— Beatriz…
Eu o interrompo:
— Minha vida é uma sequência de episódios horríveis desses reality shows de baixo nível. E se não continuar tirando notas perfeitas, se não conseguir competir com os outros… — Minha voz falha de leve, e sou obrigada a parar.
Beto não responde. Está me observando com uma expressão indecifrável.
Limpo a garganta.
— Se não conseguir competir, então nunca vou sair de lá, o que, francamente, não posso aceitar. Então, por mais que o sexo com você seja incrível, é uma distração. Você é uma distração — confesso.
Ele deixa escapar um suspiro lento e regular.
— Gata. Você acha que é a única que tem parentes constrangedores? Meu tio Saul literalmente dá vida ao estereótipo do tio esquisitão. Tá sempre tocando os parentes de um jeito estranho. Nenhuma das minhas primas quer chegar perto. Se eu te levasse numa reunião de família, ele ia ficar falando grosserias e tentando passar a mão na sua bunda. Mas acho que você não ia pensar menos de mim por causa disso, né?
— Não, mas… — Começo a dizer que é diferente, mas nós dois sabemos que não é verdade. É a mesma coisa. Ray não é meu pai. É só um babaca com quem minha mãe se casou e deixou para trás feito uma mala sem alça. O mesmo que fez comigo.
— E, ao contrário do que você pensa, não tenho dinheiro. Tô aqui com bolsa integral por causa do hóquei. Se a Briar não tivesse me oferecido isso, estaria numa faculdade comunitária no Texas. —Ele dá de ombros. — Tenho umas economias e quero usar isso pra dar um gás na minha vida depois da faculdade, mas não sou o babaca que você acha que sou.
— Não acho você um babaca — murmuro, mas não nego que fico desconfiada de caras com dinheiro.
Ele me estuda por um momento.
— Deixa eu te perguntar uma coisa. O fundo de investimento que os pais do Basilio fizeram pra ele rende mais em juros num trimestre do que toda a minha herança. O sexo com ele era diferente?
Estremeço por um momento, porque a noite regada a álcool que tive com Basilio Oliveira não é algo de que gosto de lembrar. Ao mesmo tempo, a ideia de que o dinheiro dele fizesse seu pau parecer diferente é tão boba que não consigo conter o riso.
— Não lembro. Tava bêbada, e ele também.
— Você se sentiu superior ao resto do mundo no dia seguinte?
— Deus, não.
— Então o problema não é o dinheiro. Não importa se a carteira da pessoa tá cheia ou vazia. Todo mundo se machuca. Todo mundo se apaixona. Somos iguais. E o seu passado, com quem você mora, de onde veio, isso não importa. Você tá criando o seu próprio futuro, e quero ver onde a estrada vai te levar. — Beto desliza um dedo sob a alça da minha bolsa. — Você tem que comer alguma coisa. Posso levar isso enquanto te acompanho até o refeitório?
Parece que a aula de filosofia acabou. Ainda bem, porque não estou preparada para responder a nada do que ele acabou de dizer.
Em vez disso, deixo-o carregar minha bolsa. Caminhamos em silêncio por alguns passos, até que me sinto obrigada a perguntar:
— Você não se abala com nada?
Ele faz que sim, sério, e ajeita minha bolsa no ombro. Qualquer um pareceria um pouco ridículo com uma mochila nas costas e uma bolsa no ombro, mas, de alguma forma, provavelmente por causa do peito largo e a altura, ele se sai bem.
— Claro, com um monte de coisa, mas tento não deixar isso me derrubar. É um desperdício de energia.
— Me fala uma, só uma — imploro. — Uma coisa constrangedora. Uma falha. Algo que te incomoda.
— Você não me ligar de volta me incomoda.
— Você tá sendo modesto, isso não é constrangedor.
— Você me rejeitou. Duas vezes — lembra ele. — Como é que admitir que isso me incomoda é ser modesto?
— Porque o sexo foi bom, então você sabe que eu dormiria contigo de novo se as circunstâncias fossem outras — argumento.
Em algum lugar lá no fundo, reconheço que esta conversa está atingindo níveis absurdos. Estou discutindo com um cara com quem dormi sobre como não posso dormir com ele de novo porque ele é bom demais de cama. É oficial, minha vida é bizarra.
— O que você considera circunstâncias normais? — pergunta, curioso, diminuindo a passada para me acompanhar.
— Não sei. Não consigo prever tão longe.
Ele para de repente bem na entrada do refeitório.
— Mentira.
— O quê?
— Mentira. Você sabe exatamente onde quer estar daqui a no mínimo cinquenta anos, e não só pelos próximos cinco.
Minhas bochechas ficam quentes, porque ele está certo.
— Escuta. O negócio é o seguinte — Beto ajeita uma mecha do meu cabelo, esfregando-a entre os dedos antes de passar atrás da minha orelha. — Gostei de dormir com você. Gostei de ouvir os gemidinhos sensuais que você fez quando eu tava te chupando, e gostei de sentir você tremendo na base quando gozava debaixo de mim. — As palavras sujas contrastam fortemente com seu tom prático e a firmeza com que ele me encara. — Mas não gostei da maneira como o seu pai…
— Padrasto — corrijo.
— … como o seu padrasto te tratou. Odiei, pra falar verdade. Odeio que você viva desse jeito e tô feliz que esteja dando um jeito de sair de lá, porque é isso que você tá fazendo, não é? Você tá se matando pra conseguir notas perfeitas e pra passar nas melhores faculdades, só pra escapar de lá.
Seu polegar acaricia minha maçã do rosto.
— Não quero ser uma distração, mas quero você. Acho que existe alguma coisa entre a gente, mas sou um cara paciente e vou aceitar o que você tem pra me oferecer agora. Não tô aqui pra aumentar a pressão sobre você nem pra dificultar as coisas. Quero aliviar sua carga.
Meu coração bate com força, e ele reduz o espaço entre nós.
— Meu pai morreu quando eu tinha três anos — diz, rispidamente. — Acidente de carro. Quase não lembro dele. Mas lembro de acordar com minha mãe chorando de noite. Lembro de ver seu rosto quando ela não podia comprar patins novos pra mim ou um videogame. Lembro da raiva dela quando dei um ataque na sala de casa uma vez e enfiei uma lâmpada na televisão. Levei uma bela bronca por isso. — Sua expressão é mais de arrependimento do que de raiva. — Ela tinha dois empregos pra eu poder jogar hóquei, e quando me formar vou dar o descanso que ela merece. Mas também sei que quero alguém na minha vida. Minha mãe é uma pessoa solitária. Não quero isso pra mim. E também não quero isso pra você.
Quando ele me beija, não é como das outras vezes. Aqueles foram beijos brutos, quentes e carregados de energia sexual. Este tem a leveza de uma pétala de flor e é doce como o mel em que ele envolve suas palavras. É como se Beto estivesse despejando ternura em mim aos baldes. A cada toque dos seus lábios contra os meus, está repetindo a promessa de não me dar nada mais do que o que eu pedir.
E é este beijo — este beijo doce, terno e atencioso — que me assusta mais do que qualquer coisa na vida.
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A Conquista | BETRIZ
FanfictionDe todos os jogadores do time de Hóquei da universidade de Briar, Beto Sobral se destaca por ser o mais sensato, gentil e amável. Diferente de seus amigos mulherengos, ele sonha mesmo é com uma vida tranquila: esposa, filhos e, quem sabe um dia, abr...
͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏10. beatriz ⋆✴︎˚。⋆
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