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       O arco em minhas mãos traz uma sensação de alívio e confiança que venho buscando nos últimos dias. A madeira reforçada, branca e detalhada é uma extensão do meu braço esquerdo. A lembrança de quando papai me deu este arco tenta se infiltrar em minha mente, mas a afasto. Meu peito se acalma, subindo e descendo devagar, em pura concentração. Nada vai me distrair agora. Posiciono a flecha e puxo a corda até que as penas façam cócegas da flecha façam cócegas em minha bochecha. Solto os dois dedos que seguravam a flecha e a assisto atingir diretamente o círculo vermelho pintado de forma relaxada. Faço tudo de novo com a próxima flecha. Dessa vez, a flecha parte a outra no meio, cravando o mesmo lugar no alvo.

       Quatro dias de luto e sofrimento parecem poucos. Quatro dias de luto e sofrimento parecem muitos. Não sei dizer se estou seguindo em frente muito rápido, ou perdendo tempo precioso quando devia estar agindo. Tudo está parado, meio que jogado ao ar, numa atmosfera desconfortável. Estamos bem acomodados já, todos já encontraram uma função para se movimentar e a propriedade segue a todo vapor. Mas nossa revolução está parada.

        Eu vi os líderes cochicharem e se reunirem como sempre, mas nada chegou até mim. Ninguém me forçou a fazer nada, a tomar nenhuma decisão, nem mandou que eu engolisse as lágrimas e seguisse em frente. Foi me dado todo o direito de sofrer pelo tempo que eu quisesse, e estou decidindo que acabou. Chega de dias inteiros passados no quarto chorando, de visitas ao túmulo com a terra fresca de Jasmine, de deixar a comida porque eu simplesmente não consigo comer. Chega de provar qualquer coisa antes que Arin coma — sim, estou paranóica.

       Arin tem sido nada além do que uma torre forte a qual eu posso recorrer, um braço firme que me envolve nas noites frias e sussurra que tudo vai ficar bem enquanto diz que me ama. E eu o amo tanto, e por isso me sinto culpada por não ter estado presente dessa forma por ele quando Donna morreu. Como posso ser sempre tão egoísta?

— Ei... — Viro meu rosto só um pouquinho em direção ao próprio Arin. Seus cabelos estão uma bagunça, espalhados para todos os lados. Ele coça os olhos e tenho vontade de beijar seu rosto sonolento inteiro. — Você acordou cedo.

       Abaixo o arco, relaxando meu braço e deixo cair no chão, junto com o resto das flechas. Vou até ele e envolvo seu corpo em um abraço apertado, absorvendo todo o calor que seu corpo emana.

       O sol nasce tímido atrás de nós. Não estava conseguindo mais dormir, então decidi levantar de uma vez. Tive que pular os corpos apagados de Oscar, Atlas e Kile no chão. Não temos quartos para todos, então precisamos dividir, e por mais que eu quisesse muito que eu e Arin tivéssemos nosso próprio quarto, não aconteceu. Mas temos uma cama de casal para nós, e Lucy uma cama de solteiro auxiliar. O plano era que eu e Lucy dormissemos na de casal e os meninos revezassem a de solteiro, mas eles apenas deixaram acontecer. Vamos ser realistas: eles estavam com pena de me ouvir chorando a noite.

      Foi bom distrair minha mente com algo que eu não fazia havia tempo: atirar flechas. Foi bom fazer isso apenas como um hobby, apenas como uma forma de distrair minha mente, não para salvar minha vida e matar alguém, ou caçar algum animal.

— Tenho uma revolução a liderar. — Digo a Arin. Ele levanta a sobrancelha e eu vejo a preocupação em seus olhos.

— Princesa, você tem certeza? — Sua voz é doce ao perguntar.

      Não estou esquecendo de Jasmine e não parou de doer. Ainda é sufocante, ainda é paralisante. As vezes, quando me distraio, posso fingir que ela está fazendo outra coisa em outro lugar. Mas quando estamos jantando, por exemplo, é muito doloroso, de uma maneira que esmaga meu coração, porque ela não está ali, e não teria nenhum outro lugar para estar. Só que eu preciso... seguir em frente. Jazz se foi, mas muitas pessoas não, e essas pessoas dependem de mim.

Espinhos negrosWhere stories live. Discover now