͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏01. beatriz. ⋆✴︎˚。⋆

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— Ouvi que Rachel Berkovich pegou barriga —  comenta ela. — Devia ter abortado, mas acho que é contra a religião dela.

Cerro os dentes de novo e me viro para encarar minha avó. Como de costume, ela está usando um roupão surrado e pantufas cor-de-rosa atoalhadas, mas está toda maquiada e com um penteado perfeito no cabelo tingido, embora quase nunca saia de casa.

— Ela é judia, vó. Acho que aborto não é contra a religião dela, mas, mesmo que fosse, a escolha é dela.

— No mínimo quer receber pensão — conclui vovó, soprando uma baforada comprida de fumaça na minha direção. Merda. Espero não chegar em Hastings cheirando a cinzeiro.

— Não acho que é por isso que a Rachel vai ficar com o bebê. — Com uma das mãos na porta, me mexo, agitada, esperando uma oportunidade para dizer tchau.

— Sua mãe pensou em abortar você.

E pronto, aí está a minha deixa.

— Tá legal, já chega — murmuro. — Tô indo pra Hastings. Volto hoje ainda.

Ela ergue o rosto da revista num sobressalto e estreita os olhos ao notar minha saia preta de tricô, o suéter preto de manga curta e gola redonda e os sapatos de salto alto. Vejo as palavras se formando em sua mente antes mesmo de saírem da boca.

— Tá toda metida, hein?! Indo praquela faculdade besta, é? Agora você tem aula sábado à noite?

— É um coquetel — respondo, de má vontade.

— Uhhh, coquetel, olha só. Não vai cansar esses dedinhos de tanto puxar saco, viu?

— Tá bom, vó, obrigada pela dica. — Abro a porta dos fundos com um movimento brusco e me forço a acrescentar: — Te amo.

—Também te amo, querida.

Ela me ama, mas às vezes esse amor é tão contaminado que não sei se está me machucando ou me ajudando.

Minha viagem até a pequena cidade de Hastings não leva cinquenta e dois minutos nem sessenta e oito. As estradas estão tão ruins que acabo gastando uma hora e meia dirigindo. Perco mais uns cinco minutos procurando vaga e, quando chego à casa da professora Gibson, estou mais tensa que uma corda de piano — e me sentindo tão frágil quanto.

— Oi, sr. Gibson. Mil desculpas pelo atraso — digo ao homem de óculos na porta.

O marido da minha orientadora me abre um sorriso gentil.

— Não se preocupe, Beatriz. O tempo está horrível. Deixe eu pegar seu casaco. — Ele estende a mão e espera com paciência enquanto tento me desvencilhar do casaco de lã.

A professora Gibson chega no momento em que seu marido está pendurando meu casaco barato entre outros caríssimos no armário do corredor. A peça de roupa parece tão fora de lugar quanto eu. Afasto a sensação de desconforto e abro um sorriso animado.

— Beatriz! — exclama Gibson alegremente. Sua presença dominante chama minha atenção. — Que bom te ver inteira. Está nevando ainda?

— Não, só chovendo.

Ela faz uma careta e pega meu braço.

— Pior ainda. Espero que não esteja pensando em voltar pra Boston hoje. As estradas vão estar gelo puro.

Como tenho que trabalhar de manhã, vou fazer a viagem independentemente das condições da estrada, mas não quero que minha professora se preocupe, então abro um sorriso tranquilizador.

—Não se preocupe comigo. Ela ainda está aqui?

Gibson aperta meu antebraço.

— Sim, e está doida pra te conhecer.

A Conquista | BETRIZ Where stories live. Discover now