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Arthur estava sentado na escrivaninha dupla que ele e o pai chamavam de "escritório", e, com cuidado, escrevia as letras do alfabeto. Era seu trabalho. Do mesmo modo que o pai estava fazendo o dele, do outro lado da mesa, pensou.

Os papéis de rascunho, réguas e lápis pareciam bem mais divertidos que o alfabeto, matutou o menino. Mas o pai dissera que se fizesse seu dever direito, dar-lhe-ia os lápis coloridos para desenhar.

Arthur imaginou que desenharia uma casa gigantesca, como a que tinham na colina, com o velho celeiro que o pai transformara em oficina. E a cobriria com muita neve. E poria um cachorro.

Seus avós tinham um cão, lembrou-se, embora Puppy já fosse bem velho. Mas era muito divertido. Entretanto tinha que ficar com os avós... Um dia teria seu próprio cachorro e o chamaria de Pancho, decidiu. Atiraria bolas para o cão buscar e o deixaria dormir em sua cama.

Seu pai dissera que poderia ter um, assim que se tornasse mais responsável. E isso poderia acontecer no dia seguinte, concluiu, feliz.

Arthur ergueu o rostinho e olhou para Alfonso, imaginando se podia perguntar se já era responsável. Mas o pai estava com aquele olhar sério, a testa franzida... não aborrecido, mas o olhar de quando trabalhava, pensou o menino. E quando o interrompia no trabalho, a resposta era sempre a mesma: "Não posso falar sobre isso agora".

Porém, escrever o alfabeto começava a cansar. Arthur queria desenhar a casa, brincar com os caminhões ou com o computador... ou ainda, quem sabe, dar uma olhada pela janela e ver se começara a nevar.

Principiou a bater com o pé na parte de baixo da escrivaninha.

- Arthur, não balance a mesa.

- Tenho que escrever o alfabeto inteiro?
- Sim.
- Por quê?
- Porque sim.
- Mas fui até o g...
- Se não escrever até o fim, não vai conhecer as palavras que começam com as letras que deixou de fora.
- Mas...
- Viu? Não vai conseguir escrever "mas". M-A-S.

Arthur suspirou da maneira profunda e sincera como fazem os meninos de seis anos. Escreveu mais três letras e voltou a olhar para Alfonso.

- Pai...
- Humm...
- P-A-I.
Alfonso ergueu o olhar e viu o filho sorrindo.
- Muito engraçado.
- Sei soletrar "Arthur" também.
Alfonso estreitou os olhos, com expressão séria.
- E "concentração"?
- O que é isso? Leva mostarda? - O pai não conteve o riso.
- Como consegue ser tão esperto, garoto?
- Vovó disse que sou igual a você. Posso ver o que está desenhando? Disse que é para a moça que dança. Posso ver?
- Sim, é para aquela moça, e não, só verá o desenho quando eu terminar.

Assim falando, Alfonso pensou que, por mais que desejasse parar tudo e dar atenção ao filho, precisava ensinar-lhe a ser responsável, e só conseguiria isso demonstrando responsabilidade. Esse era um dos paradoxos em ser pai.

- O que acontece quando você não acaba o que começou? - perguntou ao menino.
Arthur ergueu o olhar com paciência.
- Nada.
- Isso mesmo.
Arthur voltou a suspirar e a pegar o lápis, porque não vira o pai sorrir dessa vez.
Mas Alfonso estava louco para deixar os desenhos de lado e fazer o que o filho desejasse, pelo resto da noite. Ao inferno com o trabalho e a responsabilidade!

Porém, também estava ansioso por outra coisa: terminar o que começara.

Enquanto fazia cálculos, imaginou se o próprio pai também o observara cheio de preocupação quando era menino. Era provável, concluiu com seus botões, embora jamais tivesse demonstrado. Luiz Herrera nunca fora homem de ficar conversando. Ia e voltava do trabalho, dia após dia, e esperava que o jantar estivesse pronto às sete horas.

Esperava também que o filho cumprisse suas obrigações, não se metesse em encrencas, e, acima de tudo, fizesse o que lhe mandava sem questionar. Uma dessas expectativas consistia em que o filho seguisse seus passos. E Alfonso sabia que decepcionara o pai em todas as áreas, e que fora decepcionado também.

Não pretendia sobrecarregar Arthur com o mesmo tipo de exigências e expectativas.

- Pronto - Arthur ergueu o papel, sacudindo-o como uma bandeira da vitória. - Acabei!

- Pare de sacudir, garoto, para que eu possa ver. - Estava longe de ser um trabalho meticuloso, Alfonso observou, quando o menino lhe estendeu o papel, mas fizera tudo, do início até o fim. - Muito bem! Quer mais uma folha?

- Posso ficar ao seu lado e ajudar você, papai?

- Claro! - concordou Alfonso, prevendo que aquilo prolongaria seu trabalho em pelo menos mais uma hora. Mas valia a pena conceder algum tempo para o menino. Inclinou-se e pegou-o no colo. - Bem, o que vemos aqui é o apartamento que fica em cima da escola de bale.

- Por que as bailarinas usam aquelas roupas engraçadas para dançar, papai?
- Não faço a menor idéia. E como sabe disso?
- Vi um desenho na televisão, e os elefantes dançavam com umas saias pequenas e gozadas. Faziam piruetas na ponta dos pés. Os elefantes tem dedões?
- Um dia iremos verificar isso na Enciclopédia dos Animais. Agora pegue o lápis. Desenhe uma linha aqui.
- Certo!

Pai e filho ficaram trabalhando, as cabeças unidas, a mão grande guiando a pequena.

Quando Arthur começou a bocejar, Alfonso o ergueu, apoiando-o no ombro.

- Não estou com sono - murmurou o menino, com a cabeça pendendo.
- Quando acordar amanhã, faltarão só cinco dias para o Natal.
- Posso ganhar o presente antes?
Alfonso sorriu. A voz da criança estava pastosa, e o corpo pesado, suspenso em seu ombro. Dirigiu-se à sala de estar e parou um instante, ninando-o, como fazia quando era um bebê e chorava no meio da noite.

Olhou para a árvore de Natal e achou que não era das mais bonitas. Mas apresentava um ar festivo. Os enfeites multicoloridos cobriam todos os galhos, e festões de prata circundavam as lâmpadas pequenas.

Em vez de um anjo ou uma estrela no topo, havia um Papai Noel sorridente e bonachão. Arthur ainda acreditava no bom velhinho, e Alfonso perguntou-se se ainda teria aquela ilusão no ano seguinte.

Com o pensamento voltado para o passar dos anos, olhou o rosto do filho, aspirando o perfume dos cabelos louros.
















I really like youWhere stories live. Discover now