Além do Tempo

By GihCross_27

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O amor não escolhe clásse social, personalidade, etnia... não escolhe hora, nem lugar. Ele simplesmente acont... More

1 - O Encontro
2 - O Encontro part. 2
3 - Primeiro dia de aula
4 - Divergências
5 - Confusões de Sentimentos
6 - Sentimento de Mudança
7 - Conflitos
8 - Descobertas
9 - Sentimento de Esperança
10 - Orgulho Ferido
11 - Mesmos Erros de Sempre
12 - Condescendência
13 - Abstinêcia
14 - Amor a Prova de Balas
15 - Oceano
16 - Estou Pronta
18 - Tudo ou Nada
19 - Decisão Tomada
20 - Minha Dona
21 - Cartas na Mesa
22 - Minha Rainha
23 - Toda Sua
24 - Acertando as Contas
25 - Tudo muda... Tudo passa
26 - Dores e Conquistas
27 - Um Pedido, A Viagem
28 - Noite Feliz
29 - Intolerância
30 - Londres
31 - Curtindo a Vida
32 - Lá Ville Lumière - A Cidade Luz
33 - Au Revoir!
34 - Certezas
35 - Sua Para Sempre!
36 - Lua de Mel e Outras Coisas
37 - Desprezo é a Arma
38 - Ponto de Impacto
39 - Vida que Segue
40 - Fidelidade
41 - Danou-se
42 - Sou Órfã!
43 - Descontração
44 - Noite na Boate e Despedida
45 - Noite das Garotas
46 - O Ano Em Que Ela Não Viveu
47 - Bons Ventos
48 - Promises of Love
49 - Recatada e do Lar
50 - Mais Um Ano
51 - Sonhos de Amor
52 - Naxos
53 - Antio Athína
54 - Cult
55 - Memórias
56 - Novos Caminhos
57 - Ciclos
58 - Desencontros
59 - Mary Margaret
60 - Febre
61 - Notícias
62 - Desenterrando
63 -Você é Minha Luz
64 - Acasos não são Acasos - part 1
65 - Acasos Não São Acasos part 2
66 - Visitante
67 - E o Tempo Seguia
68 Inconsequência
69 - Motivos
70 - Lutar
71 - Esperança...?
72 - Provações
73 - Confronto
74 - Destino
75 - Destino parte 2
76 - Reviravolta
77 - Transições
78 - Ansiedades
79 - Sombras do Passado part 1
80 - Sombras do Passado part 2
81 - O Preço da Vida
82 - Milagres do Paraíso
83 - Finaly part 1
84 - Finaly part 2

17 - Voltando a Realidade e Conhecendo o Perdão

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By GihCross_27

Novamente estávamos deitadas. Só que dessa vez ela estava de costas na cama e eu reclinada sobre seu corpo, apoiada pelos cotovelos. Nossas pernas estavam emaranhadas e nossos pés se acariciavam. Beijava seu pescoço.

- E então, meu bem, como se sente? Foi bom da forma que fizemos usando o brinquedo?

- Hum... Sabe que foi, amor... - seus olhos estavam semicerrados.

- Doeu muito? Tive muito medo de te machucar de alguma forma. - beijei seus lábios.

- Nada de mais. Doeu, mas foi gostoso. Muito gostoso. - passou os dedos em meu rosto num carinho. Fechei os olhos.

- Vai querer que a gente use ele mais vezes? - beijei seus dedos.

- Sim. - beijou-me o queixo - Gosto de suas duas mãos livres pra mim...

- Podemos guardá-lo aqui com você?

- Sim - beijou-me o pescoço.

- Eu tô tentando pegar leve com você, mas assim não dá. Fica me provocando...

- Fico? - sorriu - Vá devagar comigo, amor... - pediu-me - Ainda estou me acostumando com nossa intimidade, embora seja tudo muito bom.

- Tá bom, linda. Então a gente só namora um pouco mais. - beijei-a na boca - Vem aqui.

Nossos corpos se derreteram em carícias.

♧♧♧♧♧♧♧♧

Acordei e Regina dormia. Lavei o "brinquedo" e o guardei dentro de seu armário. Fui para meu quarto pois dali a pouco Dolores chegaria e ela tinha que pensar que dormi no quarto de hóspedes, que era o "meu". "Pensando nisso, meus dias de repouso já acabaram há muito tempo. Tá mais que na hora de voltar pra vida real."

Tomei um banho e me preparei para o café. Saí do quarto e Dolores me cumprimentou. Fingi que ia ver se Regina havia acordado. Ao entrar no quarto, percebi que tomava banho. Tirei a roupa rapidamente e me juntei a ela. Abracei-a por trás.

- Louca! Que susto! Dolores já deve ter chegado. - sussurrou e sorriu

- Chegou sim, mas ela não vai vir aqui pra me ver com você no chuveiro. - virei de frente e olhei-a de cima a baixo com malícia.

- Sem vergonha! Acho bom que se comporte! Ela pode ouvir algo. - deu-me as costas novamente.

- Tudo bem! Você geme muito alto e ela ouviria com certeza. - Ela ruborizou. - Por que a vergonha? Adoro quando você geme alto. Me deixa muito excitada. - abracei-a de novo e deslizei a mão sobre seu corpo. Parei no seio.

- Pare Emmy... - ficou ainda mais corada - Já não basta o que fez comigo noite passada? - fechou os olhos,deitando a cabeça em meu ombro.

- E o que foi que eu fiz, hum? - beijei seu pescoço. Virou-se de frente para mim e se afastou. Sorri maliciosamente. - Tem muito mais coisas que eu quero fazer com você... - disse em seu ouvido.

- Assim eu fico com medo. - disse com manha.

- Você não vai ter medo na hora... - beijei seus lábios.

Ficamos entregues ao beijo sem nos importar com nada mais. Fomos tomar café e ficamos nos paquerando discretamente. De vez em quando meus pés roçavam em suas pernas e vice versa. Tudo disfarçadamente para Dolores não perceber. De repente, a porta da sala se abre. Era Cora. Vestia um vestido longo negro e uma estola de ming. Regina e eu nos assustamos, talvez da mesma forma que se ela nos surpreendesse nuas na cama.

- Mãe?! Que susto! - seu rosto estava pálido - Você voltou! Por que não avisou?

- Oi Cora! Fez boa viagem? - perguntei sem graça.

- Eu mudei de idéia e quis voltar uns dias mais cedo. Chegaria ontem, mas o vôo atrasou muito e só cheguei agora.

"Meu Deus se ela chega ontem eu tava ferrada!"

André entra na sala carregado de malas e pacotes.

- Comprei mil coisas lindas! Seus parentes também mandaram alguns presentes por seu aniversário. - olhou para mim - A viagem foi um caos! Turbulências, atrasos...Oh my God!
Dolores, providencie um Blood Mary e prepare meu banho. Estou precisando de repouso. Ligue também para o massagista e mande-o vir aqui hoje por volta das 16:00h.

- Sim senhora!

Aproximou-se da mesa e pegou algumas uvas.

- Seu repouso ainda não terminou? - perguntou casualmente.

Senti a pergunta como um convite para que me retirasse. Eu também sabia que estava na hora.

- Sim. Arrumarei as coisas e hoje mesmo parto.

- Verdade? - Regina me perguntou surpresa e decepcionada.

- É. Eu ia te dizer isso ainda. Os dias de repouso já acabaram e eu tenho que voltar pra casa.

- Precisa fazer exames e falar com a doutora antes de ir! Sabe que há uma escadaria esperando por você no Cantagalo!

- Dolores, ligue para a médica e diga para que venha hoje aqui. Não queremos que Swan se sinta presa neste apartamento.

- Sim senhora.

- Bem, - levantei-me - peço licença e vou terminar de arrumar minhas coisas.

Saí, mas ainda ouvi Regina dizer à mãe:

- Ela não se sentirá presa mamãe, mas sim expulsa! Esquece que devemos a ela? Pelo menos eu devo muito...

♧♧♧♧♧♧♧

Outro médico, Paulo, que fez parte da equipe que me operou, foi me ver no apartamento de Regina e após algumas perguntas e aperta daqui aperta dali me liberou para voltar para casa. Disse apenas que eu deveria subir as escadas devagar e pausadamente. Regina disse que iria comigo, mas a mãe deu uma crise e falou sobre a violência nos morros. "Se ela soubesse que a filha já bateu as sete freguesias naquele morro..." Despedi-me das três: Dolores, Cora e Regina agradecendo por tudo. Elas disseram que não fizeram mais que obrigação, mas somente em Regina senti sinceridade. Subi as escadas devagar como o médico pediu, e talvez até mais devagar pois um monte de gente me parou no caminho para conversar e saber de mim. Passei na quitanda, mas seu Neneco estava na rua. Cheguei em casa e vovó rezava no quarto, ajoelhada em frente a santa. Regina me aconselhou a deixá-la falar primeiro e não fazer cobranças antes de ouvi-la. Coloquei as duas mochilas na cama e fiquei calada. Sentei-me. Ela me olhou e seus olhos se encheram de lágrimas.

- Rezei muito pra que tudo desse certo! - levantou-se - Está se sentindo bem?

- Sim. Daqui a cinco meses posso até voltar a praticar esporte.

Ela se levantou e parou na janela.

- Senti sua falta.

"Tanta que nem foi me ver ou telefonou!"

- Não acredita?

- Por que não me visitou?

- Eu visitei. Conversei com dois médicos e eles me explicaram tudo.

- Isso foi no dia seguinte da minha operação. Depois não apareceu mais. - fazia um grande esforço para não alterar meu tom de voz.

- Não gosto de hospitais!

- Ah! - não agüentei e me levantei - E eu adoro! Que desculpa é essa? - coloquei as mãos na cintura - Sou sua neta e você nem liga pra mim. Aliás eu nem sei porque me criou se não gosta de mim. Nunca gostou! - passei a mão nos cabelos e virei de costas - Eu sinceramente tentei me aproximar da senhora e pensei que tava conseguindo, mas me enganei redondamente.- saí do quarto.

Entrei na sala e fiquei de pé, de frente para a janela e com as mãos na cintura. Queria ir embora, mas não sabia para onde. Estava cansada.

- É difícil, Emma. Eu já perdi muito! Você não entende! Hospitais me fazem mal! Posso não ter ido lá como deveria, mas rezava o tempo todo por você. Só saía de casa pra trabalhar na dona Maria e o resto do tempo era rezando e fazendo promessas pra Virgem te proteger!

- E antes disso vó? Esse é o papo de agora. Mas e antes? Você nunca foi legal comigo! Sempre me rejeitou. Eu lamento que sua vida não tenha sido como gostaria, mas a minha também não; disso tenha certeza. Não precisa ser ruim comigo pra se vingar de sei lá o quê! Eu não tenho culpa de nada!

- Você nunca teve culpa de nada, filha!

- Não é o que deve pensar! Não age de acordo.

- Não tente me entender, minha filha! Sou uma velha frustrada, amarga e sem perspectivas na vida. E gosto de você, só que do meu jeito.

- Humpf! - sentei numa cadeira.

Ela sentou-se na poltrona de cabeça baixa.

- Minha vida teve grandes reveses e eu nunca soube lidar com isso. Muito ganhei, mas muito perdi, muito sofri. Muita coisa mudou assustadoramente ao longo dos anos e eu não queria, não aceitava. Você não tem idéia. Meus pais me davam de tudo e eram carinhosos. Tínhamos riqueza e nossa fazenda em Itabuna era uma das mais prósperas.

Vivíamos do cacau e eu adorava cavalgar e admirar nossas terras. Conhecia cada palmo da fazenda, entendia da plantação, dos negócios e eu queria suceder meu pai nisso. Minha primeira frustração foi quando ele me disse que não deixaria. Não era coisa pra mulher e um futuro marido meu cuidaria de tudo.

Continuei imóvel e apenas ouvindo.

- Aos 16 anos me apaixonei por Juvenal, um belo rapaz que trabalhava na fazenda. Ele era romântico, gentil, sincero... Escrevia cartas lindíssimas pra mim e deixava sempre uma flor em minha janela. Ele me pediu em namoro pra papai, que se limitou a rir e mandá-lo de volta ao trabalho. Começamos a namorar escondido e então aconteceu. Engravidei aos 17 anos.

Continuei calada.

- Soube que estava grávida por causa das desconfianças da cozinheira. Confessei a verdade à mamãe e ela me perguntou pelo pai do bebê. Disse que era Juvenal. Ela me abraçou e disse que tudo ficaria bem. No dia seguinte meu pai entra em meu quarto com o demônio no corpo e me surra com seu cinto até tirar sangue de minhas costas. Chutou minha barriga mais de uma vez e me disse ofensas que doeram mais que tudo! - lágrimas escorriam de seus olhos - Perdi o bebê por conta disso.

- Deus! - fiquei horrorizada.

- Juvenal desapareceu e nunca mais vi ele. Nem cheguei a lhe contar que teríamos um filho. Meus pais me deixaram acreditar que tinha me abandonado, e chorei desesperada por vários dias. Não muito depois, fui praticamente vendida em um casamento com Agenor Amaral, seu avô, porque a família dele tinha uma fazenda cacaueira tão bem sucedida quanto a nossa. Seria uma união conveniente, e os interesses nisso tudo fizeram Agenor relevar o fato de eu não ser mais virgem. Não sabe como me senti! Meus pais, sempre carinhosos e atenciosos, agiram comigo com crueldade, sem se importar com meus sentimentos, minha vida e minha felicidade. Fiquei deprimida por um bom tempo.

Enxugou os olhos com a blusa que vestia.

- Agenor era irresponsável e não entendia de negócios e muito menos de cacau. Vivia metido em farras, bebia muito, tinha muitas amantes, apostava dinheiro em jogos de cartas e roletas. Eu via o dinheiro cair pelo ralo e advertia. Falava com ele, com papai, mas não me davam ouvidos. Era coisa de homem e eu não entenderia. Depois de anos, um amigo de Juvenal me disse que ele foi assassinado a mando de meu pai. Por isso desapareceu. Nunca me abandonou! Fiquei doente depois de saber disso.

Eu não tinha coragem para dizer coisa alguma. Tive muita raiva daquela gente, mesmo sabendo ser minha família, e sentia lágrimas se formando em meus olhos.

- Após muita pressão acabei engravidando de Agenor, e foi essa a única coisa que foi capaz de me tirar da depressão em que vivia desde o aborto na adolescência. Eu estava com 27 anos e já era considerada velha pra ter um bebê.

- Que é isso?

- Nesse meio tempo começou a praga da vassoura de bruxa, e os fazendeiros não souberam se precaver; inclusive nossas famílias. Fazendas inteiras foram dizimadas! Ainda grávida, recebi em casa a notícia de que Agenor havia dado um tiro na cabeça em um cassino de Ilhéus e me apavorei. Mas logo depois entendi o motivo do suicídio. Ele havia perdido muito dinheiro no jogo e se viu sem ter como pagar. Surgiram mulheres com filhos dele, mais dívidas e uma sucessão de problemas, além da morte da lavoura pela praga. Meus parentes começaram a brigar entre si, assim como os de Agenor. Meu pai morreu de um ataque cardíaco fulminante, mamãe tomou veneno e no fim, em menos de dois meses, eu estava na miséria, sozinha e grávida de 7 meses.

Calou-se por instantes e continuou.

- Procurei por outros fazendeiros amigos da família pra pedir ajuda, mas os problemas eram gerais por causa da vassoura de bruxa. As pessoas se davam a muitos desperdícios naquele tempo e a crise pegou todo mundo de calça arriada. Teve tanto suicídio que você não acreditaria! E todo dia tinha alguém na minha porta cobrando dívida! Eu vendia nossas coisas, o que sobrou do nosso patrimônio, e o dinheiro não dava. Dispensei os empregados devendo a todos. Mais tarde lembrei de uma prima que era casada e vivia aqui no Rio. Escrevi uma carta e contei de meu desespero. Um mês depois ela me respondeu e mandou que eu fosse morar com ela. Disse que devia muito a papai e não poderia deixar de me ajudar em um momento como aquele. Eu então arrumei o pouco que me sobrou, peguei os últimos tostões que tinha e fugi numa carroça pra Ilhéus, grávida de 8 meses. Fugi porque ainda devia a muita gente. Era noite, e nem pude ver direito minhas terras pela última vez. Terras aliás que nem eram mais minhas; tava tudo hipotecado.

Respirou fundo.

- Em Ilhéus ainda me virei como pude pra ir pra Salvador, e de lá peguei um barco pro Rio. Vomitei tanto, passei tão mal que pensei que fosse morrer. Emagreci dez quilos e achei que fosse perder o bebê. Encontrei Marinalva e Afonso no porto e fomos pra casa deles. Ela ficou chocada quando me viu, mas eu entendo. Envelheci anos em meses.

Olhou para mim. Eu continuava calada e ouvindo atentamente ao que dizia. Sentia muita pena dela.

- Nos primeiros meses foi tranquilo. Eles moravam aqui em Copacabana e me deram um quartinho. Cuidaram de mim e Marinalva até me ajudou com o enxoval. Eu fazia os serviços domésticos, mas ela me poupava por causa da gravidez. Mary Margaret nasceu muito magrinha, muito fraquinha e eu perdi foi sangue no parto. Quase morri, mas recuperei rápido. Dei pra Marinalva e Afonso batizarem a menina. Tudo ia bem, até que dois meses depois do nascimento da criança eles começaram a reclamar do choro dela. Mas eu não podia controlar isso! Marinalva começou a me jogar na cara minha condição e eu trabalhava mais que muita empregada. Afonso passou a me procurar no quarto à noite com uma conversa que Marinalva era seca e não podia dar filhos pra ele. Passei a trancar a porta e morria de calor porque a janela era bem pequenininha. Mary vivia doente e eu pra ganhar dinheiro fiquei passando roupa para os vizinhos. A situação foi piorando até o ponto que levei um tapa no rosto, dado por minha prima. Peguei sua mãe, com um ano de idade, juntei meus trapos e fui pra rua sem destino certo. Dormi em albergue, debaixo de ponte, em porta de igreja e pedi esmola na rua. Ficamos assim por meses e Mary não morreu só porque Deus não quis. Acabei conhecendo um padre e ele me apresentou a uma senhora viúva que aceitou me empregar como diarista mesmo eu tendo uma filha. Morei na casa dela por seis anos, que foi quando morreu. Um de seus parentes tava vendendo um barraco no morro e me ofereceu. Aceitei e levei muito tempo pagando. Ele também me apresentou dona Penha e comecei a ser diarista dela.

- Essa que morreu agora há pouco tempo? - sentia uma emoção crescente em sua narrativa.

- É. Que Deus a tenha! - benzeu-se - E por intermédio dela conheci dona Maria e comecei a trabalhar pra ela também. Quando viemos pra cá sua mãe tava com 7 anos, e eu já era uma mulher amarga e desiludida...

- Difícil não ser com uma vida dessas! - fiquei quieta.

Fechou os olhos e pôs a mão na cabeça.

- Eu... Acho que levo azar por onde vou.

Ajoelhei-me ao seu lado.

- Não diga isso, vó! - coloquei a mão em seu rosto.

- Eu nunca nem falei de sua mãe pra você...

- Se quer falar, fale. Como ela era?

- Você se parece muito com ela, só que Mary é da minha altura. Mas os rostos, é cara de uma, focinho da outra. E seus olhos são negros, como os meus. - calou-se - Ela era um amor de menina...até os 12 anos! Com essa idade eu não sei o que deu nela que desembestou! Dizia que se revoltou com a vida que tinha e não queria saber de mais nada.

- Como assim?

- Não queria mais estudar! Vivia pelo morro em péssimas companhias. Eu tentava controlar, mas não conseguia. Batia mas não dava jeito! Com 14 anos eu já ouvia o povo dizer que era mulher de muitos no Cantagalo. Tinha uns modos feios e parecia essas putas brabas que se vê na Avenida Atlântica! Começou a fumar e por várias vezes senti nela bafo de bebida. Além de bater comecei a colocar pra trabalhar fora, mas não parava em emprego. Uma vez ficou grávida de um marginal e foi com uma outra atrás de um médico carniceiro pra fazer aborto. Tive de pegar ela correndo aqui em casa depois e levar pro hospital se esvaindo em sangue. Só aí me contou do aborto. Vivíamos em guerra e eu ficava desesperada com o comportamento dela. Aos 18 saiu de casa e sumiu. Não escrevia nem uma carta que fosse! Só depois de muito tempo, já com 22 anos, ela vem aqui barriguda que nem uma égua e me diz que esperava um filho de um gringo e ia se dar bem. Tava até bonita e bem arrumada! Sumiu de novo e cinco anos depois apareceu e me disse que estava indo pra Bahia, procurar pelo que deixamos lá. Perguntei do gringo e do bebê e ela disse que tinha tido uma filha e o cara não assumiu e voltou pra terra dele. Disse que não sabia o que fazer com a bebê e a deixou num orfanato na Ilha do Governador. Brigamos por causa disso e fui lá pegar você pra viver comigo.

Segurei o choro.

- E ela? Foi mesmo pra Bahia?

- Não sei! Nunca mais soube dela desde então. Tivemos uma briga feia naquele dia e ela me disse que eu nunca mais ia vê-la e nem saber dela de novo. Até agora tem cumprido com a palavra.

- E meu pai? Qual o nome dele? De onde ele é?

- Não sei, ela não me disse. Tinha raiva dele porque foi embora. Pensou que ia se dar bem, mas quebrou foi a cara!

- A senhora não sabe nada sobre ele? Nem o nome?

- Não. Só me lembro que falou que ele era bem alto e tinha olhos verdes. Deve ser da cor dos seus. Mais que isso, não sei.

Não aguentei e as lágrimas deslizaram pelo meu rosto. Ela passou a mão em meus cabelos.

- Eu tive medo que acontecesse com você como foi com sua mãe. Eu nunca tinha encostado um dedo nela até que ficasse rebelde. Eu passava muitas horas na rua por causa do trabalho e perdi etapas da vida dela, como sabia que perderia da sua também. Só cinco anos eu já tinha perdido! Acreditei que se fosse dura e rígida eu faria de você uma pessoa decente e por isso fui como fui. - chorava copiosamente. - Eu tinha medo de conversar com você e te ouvir dizer que fazia coisas que eu não queria ouvir. Coisas que eu não queria que fizesse. - chorava mais ainda e eu chorava também - Eu não soube fazer nada na vida. Tudo deu errado, e você, que sempre foi meu único orgulho, eu nem soube conquistar. Você foi a única pessoa que sempre se importou comigo e me aceitou, mesmo com minhas esquisitices. E eu não soube ser boa pra você... - soluçava.

Eu não tinha palavras. Nós nos abraçamos, como nunca o fizemos, e ficamos assim por muito tempo. Choramos juntas e selamos um pacto silencioso de amizade eterna.

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