— Beau sempre disse que você era muito determinada. Achei que esse seria o tipo de coisa que você reprovaria.
Franzo a testa.
— Assim parece que eu não tenho coração.
— Não. Não quis dizer isso. Foi um elogio. — Ela faz uma pausa. — Eu também era assim. Tinha tudo planejado: ia me formar em artes cênicas, conseguir um papel fantástico num musical da Broadway e alçar meu nome ao estrelato. Aí Beau morreu, e nada disso importa agora, sabe?
Acho que sim.
— De qualquer forma, é melhor eu ir. — Ela me abraça de novo. Desta vez, seu aperto é surpreendentemente forte. — Se cuida, Beatriz. Espero que você viva a vida se fazendo feliz.
Ah, claro. Se eu ao menos soubesse como.
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No dia seguinte, me vejo diante da sala da minha orientadora. A professora Gibson está com a cabeça baixa, corrigindo artigos. Bato de leve para não a assustar.
— Beatriz, entra. — Ela me convida com um sorriso acolhedor. — Como está indo o último semestre?
— Fácil. Já aprendi a fazer provas.
— Ou você se treinou a pensar de forma mais crítica e a ser capaz de analisar uma batelada de informações para encontrar os princípios simples que sustentam todas as teorias?
— Ou isso. — Rio, sentando diante dela.
— Animada com Harvard ou ansiosa pelas férias de verão?
— Harvard, sem dúvida. Vou sentir falta daqui.
Olho à minha volta para a sala acolhedora da professora Gibson, com as poltronas largas que ela reforma a cada quatro anos e a pilha imensa de livros que ameaça cair a qualquer momento, mas nunca cai. Ela tem fotos por todos os cantos: com os alunos, com o marido.
É então que percebo. A razão pela qual nunca pensei em ter filhos é porque, no momento em que conheci a minha orientadora, quis ser ela. A professora Gibson é inteligente, bem-sucedida, tem bom coração e é muito respeitada. Em todos os lugares a que vai, as pessoas a admiram. E, para uma criança como eu, de um bairro pobre no sul de Boston, esse tipo de admiração era um sonho — um que tenho perseguido implacavelmente aqui na Briar.
Não conheço uma mulher com filhos que seja tão bem-sucedida quanto a professora Gibson. Embora saiba, intelectualmente, que isso não é verdade, porque tem milhares de mães médicas, advogadas, banqueiras e cientistas. Até mesmo Hope e Cora falam em ser mães um dia. Mas esse um dia é um futuro nebuloso para elas, enquanto, para mim, está na merda da minha barriga.
— Você gostaria de ter tido filhos? — deixo escapar, enquanto fito uma foto dela com o marido na frente de um antigo castelo.
A professora Gibson estreita os olhos e, de alguma forma, ela sabe. Vejo em seu rosto.
— Ah, Beatriz.
Seu suspiro contém uma pergunta implícita.
Faço que sim com a cabeça.
Ela fecha os olhos, e, quando os abre, todos os vestígios de censura se foram. Mas vi o brilho inicial de decepção, e ele incomoda.
— Às vezes — diz, em resposta à minha pergunta. — Às vezes acho que sim, e às vezes fico feliz de que não tenha tido. Fui a tia querida dos três filhos do meu irmão, e isso satisfez quase todos os meus instintos maternais. Tenho meus alunos, o que é extremamente gratificante, mas não vou mentir que nunca me perguntei como seria ter um filho meu.
— Acha que dou conta? Ter um filho e encarar Harvard?
Ela faz um barulhinho triste no fundo da garganta.
— Não sei. O primeiro ano é desgastante e muito pesado, mas você é muito inteligente, Beatriz. Se tem alguém capaz disso, é você. Mas pode significar sacrifícios. Talvez você não se forme summa cum laude…
Estremeço, porque estar no topo da turma definitivamente é um dos meus objetivos.
— … ou não consiga entrar para a Law Review, a revista dos estudantes…
Engulo um gemido de desespero.
— … mas você ainda vai se formar em Harvard. Não tenho dúvida. — Ela faz uma pausa. — O que o pai diz?
— Depende de mim. Ele apoia a decisão que eu tomar.
O sorriso que ela me oferece é sincero.
— Ah, é um dos bons, então.
É. Beto tem sido muito bom para mim, e isso é parte do problema. Se eu tiver este filho, vou afetar a vida dele de mil maneiras diferentes — e nem todas elas são boas.
— Tenho certeza de que você vai tomar a decisão certa, seja qual for.
— Obrigada. — Fico de pé. — Sei que isso é estranho, eu vir falar com você, mas minha mãe…
Paro.
— Estou feliz que você tenha vindo — a professora Gibson diz, com firmeza.
Agradeço mais uma vez e saio da sala. Sei que deveria falar com as minhas amigas, mas elas vão dizer o mesmo que a professora Gibson. Na verdade, a razão pela qual vim até ela foi porque tinha certeza que ia me dizer para fazer um aborto.
Cinco minutos depois, estou sentada no carro, fitando o painel com olhos vazios. Sinto falta da minha mãe agora. Ela quase nunca esteve por perto, e não éramos muito próximas, mas ainda assim ela é minha mãe, e queria que estivesse aqui. Quero saber por que ela me teve, se claramente não me queria em sua vida.
Quando chego em casa, pego uma folha de papel e começo a listar os prós e os contras. No meio dos contras, rasgo a folha ao meio e jogo fora.
Minha resposta já estava lá o tempo todo. Não precisava ver Joanna, nem a professora Gibson, ou comungar com a minha mãe ausente. O fato é que não marquei o aborto porque não quero fazer. Abortar pode ser a melhor opção, mas passei a vida inteira me sentindo indesejada.
Pouso uma das mãos de forma protetora na minha barriga ainda reta. Uma menina mais inteligente teria feito o procedimento, mas não sou essa menina inteligente. Hoje não.
Hoje, vou ter esse filho.
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A Conquista | BETRIZ
FanfictionDe todos os jogadores do time de Hóquei da universidade de Briar, Beto Sobral se destaca por ser o mais sensato, gentil e amável. Diferente de seus amigos mulherengos, ele sonha mesmo é com uma vida tranquila: esposa, filhos e, quem sabe um dia, abr...
͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏26. beatriz ⋆✴︎˚。⋆
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