— Avise-me se ela chegar! — disse Camila a Panda, sua escrava pessoal, enquanto curava a Fabia, a escrava cozinheira.
Fábia chorava e tremia. A coitada derrubara uma panela de banha fervente quando fritava línguas de rouxinol. A queimadura invadia o pulso e o braço numa chuva de pintas vermelhas, a mão era só carne-viva.
Camila pairou suas mãos sobre o ferimento e rezou mentalmente para o deus da cura, Esculápio. Por favor, use o seu poder através de mim e cure essa pobre moça.
Apesar de ficar com os olhos fechados durante todo o procedimento, deixou uma miniatura de mármore do deus próximo, sobre um criado-mudo. Sentia-se confortável dessa forma.
Em pouco tempo, uma luz esverdeada foi expelida das mãos da Camila e uma nuvem esmeralda rastejou sobre os ferimentos da escrava. Fábia fez uma expressão de alívio. Tudo estava dando certo. Depois de tanto tempo sem orar para Eusculápio, Camila temia que o deus tivesse lhe dado às costas.
Sentiu que tinha terminado. Abriu os olhos e viu a mão da cozinheira sem nenhuma marca ou cicatriz. Obrigada, Esculápio, farei preces a você essa noite.
Fábia estava ofegando, ao mesmo tempo, analisava as mãos com perplexidade.
— Não sei como agradecer! — disse a cozinheira, com olhos cheios de água.
— De duas formas. Não contando o que viu aqui a ninguém e fazendo aquele pudim de claras que eu amo!
— Vou caprichar! — A moça devia ter a mesma idade da Camila, mas não podia ficar mais um minuto ali por causa das suas atribuições.
Camila passou a mão pelos seus cabelos castanhos e se esticou. Sempre sentia-se bem após curar alguém. Depois, prometeu a si mesma que não faria isso novamente tão cedo. Quando seus pais descobriram que ela tinha essa capacidade, proibiram-na de usá-la. Mulheres com esse tipo de poder eram recrutadas para serem sacerdotisas.
E sacerdotisas não conseguiam um bom marido. Nenhum nobre toleraria sua esposa passando o dia trabalhando, ao invés de cuidar da casa ou enfeitar-se para ele. Eles tem razão. Outro dia encontrou uma ex-babá na sarjeta. Simplesmente porque o marido morrera e não deixara um vintém para ela. Uma mulher não podia viver sem um bom partido.
Panda voltou do corredor piscando aceleradamente e Camila pegou a estatueta de Esculápio e colocou, com cuidado reverente, embaixo da cama. Ilithya surgiu pelas cortinas da entrada em arco do quarto, junto com uma animação incomum, até mesmo para ela.
— Filha, tenho notícias fantásticas.
Mais um marido deve ter entrado em cena. Camila sentou-se na cama sem se preocupar em fingir interesse. Mesmo sem dizer nada, a mãe continuou.
— Sabe quem veio comprar um gladiador novo hoje? Seus antigos colegas de estudo.
Camila arregalou os olhos até o limite, ficara genuinamente interessada.
— Tibérius esteve aqui? Ninguém me chamou?
— E o Vettius também! — completou a mãe — Eles estão no escritório do seu pai, achei que você poderia aparecer, casualmente. — comentou a Ilithya e Camila gostou da ideia.
Ilithya saiu do quarto e Camila demorou a absorver o que estava acontecendo.
Hoje era o aniversário de dezoito anos do Vettius, um amigo muito rico e chato, o qual sua mãe queria lhe empurrar para um casamento.
À noite, Vettius celebraria sua festa e Camila não estava nem um pouco a fim de ir. Não até agora. Ela levantou da cama agitada com um sorriso radiante. Ver o Tibérius seria um sonho.
— Panda! Traga-me aquele vestido azul. Aquele que eu comprei semana passada.
— Calma, assim vai assustar o homem. — disse a Panda, já começando a pentear seus cabelos castanhos.
— Não fale isso nem brincando, sabe quanto tempo espero por ele?
— Dois anos, um mês, três dias e essa manhã. — disse Panda com ar divertido e Camila fez uma careta.
— Vou pegar aquele vestido verde, realça a cor dos seus olhos — decidiu Panda. A escrava tinha quase a mesma idade da Camila, mas a cuidava dela como se fosse uma ama bem mais velha.
— Será que ele ainda me quer?
— Será que você ainda vai querer ele? E se e ele tiver diferente? Com dentes podres, verruga no nariz, barriga grande...
— Para mulher, ele é perfeito! — interrompeu a Camila, afastando as imagens da mente.
Panda escolheu um vestido que moldava-se bem aos seus seios grandes, sem ficar indecente no decote. O que era um desafio, pois Camila tinha seios avantajados. Era bom ter alguém que conhecia os seus gostos.
Ao se arrumar o mais rápido que pôde, foi em direção ao escritório do pai, que encontrava-se após o corredor que conectava a residência na escola de gladiadores.
Havias três grandes ludus de gladiadores na cidade, seu pai era dono de um deles. Camila quase nunca fora a arena de treinos. Lucius não gostava da forma como os escravos babavam em cima dela e ela também não fazia tanta questão. Achava esse esporte violento demais, mesmo sabendo que dali que saiam os luxos da sua casa.
Viu a porta dupla de mogno escuro do escritório. Uma porta a separava do amor da sua vida. Empurrou num ímpeto maior do que planejara.
Três pessoas a encaravam. Nenhuma delas era o Tibérius.
====
Há 2 semanas e 12 horas...
Marcus assoprava o apito para fazer a fila de trás tomar à dianteira. Notara dois legionários sangrando, que não tiveram o bom senso de trocar de posição.
Assim ele foi para a segunda fileira da centúria. Ainda era uma posição que ele conseguia ver tudo que ocorria ao redor. Como Centurião, cabia a ele coordenar cem homens.
Gauleses impetuosos avançavam sobre a linha de batalha romana. Seus inimigos eram selvagens, grandes e viviam para a guerra.
Eram mais numerosos, maiores, mais fortes e, na mesma medida, mais burros. Se jogavam feito loucos nas linhas coesas romanas, sendo derrubados feito trigo na colheita.
— Minha lança está com fome senhor, me deixe ir para frente! — disse um soldado na fila de trás e Marcus respondeu com uma risada — Espere sua vez, legionário.
A adrenalina de batalha era inexplicável. Passaram semanas andando por território hostil, cansados, com fome e medo. Por mais que a maioria não admitisse.
Mas na hora da batalha, um furor selvagem transformava os homens em demônios de Hades.
O soldado a sua frente gritou por causa de uma lança que encontrou seu ombro e furou profundamente. Marcus o puxou e voltou para a dianteira.
Não havia espaço para um Centurião, que não fosse à linha de frente. Muito menos para um adepto de Marte, o deus da guerra.
Ao trocar de posição, posicionou o escudo para recepcionar o dono da lança. O inimigo tinha uma barba que se alongava até o peito. Rosto sujo de lama seca e rachada. Possuía um ombro inchado e lutava com duas armas.
Revelou um sovaco cabeludo quando ergueu um machado e deu uma pancada violenta, que se chocou no escudo do Centurião. Depois, tentou explorar alguma brecha com a lança. Era um guerreiro traiçoeiro.
A cada três golpes do homem, aparados pelo escudo, Marcus tentava açoitar com a sua lança. O selvagem esquivava com precisão.
Marcus assoprou duas vezes o apito, dando uma ordem para a fila avançar abruptamente e pressionar a frente deles. Ficou a centímetros do gaulês. Havia certa intimidade naquilo. Naquele momento, eles dividiam o mesmo espaço, respiravam o mesmo ar. O homem rosnava e empurrava e Marcus fazia o mesmo. Não havia espaço para fazer nada diferente disso.
Já viu homens desmaiarem de asfixia nesses embates abafados de empurra-empurra.
Na verdade, não havia nada para se fazer com uma lança. Posicionou a lança com a ponta pra cima e afundou o cabo na terra, largou. Com a mão esquerda, com dificuldade, tirou uma faca curta, que levava na cintura e cravou na coxa do inimigo. Ele gritou feito um javali sendo abatido. Não acreditava que muitos não davam valor a uma boa e velha faca bem afiada.
Marcus arrastou a lamina para o lado, rasgando carne. O couro do desgraçado é duro.
Sentiu o calor do sangue espalhar-se sobre seus pés. A frente inimiga voltou a se organizar, retornando ao espaço saudável de batalha. O homem saiu mancando, enquanto outro vinha tomar o seu lugar. As pressas, Marcus guardou a faca, pegou a lança e tentou fura-lo pelas costas. Não deu tempo.
Não tem problema, esse não terá muito tempo de vida. A batalha prosseguiu e a máquina de guerra romana era implacável. Bloquear, estocar, bloquear, avançar, bloquear, estocar.
Olhou para o lado e notou um bárbaro em especial.
Havia um rodízio de legionários trocando de posição na frente dele. O selvagem era umas três cabeças mais alto que os romanos. Parecia poderoso e incansável. Marcus passou pra fileira de trás e atravessou o corredor de legionários até ficar atrás do soldado que enfrentava esse guerreiro. Ordenou para que ele recuasse e tomou o seu lugar.
O selvagem não era um guerreiro comum. Era agraciado com o legado de algum deus pagão. Dava para ver os sinais animalescos em seu rosto. O nariz do homem parecia deformado como o de um porco. Resfolegava feito um cavalo. Olhos negros onde devia ser branco, ostentando um orbe azul brilhoso. Era uma oportunidade.
Uma chance para subir seu conceito com Marte e se tornar um berserker. Um homem agraciado com o legado do deus guerra.
O Centurião avançou recebendo um ataque poderoso em seu escudo. Forte, muito forte. Marcus ficou excitado. Não estava ligando para a linha agora, queria espaço para lutar contra esse guerreiro. Homem contra homem.
Apitou um silvo longo e os legionários sabiam o que significava.
A coluna avançou e engoliu o pagão, jogando-o para dentro de um quadrado de homens, deixando Marcus e seu oponente no meio, uma arena de soldados. Enquanto a linha de frente ainda lidava com o restante dos gauleses.
Com apenas uma ordem ele poderia mandar matá-lo por todas as direções. Mas não era isso que queria.
Marte, ofereço essa escaramuça em sua homenagem. Bateu duas vezes em seu escudo lançando um desafio. O selvagem olhou para os lados, assustado. Já estava derrotado, mas podia levar a vida do Marcus antes de ser fatiado por dezenas de soldados. Claramente Entendeu e aceitou o convite de bom grado.
====
Curta a página do autor no facebook*
http://bit.ly/2KZB1fb
*O pseudonimo do autor mudou de Luc Lycan para Luciano Lobo*
+++
Obrigado por estar lendo a minha história.
Deixe um comentário, ira me ajudar muito a melhorar o meu texto.
+++