Capítulo 19

10 2 0
                                    

   Sua mãe resolveu leva-la para casa antes do final da festa. Antes de sair, avisara ao cocheiro que ele teria que retornar para buscar o lanista, que ficaria mais um pouco, revolvendo negócios.

   O tapa que seu pai dera alguns minutos atrás ainda ardia, seu rosto estava inchado. Mas a dor maior era muito mais profunda.

   Sempre recebera ternura e afeto das mãos dele. Como ele pôde ter feito isso na frente de tantas pessoas.

   — Filha — a mãe acariciou seu rosto — Não fique assim, seu pai tem ficado muito nervoso com a situação financeira do ludos, mais do que ele é capaz de admitir.

   — Ele já te bateu alguma vez? — perguntou a Camila. Alguma coisa lhe dizia que sim.

   A confirmação veio quando ela baixou a cabeça com um certo pesar.

   — Ele não tem esse direito, isso é um absurdo.

   — Ele tem o direito de fazer o que quiser por ser o patriarca da nossa família. Pela lei, ele poderia até nos matar sem ser julgado. Você sabe disso.

   Ela sabia. Era o tipo de coisa que ensinavam quando começava a estudar em casa. Como se a prioridade da educação fosse mostrar o seu lugar no mundo.

   Nunca levou isso a sério, para ela não fazia sentido. Mas, ao que parecia, fazia sentido ao pai.

   Olhou para frente e viu o Marcus sentado ao lado do cocheiro. Insistiu a mãe para que o levasse junto. Ela não gostou muito, mas acabou aceitando.

   Camila lembrou-se das coisas horríveis que havia falado para ela. Se como filha ela estava passando por isso, imagine o que ela já não havia passado como esposa.

   — Mãe, me desculpe pelas coisas que eu disse.

   — Não precisa se preocupar com isso. Você viu muita coisa naquele dia.

   — Você faz aqueles encontros por ser insatisfeita com o pai?

   Camila notou o desconforto nela. Sua mãe olhou para a janela, como se tivesse fugindo dos seus olhos. E, então, respondeu.

   — Quero que fique bem claro, eu nunca trai o seu pai. A maioria daquelas mulheres também nunca traíu os seus maridos.

   — Não foi o que pareceu, apesar de agora eu achar que esses idiotas merecem.

   — Por que você acha que os homens são fanáticos por lutas na arena?

   Camila não soube o que responder e falou a primeira bobagem que veio na mente.

   — Porque são maus?

   — Não. Eles gostariam de estar cedendo aos seus impulsos selvagens. Gostariam de serem eles a empunhar a espada, matar, arriscar a vida. Mas como são covardes. Assistem como um substituto das próprias necessidades. Todos possuem necessidades.

   — Você esta dizendo que as mulheres vão ao culto, para ver aquilo que elas não possuem coragem de fazer?

   — Exatamente. Algumas vão um pouco além de olhar, mas a maioria nem toca nos gladiadores. Você pegou uma turma animada...por assim dizer.

   Camila achou isso deprimente. Era como mastigar sem engolir. Uma meia-medida que nunca faria.

   Lembrou-se da ocasião na cela do Marcus. Mas aquilo fora totalmente diferente. Não marcara aquele encontro, estava entorpecida por vinho e sangue de gladiador.

   Não faria isso em condições normais, ou será que faria?

   — Os homens fazem isso também? Em seus encontros de amigos.

   Ilithya riu.

   — Os homens não. Para esse tipo de instinto eles não são tão covardes. Não é por acidente que a cidade esta repleta de bordeis.

   Lembrou-se do Tiberius e se perguntou se ele era igual a todos os homens. Pensou que deveria estar feliz. Conseguira a vaga no cruzeiro. Mas, por algum motivo, Sentia-se idiota por esse pensamento.

   Resolveu, então, pensar no Marcus. Não poderia cumprir a promessa de dar a liberdade a ele. E, o que é pior, ele irá lutar contra o monstro do Degolador.

   Sentia-se envergonhada por não poder honrar a sua palavra. A única coisa que poderia fazer agora, era lhe pedir desculpas.

   Camila chegou em casa e estava agora no átrio central. Sua mãe chamou um guarda para escoltar o Marcus até a cela dele.

   — Mãe, posso conversar sozinha com o Marcus, por um instante?

   — Camila. — falou a Ilithya, num tom de advertência.

   — Vai ser rápido, prometo.

   — Um instante, seu pai já deve estar chegando.

   Assentiu e a sua mãe saiu pelo corredor, em direção ao quarto dela.

   Ao se virar para ele, sentiu remorso. O gladiador estava todo emplastado de unguentos verde. A luta foi brutal e poderia ter sido muito mais grave.

   Ela caminhou até ele, olhando em seu rosto. Sentia atração por ele, não podia negar. Ele era um desafio ao seu autocontrole.

   O rosto dele estava liso, preferia com barba rasa. Os lábios inferiores eram um pouco carnudos, sombrancelhas grossas. Por que não parava de reparar nesses detalhes?

   — Me desculpe, não poderei te dar a liberdade como prometi.

   Ouviu um barulho de algo caindo no chão. Era a luva de couro que ele estava vestindo. A mão nua acariciou seu rosto. Era quente.

   — Você pede desculpas demais, não foi culpa sua.

   Notou a queimadura em seu braço esquerdo. Ele mal tinha se recuperado da marca a ferro quente em seu peito e já se queimou novamente.

   — Não se mexa. Vou fazer uma coisa.

   A mão dela deslizou pelo peitoral dele, contornou seus ombros musculosos e pairou sobre a mancha vermelha e enrugada no bíceps. Fechou os olhos e começou a rezar a Eusculápio.

   O mínimo que ela podia fazer era dar algum alívio ao corpo dele. Pediu ao deus, por uma última vez, lhe concedesse o dom da cura. Concentrou-se. Ficou nessa posição por um tempo. O poder não veio.

   Até isso tiraram de mim. Abriu os olhos, com tristeza.

   — Não funcionou.

   Olhou para ele, que estava travado como uma estatua.

   — Pode deixar eu me mexer agora?

   — Ah, me desculpe! — Não tinha notado que havia usado a submissão — Pode se mexer.

   Então, ele a beijou. Direto e sem preâmbulos.

   No início foi como se nada mais ao redor existisse. Sentiu a língua massagear a sua. Acariciou seu pescoço. Sentiu sede de mais. Recuou. Sem meia-medidas.

   O fato de se sentir atraída, não queria dizer que se entregaria. Não seria escrava dos próprios desejos.

   — Acho melhor você ir agora.

   O Centurião assentiu e se virou, sumindo no corredor. Ela ficou ali, acariciando os próprios lábios. E percebendo como um mero beijo tinha atenuado, um pouco, o desamparo que o sue coração sentia.


A Domina e o Centurião - COMPLETOWhere stories live. Discover now