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     Os meus olhos abrem devagar, desgrudando as pálpebras como se alguém tivesse as colado. Mal sinto meu corpo. Na verdade, sinto como se alguém o tivesse esmagado em quinhentos pedacinhos e alguém tivesse tentando colocar tudo junto novamente a força. Meu cérebro leva alguns segundos para se adaptar a tudo: a luz fraca que entra por uma grande janela, a maciez do colchão que abraça meu corpo, o cheiro doce de panquecas, o silêncio gostoso, a mão quente e grande que segura a minha. Então, começo a chorar.

     Tudo volta de uma vez, as lembranças chegam como uma enxurrada de imagens. Nós conseguimos. Tudo que vivemos naquele dia retorna, desde o garoto no centro de Viridia, o momento em que corri para dentro do Palácio, meu ferimento na cintura, até a morte do meu pai e suas palavras se repetindo várias vezes em minha cabeça.

     Depois de tudo que passamos, o Trono é meu. Não oficialmente, porque ainda preciso pedir permissão a organização internacional e ser aceita pelo parlamento judicial de Viridia para que seja oficial e não um golpe, mas... mas sinto que isso é só uma pequena parte de tudo que fizemos. De tudo que conquistamos, lutamos e perdemos.

— Ei, estou aqui, princesa. — Arin sussurra, passando seu braço por cima de mim e juntando meu corpo ao seu.

     Ele me segura como se eu fosse a coisa mais delicada e importante de sua vida, e é assim mesmo que me sinto e como ele sempre faz com que eu me sinta. Eu afundo meu rosto em sua camisa de algodão e sinto seu cheiro, cheiro de casa, cheiro de chuva, cheiro de família. Arin me conhece tão bem que não diz nada por longos minutos, apenas me deixa chorar. E chorar mais um pouco. E continuar chorando, porque sinto que preciso lavar todo aquele sangue.

     Eu faço um barulho que deveria ser uma palavra, uma pergunta de como está minha mãe, se ela já sabe, onde estão outros, se estão todos bem, mas apenas um grunhido escapa pela minha boca. Só que Arin me entende.

— Você dormiu por cinco dias e me deu um maldito susto. Perdeu muito sangue, o médico não deu certeza se você iria... você sabe... mas eu nunca duvidei. — Procuro sua mão com a minha e quando a encontro, aperto. — Theodore e Robert estão cuidando de tudo que seja chato e envolva gente chata. Sua mãe já está no Palácio.

     Se minha mãe já está no Palácio, alguém já teve que dar a notícia a ela, provavelmente meu irmão. Não imagino como deve ter sido para ele nem para ela, só sei que gostaria de ter estado presente. Não vou carregar a culpa de sua morte, mesmo que tenha sido minha culpa. Simplesmente não posso. Não posso arcar com mais este peso quando não pedi para que ele fizesse isso. Tenho a plena certeza que minha mãe também não me culpa, na verdade, só pontua o que ela me disse: que meu pai me amava verdadeiramente. Queria que ele não tivesse que morrer para provar isso.

— Continue falando. — Murmuro baixinho. — É tão bom ouvir sua voz.

— Os membros da Corte que entramos em contato já estão se dirigindo para cá. Aqueles que insistiram em apoiar Vetturius foram presos e serão julgados pelos crimes que o ajudaram a cometer. Acho que Theodore e um escrivão já estão redigindo um texto para enviar ao Comitê Mundial pedindo sua aprovação. Você sabe... esse blá blá blá de politica, ugh.

    É, eu sei. Tudo que queria me manter longe. Levanto meus olhos e encaro Arin, enquanto o mesmo está distraído olhando para nossas mãos unidas. Eu nunca o perguntei, nunca tive coragem de perguntar o que vai ser de nós quando eu for oficialmente Rainha. Ele nunca demonstrou muito interesse em diplomacia, tem um espirito livre demais para isso, e agora eu vou prende-lo em um Palacio? A pergunta sobe e se prende em minha garganta, covarde demais para criar vida e aguentar a resposta. Não posso perde-lo, mas e se também não puder tê-lo?

Espinhos negrosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora