de forma humilde. Até ali o diretor, que ela calculou ter um pouco mais de quarenta anos, pareceu muito sério. Aliás, como deveria ser, na verdade. No entanto, quando ele deu por encerrados os seus conselhos, deu uma olhada em volta, talvez para se certificar de que não havia ninguém por ali e, então, falou bem baixo para Porãsy:

— Mas, menina, como você conseguiu dar aquele murro no rapaz? Você já viu seu tamanho comparado ao dele? Você deve ter punhos de ferro. — E deu um sorriso. — Um segredo só nosso: se depois de tudo o que o riquinho falou contra você e seu povo, você não falasse nada, ou não fizesse nada, eu te admiraria bem menos, agora.

É claro que ela saiu superfeliz da sala dele, por suas palavras e por ter ele como diretor. Achou, por uns instantes, que não seria tão ruim, assim, estudar naquela escola.

Finalmente sua irmã chegou na mesa do refeitório. E claro, a primeira coisa de que falou foi com relação ao que Porãsy fez no primeiro horário.

— O que você aprontou, Porãsy? Você está louca? todo mundo falando de você. Como que você, no primeiro dia de aula, faz uma coisa dessas?

Porãsy deu de ombros e continuou comendo. Para ela, já estava tudo acertado. E para a escola também, pensou. Ainda ouviria muita coisa do seu pai, mas não da sua mãe, que, tinha certeza, agiria da mesma forma em situação semelhante. Só não dava mesmo para ficar ouvindo sua irmã.

O dia já estava estranho demais, por si só. 


Anexo: 

Poema "Genocídio" de Emmanuel Marinho.  

  

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.


Um vídeo onde o poeta canta um canto às crianças do mundo e, em especial, à criança Kaiowá e Guarani

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora