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Era o momento de novos sonhos, refletiu, enquanto percorria a enorme sala vazia. A escola de bale era sua nova obsessão, e pretendia que fosse tão compensadora, gratificante e perfeita quanto a antiga.

Com as mãos nos quadris, examinou as paredes cinzentas, que um dia haviam sido brancas. Voltariam a clarear, decidiu. Seria ali que ela poria os pôsteres emoldurados dos grandes bailarinos, Nureyev, Margot Fontayne, Baryshnikov, Davidov e Bannion.
E as duas paredes mais longas seriam revestidas com espelhos por trás das barras.

Essa vaidade profissional era tão necessária quanto respirar. Uma bailarina devia estudar cada pequeno movimento, cada arco, cada flexão, para alcançar a perfeição.
Os espelhos em uma sala de dança eram como janelas, pensou Anahí, por onde a bailarina enxergava o bale.
O velho teto seria consertado ou substituído, conforme a necessidade. O mobiliário...

Anny esfregou os braços gelados. Bem, sem dúvida seria modificado. As tábuas do chão receberiam um tratamento para ficarem macias, lisas e perfeitas. E havia ainda a iluminação e o encanamento, por certo teria alguns reparos elétricos a fazer.

Seu avô fora marceneiro antes de se aposentar, lembrou com afeição. Portanto não era tão ignorante a respeito de reformas. E o que não soubesse, aprenderia, concluiu.

Faria perguntas, até compreender o processo e poder orientar o empreiteiro que fosse contratar. Era preciso conhecer os assuntos para poder comandar, pensou.

Em um esforço para imaginar como ficaria o ambiente, fechou os olhos, inclinando o corpo em uma posição de bale. Anny tinha muita flexibilidade e foi descendo o tronco até que as nádegas tocaram os calcanhares. Voltou a erguer-se e baixar de novo.

Fizera um coque no alto da cabeça, e com os movimentos continuados, os cabelos se soltaram e algumas mechas onduladas, loiras e brilhantes emolduraram-lhe o rosto. Quando soltas, chegavam até a cintura, emprestando-lhe um ar romântico que era o ideal para sua imagem no palco.

Sorrindo de modo sonhador, o rosto de Anny parecia brilhar. Herdara a pele morena da mãe e as maçãs do rosto salientes, os olhos claros, do pai.
Era uma combinação atraente e muito feminina. Um misto de cigana, sereia e fada. *-*

Os homens olhavam para Anny, percebiam a delicadeza de suas feições e concluíam que era uma mulher romântica e frágil. Que erro! Por baixo da feminilidade havia uma tempera de aço!

- Um dia desses não vai conseguir sair dessa posição e vai ter que pular como um sapo.

Anny deu um salto e abriu os olhos.

- Chris!! - exclamou, atravessando a sala para atirar-se nos braços do irmão. - O que faz aqui? Quando chegou? Pensei que estivesse jogando bola em Porto Rico. Quanto tempo vai ficar?

Christopher era dois anos mais velho, fato pelo qual costumava martirizá-la quando crianças, ao contrário da meia-irmã Angelique, mais velha que os dois, e que nunca se aproveitara disso para dar ordens.
Entretanto, Christopher era o preferido de Anahí.

- Que pergunta deseja que responda primeiro? - Rindo, Christopher a afastou, analisando-a de modo rápido, com um olhar divertido. - Ainda é uma magricela.

- E você é um bobo - replicou Anahí, beijando-o. - Mamãe e papai não me disseram que viria para casa.

- Não contei. Soube que a nossa Anny estava de volta e achei que deveria vir fazer uma visita. - Relanceou um olhar pela sala enorme e suja e fez um gesto de desespero. - Mas creio que cheguei tarde demais.

- Vai ficar maravilhoso!

- Pode ser, mas no momento é um horror. - Christopher passou-lhe um braço pelo ombro. - Então a rainha do bale vai ser professora.

- E a mais maravilhosa! Por que não está em Porto Rico?

- Não posso jogar beisebol doze meses por ano.

Anahí enrugou a testa, preocupada.

- Christopher...

- Machuquei a perna.

- Oh! Muito? Foi ao médico? Vai...

- Calma, Anny! Não foi nada grave. Vou ficar sem jogar alguns meses e voltar a treinar na primavera. Isso me dará muito tempo para transformar sua vida em um inferno.

- Esse é o lado bom dessa história. Venha, vou mostrar-lhe o resto da casa. Meu apartamento fica no andar de cima.

De modo discreto, observou se o irmão mancava.

- Pela situação do teto, seu apartamento poderá ficar no térreo a qualquer minuto.

- O teto é sólido - replicou Anny com um gesto displicente. - Só está feio, no momento. Mas tenho planos.

- Sempre tem.

Christopher caminhou com a irmã pelo salão vazio, forçando o peso do corpo na perna direita. Alcançaram uma pequena sala de entrada muito feia, com paredes rachadas que mostravam os tijolos. Uma escada conduzia ao segundo andar, que parecia estar ocupado por ratos, aranhas e insetos, algo em que Christopher nem queria pensar.

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