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Lembrou-se de quando era menina e das cenas que fazia para demonstrar sua frustração ante uma negativa do pai ou da mãe. Muito choro, seguido de mau humor, que sempre terminava como no momento atual, no caso de Arthur, com tristeza e remorso. Continuou:

- Às vezes é impossível agradar os filhos porque não seria a melhor coisa a fazer. E às vezes porque não se pode mesmo. Quando o filho chora, grita, bate o pé, os pais ficam aborrecidos, mas magoados também.

Arthur ergueu o rostinho com os olhos muito abertos e os lábios trêmulos.

- Não quis aborrecer o meu pai...

- Sei disso, meu bem. E aposto que se explicar-lhe com calma e bons modos como se sente, farão as pazes.

- Seu pai gritava com você?

- Sim. E eu ficava louca de raiva ou muito infeliz. Mas depois de um certo tempo, em geral concluía que fora merecido.

- E eu mereço?


- Acho que sim. Havia uma coisa da qual nunca me esquecia, mesmo em meio às maiores brigas quando me sentia infeliz ou furiosa: que meu pai me amava. E você sabe o mesmo sobre o seu pai, não sabe?

- Sim - replicou Arthur, balançando a cabeça de modo solene e concordando. - Somos uma dupla.

- Uma dupla fabulosa.

Arthur virou as fatias finas de maçã no prato, formando figuras. Anny era bonita, pensou, e muito boa. Sabia brincar e contar histórias. Até gostava quando o beijava, e não se importava nem um pouco. E como ela ria, quando fingia não querer beijá-la!

Era uma brincadeira entre os dois. O pai também gostava de beijar Anny, lembrou. Ele dissera isso e não mentira.

Então , os dois podiam se casar, mesmo que o pai dissesse que isso não ia acontecer. Aí ela seria a esposa dele e sua mãe, concluiu Arthur. E todos viveriam juntos na grande casa. E um dia, quem sabe, poderiam ir à Disneyworld.

- No que está pensando assim tão concentrado, Arthur?

- Estava pensando se...

- Ora! - exclamou Anny, erguendo a cabeça ao ouvir o som da campainha da porta, e sorrindo. - Depois você me conta, certo? Deve ser sua avó.

Passou a mão nos cabelos louros do menino e apressou-se a atender. Segurando a maçaneta, tomou fôlego. Era bobagem ficar nervosa, pensou. Abriu a porta e deparou-se com o Sr. e a Sra. Herrera.

- Como vão? Prazer em conhecê-los. - Deu um passo atrás, convidando-os a entrar. - Arthur está na cozinha tomando um lanche.

- Foi gentileza sua tomar conta dele para Alfonso - disse Helena Herrera, entrando e tentado disfarçar o olhar observador sobre os móveis do hall. Ela também retocara a maquiagem, apesar dos protestos do marido.

- Gosto de ficar com Arthur. É uma ótima companhia. Por favor, entrem. Tomem um café.

- Não queremos incomodar - disse Luiz.

Para ele as casas eram todas iguais, já que entrava e saía de uma centena delas, consertando pias e vasos sanitários.

- Fiz café agora mesmo. Por favor, vamos entrando, a não ser que estejam com pressa.

- Temo que...

Luiz interrompeu-se ao sentir uma leve cotovelada da esposa, e Anny continuou:

- Meus pais foram dar um olhada na obra que Alfonso está fazendo para mim.

- Ele sempre foi bom nisso - replicou Helena, lançando um olhar sereno para o marido, que cerrou os lábios com força.

I really like youWhere stories live. Discover now