De todos os jogadores do time de Hóquei da universidade de Briar, Beto Sobral se destaca por ser o mais sensato, gentil e amável. Diferente de seus amigos mulherengos, ele sonha mesmo é com uma vida tranquila: esposa, filhos e, quem sabe um dia, abr...
No hóquei, quase todo mundo joga com um par. A linha de ataque é formada por um ala esquerda, um jogador de centro e um ala direita. A defesa joga em duplas. Só o goleiro joga sozinho, e ele é sempre estranho. Sempre.
Kenny Simms, que se formou no ano passado, foi um dos melhores goleiros da Briar e provavelmente o motivo pelo qual ganhamos três Frozen Fours seguidos, mas o cara tinha os hábitos mais esquisitos. Falava consigo mesmo mais do que falava com os outros, sentava no fundo do ônibus e preferia comer sozinho. Nas raras ocasiões em que saía com a gente, discutia o tempo todo. Uma vez, entrei numa polêmica com ele sobre se as crianças estão expostas a tecnologia demais. Passamos três horas no bar debatendo o tópico, regado a cerveja.
Beatriz me lembra Simms. Ela não é estranha, mas é fechada igual a ele. Acha que está sozinha. Basicamente, nunca teve ninguém para patinar com ela — nem as amigas, Cora e Hope. Meio que entendo. Fora do time, os caras com quem me relaciono são legais, mas nunca dei meu sangue por eles, chorei com eles, ganhei com eles. Não sei se eles me apoiariam, porque nunca estive numa posição em que essa lealdade fosse testada.
Beatriz não sabe o que é ter alguém ao lado dela, muito menos apoiando-a. E é por isso que não cedo à tentação de dar um chacoalhão nela por dizer merdas do tipo me autorizar a sair com outras mulheres. O medo nos seus olhos é palpável, e me lembro de que é fundamental ter paciência aqui.
— Quer que eu te siga até em casa? — Ofereço, ao entrar com a caminhonete no estacionamento da faculdade, onde ela parou o carro. — A gente pode ficar junto um pouco, planejar as coisas.
Ela nega com a cabeça. Claro que não. A garota não consegue mais olhar para mim desde que caiu em prantos. Odeia chorar na minha frente. Merda, pelo jeito odeia chorar em geral. Para Beatriz, lágrimas são um sinal de fraqueza, e ela não suporta ser vista como nada menos que uma amazona.
Abafo um suspiro e salto da caminhonete. Caminho com ela até o seu carro, em seguida puxo seu corpo rijo contra o meu. É o mesmo que abraçar um tronco congelado.
— Quero ir com você na próxima consulta — aviso.
— Tá.
— Não se empolga muito não. Vai acordar o bebê — digo, secamente.
Ela me abre um sorriso triste.
— É esquisito, né? Dizer que a gente vai ter um bebê?
— Tem coisas mais esquisitas. Simmsy, nosso antigo goleiro, costumava comer marshmallow antes de todos os jogos. Isso é muito esquisito. Uma mulher ter um filho parece bem normal.
Suas orelhas ficam rosadas.
— Tô falando de nós dois. — Ela aponta de mim para ela. — A gente ter um bebê é esquisito.
— Não. Também não acho esquisito. Você é jovem — e superfértil, aparentemente —, e eu não consigo manter as mãos longe de você. — Me abaixo e planto um beijo forte em sua boca surpresa. — Vai pra casa e descansa. Me manda uma mensagem assim que souber quando vai ser a próxima consulta. Te vejo mais tarde.
Então me afasto antes que ela tenha a oportunidade de discutir comigo. Esquisito? Nem um pouco. É assustador e maravilhoso ao mesmo tempo, mas não tem nada de esquisito.
Quando chego em casa, ela está vazia, o que é uma coisa boa. Se os caras estivessem por aqui, eu talvez acabasse dando com a língua nos dentes, e tenho que respeitar a vontade de Beatriz. Somos um time agora, quer ela goste disso ou não. Ela está apavorada, cheia de culpa e assustada com o que está para acontecer. Acho que tudo o que posso fazer agora é apoiá-la.
Quando você tem um colega novo no time, ele nem sempre confia em você de cara. Ele dá uma de fominha porque é assim que está acostumado a marcar, a alcançar o sucesso. Criar uma criança é um esporte de equipe. Beatriz precisa aprender a confiar em mim.
Mas, embora eu não vá contar aos meus colegas de república até ela estar pronta, tem alguém que precisa saber.
Então subo até o meu quarto, sento na beirada da cama e escrevo para minha mãe.
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Passo os vinte minutos seguintes pesquisando sobre bebês. Não tinha me permitido fazer isso antes. Não sabia se Beatriz ia querer ter a criança e não queria ficar apegado demais para depois ficar triste se ela resolvesse fazer o aborto.
Agora, estou livre para me lançar na paternidade. Ao contrário de Beatriz, não sinto tanto medo. Sempre me vi formando uma família. Claro que imaginei que isso ainda demoraria um pouco, ou que pelo menos não aconteceria antes de eu terminar a faculdade, começar um bom negócio e estar ganhando uma grana decente. Mas a vida está sempre mudando, e você só tem que se adaptar.
Pego o caderno onde faço minhas anotações sobre investimentos em propriedades e rabisco umas contas rápidas na margem, para ver se consigo comprar uma casa em Boston. Não demoro a perceber que não posso me dar ao luxo de adquirir um negócio e uma casa com o dinheiro que meu pai deixou. Imóvel em Boston é uma coisa ridiculamente cara. Acho que vou ter que alugar por um tempo.
Certo. Então vou precisar de um lugar para morar, um emprego e tenho que descobrir o que fazer com a merda da minha vida depois da faculdade. Estava meio que adiando a busca por um empreendimento, porque isso não tinha a menor urgência, mas, com uma criança a caminho e Beatriz naquele buraco em que mora atualmente, tenho que me organizar.
Quando minha mãe liga, estou no site da Amazon comprando livros sobre gravidez e educação infantil.
— Meu filho! Como vão as coisas? Só mais alguns meses e você vai estar de volta em casa — comemora em meu ouvido.
Sinto o estômago contrair. Se tem uma pessoa que odeio decepcionar é minha mãe, e não voltar para o Texas vai deixá-la arrasada. Mas, para ser sincero, já faz um tempo que eu estava em cima do muro com essa história de Texas. De certa forma, o bebê está me salvando disso.
Faço uma nota mental para falar isso para Beatriz, porque sei que, na sua cabeça, ela acha que está arruinando a minha vida.
— Na verdade, é sobre isso que quero falar. Minha… — hesito, porque não sei o que somos depois da conversa de hoje de manhã — … namorada — termino, por falta de um termo melhor. Nosso relacionamento é muito complicado para explicar para minha mãe agora. Além do mais, não quero piorar ainda mais as coisas, porque minha mãe já vai ficar chateada. — Lembra que te falei no Natal que conheci uma garota?
— Lembro… — Ela soa cautelosa.
Arranco o band-aid logo de uma vez.
— Ela tá grávida.
— É seu? — minha mãe pergunta na mesma hora. Há uma nota de esperança na sua voz, que apago depressa.
— É, mãe, por isso que pedi pra você ligar.
Há um longo momento de silêncio. Tão longo que quase me pergunto se ela desligou na minha cara.
Por fim, ela diz:
— Ela vai ter o bebê?
— Sim. Está com dezesseis semanas.
Já fiz as contas. A concepção deve ter sido na primeira vez em que transamos, quando eu estava com tanta pressa para entrar nela que esqueci a camisinha.
Beatriz Dourado me faz perder a cabeça, e de várias maneiras.
— Dezesseis semanas! — exclama minha mãe. — Você sabia no Natal e não falou nada?