Durante a preparação do jantar, conversamos sobre nada em particular. Ou melhor, eles conversam. Estou ocupado demais pirando por dentro. Acho que é uma prova do meu talento como ator, porque meus colegas não parecem perceber que tem algo de errado.
Estou prestes a despejar dois pacotes de penne na água fervente quando o telefone de Ulisses toca.
— É o treinador — diz ele, parecendo um pouco confuso.
Pouso o macarrão na bancada em vez de jogar na panela e observo Ulisses atender à chamada. Não sei por quê, mas sinto uma pontada de nervoso na coluna. O treinador Jensen não costuma ligar fora de hora sem motivo. Ulisses é o capitão do time, mas não é comum receber telefonemas à noite o tempo todo.
— Oi, treinador. Tudo certo? — Ulisses escuta por um momento. Suas sobrancelhas escuras se franzem, e, em seguida, ele fala de novo. Cuidadoso. — Não entendi. Por que o Pat te pediu pra me ligar?
Ele escuta de novo. Por muito mais tempo, desta vez.
Não sei o que o treinador Jensen está dizendo, mas está fazendo Ulisses ficar pálido. Muito pálido.
— O que foi? — pergunta Ronaldo. Ele também não deixou de notar o efeito que a ligação teve no nosso amigo.
Ulisses balança a cabeça, parecendo atordoado.
— Beau Maxwell morreu.
O quê?
Ronaldo congela.
Largo a espátula que estou segurando. Ela cai com um estrondo no chão, e, no silêncio da cozinha, parece uma explosão num filme de guerra. Todos estremecemos com o ruído.
Não pego a espátula. Só olho para Ulisses e pergunto, feito um idiota:
— O quê?
— Beau Maxwell morreu.
Ele continua a balançar a cabeça, de novo e de novo, como se não pudesse compreender as palavras que saem da sua boca.
— Como assim morreu? — Ronaldo rosna, indignado. — Isso é uma piada de mau gosto?
Nosso capitão apoia ambas as mãos na bancada da cozinha. Está tremendo de verdade. Acho que nunca vi Ulisses perder a calma assim.
— O treinador acabou de receber uma ligação do Pat Deluca. Treinador do Beau. Pat disse que Beau morreu.
Sem uma palavra, desligo o fogo e cambaleio até a mesa da cozinha. Desabo na primeira cadeira que encontro e esfrego os punhos na testa. Isso não pode estar acontecendo.
— Como? — devolve Ronaldo. — Quando?
Ele parece bravo, mas sei que é só choque. Ronaldo e Beau eram próximos. Não tanto quanto Basilio e Beau, mas… Ah, merda. Basilio. Alguém tem que contar pro Basilio.
— Ontem à noite. — A voz de Ulisses é quase um sussurro. — Acidente de carro. Ele tava em Wisconsin para o aniversário da avó. O treinador disse que as estradas estavam congeladas. O pai de Beau estava dirigindo e desviou de um cervo na pista. O carro capotou e voou para fora da estrada e… — Suas palavras soam sufocadas agora. — Beau quebrou o pescoço e morreu.
Deus do céu.
O horror invade minhas entranhas feito veneno. Do outro lado da mesa, Ronaldo está piscando para conter as lágrimas. Ficamos só sentados ali. Em silêncio. Em choque. Nunca… nunca perdi um amigo antes. Nenhum parente, também. Quando meu pai morreu, eu era novo demais para sofrer por ele. Acidente de carro também. Merda, por que é que a gente dirige, hein?
Lá no fundo, vem um pensamento insistente de que eu deveria estar fazendo alguma coisa. Meus olhos ardem, então passo a mão neles e me obrigo a me concentrar.
Beatriz.
Caralho, é isso que preciso fazer. Preciso ligar para Beatriz e dar a notícia. Ela costumava sair com Beau. Ela gosta dele.
Antes que eu possa levantar da cadeira, a porta da frente se abre. Nós três ficamos tensos.
Basilio chegou em casa.
— Merda — sussurra Ronaldo.
— Eu conto — diz Ulisses, a voz rouca.
Basilio está com a cabeça baixa ao entrar na cozinha. Está concentrado no celular, os dedos digitando uma mensagem, provavelmente para Flora. De início, não percebe nossa presença, mas, mesmo quando nos nota, acho que não repara nas nossas expressões.
— O que foi? — pergunta, distraído.
Quando nenhum de nós responde, ele faz uma cara feia e guarda o telefone. Seu olhar pousa em Ronaldo, e ele se enrijece ao ver as lágrimas do nosso amigo.
— O que tá acontecendo? — insiste.
Ronaldo esfrega os olhos.
Aperto os lábios.
— Sério, se alguém não me disser o que tá acontecendo nesse segundo…
— O treinador ligou — interrompe Ulisses, em voz baixa. — Ele acabou de falar com Patrick Deluca, e, humm…
Basilio parece confuso.
Ulisses continua a falar, embora eu preferisse que parasse. Queria que ele não tivesse que contar pro Basilio sobre Beau. Queria que nós nem sequer soubéssemos do Beau.
Queria… um monte de coisas. Mas agora querer não significa merda nenhuma.
— Acho que Deluca ligou porque sabe que somos amigos de Beau…
— É sobre Maxwell? O que aconteceu com ele?
Ronaldo e eu olhamos para as mãos.
Ulisses tem mais coragem do que nós, porque não evita o olhar ansioso de Basilio.
— Ele… ah… morreu.
E, simples assim, Basilio cai num transe. É terrível de ver, e não sei como trazê-lo de volta. Ulisses repete o que nos contou, mas está na cara que nosso colega não está ouvindo. Os olhos verdes de Basilio estão vítreos, sua boca está entreaberta, e ele respira de forma irregular.
É só quando Ulisses diz que Beau morreu no impacto que Basilio pisca e volta à realidade.
— Pode falar de novo? — pede, rouco. — Quer dizer, explicar o que aconteceu.
— Droga, por quê?
— Porque preciso ouvir de novo.
Basilio parece irredutível.
Nós o assistimos traçar uma reta até o armário da cozinha e tirar uma garrafa de uísque de uma das portas de cima. Ele dá um gole demorado direto do gargalo e senta ao meu lado na mesa.
Ulisses volta a falar. Deus. Não sei se consigo ouvir essa história horrível de novo. Basilio me passa o uísque, e dou um pequeno gole antes de passar a garrafa para Ronaldo. Não posso encher a cara agora. Estou pensando em dirigir hoje.
Quando Ulisses termina, Basilio afasta a cadeira e se levanta. Ele agarra a garrafa de Jack Daniel’s com ambas as mãos como se fosse um bichinho de pelúcia.
— Vou lá pra cima — murmura.
— Basilio… — chamo por ele, mas nosso colega já foi.
Ouvimos seus passos na escada. Um baque. Uma porta se fechando.
O silêncio invade a cozinha.
— Tenho que sair — murmuro para Ulisses e Ronaldo, cambaleando para longe da mesa.
Nenhum deles pergunta onde vou.
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A Conquista | BETRIZ
FanfictionDe todos os jogadores do time de Hóquei da universidade de Briar, Beto Sobral se destaca por ser o mais sensato, gentil e amável. Diferente de seus amigos mulherengos, ele sonha mesmo é com uma vida tranquila: esposa, filhos e, quem sabe um dia, abr...
͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏22. beto ⋆✴︎˚。⋆
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