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      Aperto uma mão na outra, retorcendo meus dedos, sentindo a pele grudenta e suada, encaro o esmalte claro descascando da unha. A última vez que pintei foi para o casamento. O que não aconteceu. O que eu fugi. O que parece décadas atrás. O tempo parece relativo agora. É como se vinte anos tivessem se passado invés de dias. Eu me sinto vinte anos mais velha, completamente sem forças. Apenas quase duas semanas separam o casamento de hoje. E tudo parece diferente.

      Desisto de encarar minhas próprias unhas e levanto o queixo. Cabeça erguida, vamos lá. Mas não posso evitar me sentir intimidada, não posso não sentir os olhares que foram lançados em minha direção. É quase como ter a Corte esperando meu tropeço mais uma vez. É assim que me senti quando entrei na tenda de reuniões daqui. Um homem me buscou em minha tenda, enquanto eu conversava com Jasmine e ela tentava me explicar que eles ainda estavam se adaptando a este novo lugar. Dizendo que viridianos e serasianos estão, sim, juntos, mas que ainda parece estranho e uma invasão ter chegado do nada em seu acampamento.

       Um acampamento muito grande, por sinal. Jazz explicou que tecnicamente estamos em Serasar, mas ainda dentro da Floresta. É necessário uma cavalgada rápida de pelo menos uma hora para chegarmos a cidade em si. E enquanto o homem me acompanhava, ele foi específico em dizer que os líderes gostariam de falar apenas comigo, eu pude ver várias tendas brancas do mesmo tamanho da minha, dezenas delas. Outras maiores. Uma cobertura de madeira com mesas compridas e bancos da mesma maneira, sem paredes. Pessoas carregando coisas, crianças correndo. É como se fosse uma cidade.

— É uma honra tê-la conosco. — A voz forte e melodiosa me acorda e me tira dos meus pensamentos. Ela pertence a mulher dos cabelos vermelhos com a cicatriz na bochecha. É grande, como uma lágrima escorrida permanente e rosada. — Scar.

     Ela estende a mão e eu aperto no mesmo instante. Odeio que minha mão esteja suada, mas não há nada que possa fazer. Certo. Scar. Scar de Scarlet ou de cicatriz mesmo? A pergunta gruda na minha língua mas a mantenho lá. Não vou pagar mico neste instante. Não diante de meia dúzia de par de olhos famintos pelo que tenho a dizer.

— Finalmente tomou um lado. — Thryne comenta, a mão apoiada no queixo, do outro lado da mesa. A mecha prata ainda se destaca no cabelo. Algo sobre ele apenas não me desce.

      Uma garota, ou mulher, ou seja lá como devo chamá-la se aproxima furtivamente como uma leoa pronta para arrancar minha cabeça. Ela tem lindos e longos cabelos prateados, quase brancos que passam de sua cintura, uma franja cobre sua testa mas não de forma infantil, lábios carnudos pintados de vermelho e olhos azuis que poderiam fazer qualquer um se afogar. E ela não parece muito amigável quando apoia as mãos na mesa ao meu lado.

— Não sabia que havíamos nos tornado babá de realeza. — Ela implica e eu engulo em seco. Sinceramente, não estou afim.

— Não pedi para que ninguém fosse minha babá. — Retruco, virando minha cabeça de lado para encarar seu rosto. — Estou fazendo um favor a vocês, não o contrário.

     E é verdade. Minha vida era boa — uma mentira, mas boa. Eu tinha tudo. E eu continuaria a ter tudo. Uma coroa, um marido, todas as terras que eu quisesse. Mas eu me senti no dever de recuperar e lutar por uma causa nobre, por quem eu sou, pelo povo. Eu dei uma chance real a resistência de vencer. Eu.

— Certo, garotas. — Thryne deixa o olhar viajar entre nós duas. — Helena, essa é Kya. Ela é nossa infiltrada direta da equipe de rebeldes do Rei.

      Kya entorta o nariz para mim. Eu desço o olhar para a espada comprida e reluzente presa a seu quadril. Ela poderia me partir em duas antes que eu tivesse a chance de falar. Esta garota é treinada para matar, assustar e gerar caos. Trabalha diretamente para o Rei Braken com a intenção de gerar confusão e manchar a luta resistente. Como podemos confiar nela e ter a certeza que ela não está, na verdade, nos traindo? Loucura.

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