Capítulo 35

13 2 0
                                    

   — Onde está o Marcus? — perguntou a Camila ao Doctore, enquanto olhava os últimos gladiadores do ludus trocarem espadadas na arena.

   — Ele saiu senhorita — respondeu Petrôneo, mantendo aquele olhar de pesar sempre que olhava pra ela — Disse que visitaria o templo de Minerva.

   — Entendo — respondeu a Camila, mesmo não oficializando no fórum, ela liberou a entrada e saída do Centurião. Não o considerava um escravo, então não fazia sentido restringir seu ir e vir.

   Mas não podia negar que sentia falta da conveniência de ver ele a hora que quisesse.

   Andou pela escola de gladiadores. A cada câmara e aposento, sentia o peso da ausência. Tinha a sensação que a morte do pai transformara o lugar num mausoléu.

   Há pouco tempo havia ali uma centena de escravos e dezenas de profissionais que faziam a coisa funcionar. Agora, ficaram apenas uma vintena de gladiadores, compostos por novatos e homens livres.

   Camila não queria se responsabilizar mais por isso.

   Ajudaria no que conseguisse esse mês, depois começaria sua vida com o Marcus. Iria morar na chácara que o Centurião disse possuir. Se tiver algum vilarejo próximo da propriedade, poderia abrir um templo de Eusculápio e ser uma sacerdotisa local.

   Ficava um gosto amargo pela impunidade do General. Ele a sequestrou, provavelmente matou o seu pai e ainda ficou com os melhores gladiadores que esse ludus produziu, exceto Flamma e o Marcus.

   Mas deixaria a justiça nas mãos dos deuses.

   Um guarda veio correndo. O homem estava bufando, demorou um pouco a conseguir recompor-se. Como eram tão poucos agora, ele estava sobrecarregado.

   — Uma sacerdotisa chamada Abeônia está no portão e disse que gostaria de visita-la.

   — Deixe-a entrar, por favor. — respondeu a Camila, surpresa.

   Lembrou-se do que a sacerdotisa disse ao despedir-se no templo. Para procura-la quando recuperasse suas habilidades.

   Infelizmente, iria frustra-la. Não entraria para o templo de Napoles, pois planejava fazer a vida em outro lugar.

   Em pouco tempo, Abeônia já se encontrava no corredor superior da arena, Camila a saudou com um sorriso e ela retribuiu. Havia algo mais suave em sua atitude do que na ocasião do templo.

   Ela estava trazendo um arco longo nas costas e umas três flechas amarradas num barbante, preso na cintura.

   — Obrigada por me receber, Camila.

   — Eu que agradeço a sua visita, ilustre sacerdotisa.

   — Não precisa de tanta formalidade. Pode me chamar pelo meu nome.

   Camila assentiu e Abeônia encostou-se no parapeito.

   — Vamos para o escritório, mandarei servir alguma bebida. — disse a Camila.

   — Não é necessário, prefiro conversar ao ar livre — Abêonia olhou para os homens lutando lá embaixo. — Fico feliz em ve-la bem. Os homens podem ser cruéis quando querem acabar com a imagem de alguém.

   — Então você soube. — disse a Camila, um pouco sem jeito.

   — Fique tranquila, eu não vim aqui para julga-la. Não perderia meu tempo para isso — disse a Sacerdotisa e Camila sentiu alguma reprovação reprimida em suas palavras.

   — Então, a que devo a sua visita?

   — Soube que você usou suas habilidades de cura na rua. Fico feliz que você tenha recuperado o seu dom.

   — Obrigada, foi a única forma de não ser linchada em praça pública.

   — As pessoas são influenciáveis, mas uma mãe que teve seu filho salvo nunca vai deixar de te amar.

   Camila sorriu. Não fizera aquilo apenas por oportunismo, nunca se sentira tão bem na vida, a ponto de esquecer até mesmo a dor pela morte do pai, ou a vergonha de ter sua vida exposta.

   — Sentiu-se muito cansada, depois? – perguntou Abeônia.

   — Quase desmaiei, nunca tinha acontecido antes.

   — A energia dos deuses que passa pelo nosso corpo nos deixa exaustos. Porém, você pode ganhar uma resistência maior através de treino, assim como, descobrir novas capacidades.

   — Para falar a verdade, já consegui liberar um vapor acido pelas mãos num momento de perigo. Não sei se consigo novamente.

   — É incrível alguém desenvolver isso em tão pouco tempo. Você tem grande potencial, com treinamento apropriado...

   — Desculpe. Tenho planos para o meu futuro, que não envolvem me internar num templo.

   — Deixa eu te mostrar algo — Abeônia olhou para os homens treinando lá embaixo — Peça para que eles saiam da arena por um instante.

   Camila, sem entender direito, gritou para o Doctore tirar todos da arena de treinos.

   — Esta vendo aquele poste de madeira?

   — Sim.

   Abeônia retirou uma flecha da cintura, puxou o arco longo com a mão direita. Tencionou a linha com a flecha armada e disparou, sem mirar nem por um segundo.

   Uma mulher usando uma arma era algo que Camila nunca tinha visto na vida. Mas essa surpresa nem se comparara o que aconteceu a seguir.

   A flecha saiu tremulando e, ao acertar o poste madeira, o fez explodir, jogando pequenas lascas para todos os lados.

   O Doctore entrou na arena correndo com as mãos na cabeça e gritando um palavrão.

   Camila arregalou os olhos e depois ficou um tempo tirando detritos dele, quando o vento trouxe fiapos de madeira.

   — Isso é incrível!

   — Se não ficar presa por causa dele, você pode ser grande Camila.

   Abeônia falou olhando para baixo e Camila viu que o Marcus tinha acabado de chegar.

===

   — Jupiter enviou um raio? — disse o Marcus, impressionado com o poste destruído.

   — Coisa da sacerdotisa — respondeu Petrôneo, analisando um pedaço de madeira. Depois perguntou murmurando — Então, como estão as ruas?

   — Foi como você disse, o General criou um grupo de difamadores. Não se fala outra coisa nas vilas. Ouvi uma pessoa falando que a Camila fazia orgias com os gladiadores.

   — Precisa ir embora com ela — disse o Petroneo — Temos poucos guardas aqui, esse General não tem limites. Ouvi dizer que ele está dando moedas para homens mexerem com ela na rua. Ela está correndo risco de ser estuprada.

   — Isso não vai ficar assim, Doctore. Não posso simplesmente ir embora e deixar tudo que esse desgraçado fez fique impune — disse o Marcus, se esforçando para manter a voz baixa.

   — Vai mesmo com isso até final?

   — Sim. Enviei as cartas que eu precisava. Paguei caro pela urgência, obrigado pelas moedas.

   — Compartilho da mesma revolta, Centurião. Nunca perdoarei o que ele está fazendo a minha menina passar.

   — Se tudo der certo, acontecerá hoje a noite.

   — Iremos apenas nós dois? — perguntou o Doctore.

   — Vou falar com o Flamma e o Nicolas.

   Doctore bufou ao ouvir o nome do campeão.

   — E você acha que pode contar com aquele idiota?

   — Não tenho muitas opções, meu amigo — disse o Marcus, olhando para a sacada onde Camila conversava com a sacerdotisa — Não conte nada a ela.


A Domina e o Centurião - COMPLETOWhere stories live. Discover now