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Alfonso serviu-se de cerveja, desejando não ter comido o último pedaço de pizza. Estava esparramado no sofá com Arthur, em meio ao caos na sala de estar. Um filme de segunda categoria sobre monstros e alienígenas se desenrolava na tela da televisão. Admitiu para si mesmo que adorava filmes assim, despretensiosos, feitos apenas para divertir e ser esquecidos em seguida.
Dali a pouco mudaria de canal para ver a contagem regressiva da entrada do novo ano na Time's Square, Nova York. Arthur queria assistir e insistira em ficar acordado até tarde, entretanto, naquele instante, parecia lutar de modo feroz para manter as pálpebras erguidas, o que explicava o estado da sala, pois se esforçara para demonstrar que estava bem desperto. Por fim, adormeceu, encostado ao ombro do pai.

Alfonso resolveu deixá-lo dormir até dois minutos antes da entrada do Ano-Novo. Bebericou a cerveja e ficou assistindo ao monstro de um só olho, invasor da Terra.

Quase pulou ao ouvir uma batida na porta. Resmungando, deitou o menino no sofá e levantou-se. A probabilidade de alguém ir visitá-lo depois das dez horas da noite era igual à de uma invasão de monstros, pensou, curioso.

Com cuidado, circundou brinquedos, tênis e meias espalhados no chão, e dirigiu-se à porta. Devia ser alguém perdido ou que ficara com o carro enguiçado na estrada, pensou. Todos que conhecia na cidade estavam celebrando o Ano-Novo em suas casas ou na de amigos e parentes.

Entretanto, parecia que nem todos, concluiu com um sobressalto, ao deparar-se com Anahí Portillo.

- Olá. Achei que estaria em casa. Minha mãe mandou-lhe isto.

Alfonso segurou a pequena vasilha com tampa de plástico.

- Sua mãe?
- Sim. Magoou-a quando disse que estava muito ocupado para ir lá em casa amanhã.
- Não disse que estava ocupado, eu... - Alfonso interrompeu-se, porque não lembrava qual a desculpa que dera.
- As lentilhas são para dar sorte - explicou Anny. - Mamãe espera que mude de idéia e apareça. Haverá muitas crianças para Arthur brincar. Ele está acordado? Quero dizer olá.

Sem esperar pela resposta nem por convite, esgueirou-se para dentro da casa, pegando Alfonso desprevenido, que saiu correndo atrás e alcançou-a na sala desarrumada com a televisão ligada. Sem jeito, começou a recolher alguns brinquedos e objetos no caminho, empurrando outros com o pé.

- Ora! Pare com isso. - Anny gesticulou, impaciente. - Conheço as casas que têm crianças. A nossa foi assim. Que árvore de Natal linda!

Com as mãos ocupadas, Alfonso seguiu-lhe o olhar. Vira a dos Portillo na sala de estar. Era maravilhosa, luxuosa e imponente. A dele e de Arthur parecia ter sido decorada por um bando de duendes bêbados.

- Certa vez fizemos uma igual a essa - disse Anny. - Eu, Angel e Christopher infernizamos minha mãe até que ela nos deixou enfeitar a árvore. Fizemos uma tremenda bagunça. Foi maravilhoso!

O fogo crepitava na lareira, e ela aproximou-se para esquentar as mãos. Passara mais de uma hora vestindo-se, de modo a parecer calculadamente natural. O suéter vermelho-escuro estava enfiado dentro da calça cinza, e ela usava um delicado par de brincos de ouro. Deixara os cabelos soltos, após muita hesitação, e eles desciam-lhe pelas costas, até a cintura.

Um tanto ressentida, pensou com seus botões que Alfonso não precisara se esforçar para estar lindo com seu jeans velho e camiseta.

- Que casa bonita! - exclamou. - É um lugar tão tranqüilo, aqui na colina! Deve ser ótimo para Arthur ter uma casa espaçosa como esta. Precisa comprar-lhe um cachorro.

- Sim, ele está louco para ter um. - Enquanto falava, Alfonso imaginava o que fazer com a visita. - Agradeça a sua mãe pelas ervilhas.

- Lentilhas - corrigiu Anny com um sorriso. - Agradeça você mesmo.

Voltou-se e deparou com Arthur, o rostinho enterrado no sofá e um braço esticado para fora.

- Foi nocauteado. - Aproximou-se devagar do menino e recolocou o braço na almofada, cobrindo-o com a manta do sofá. - Queria ficar acordado até a meia-noite?

- Sim - resmungou Alfonso.

I really like youWhere stories live. Discover now