3.

307 31 3
                                    

      Esfrego meus olhos três vezes, tentando abri-los. Mal consigo levantar meu braço sem sentir toda a exaustão que meu corpo sente e reclama. Sinto meus pés latejaram antes mesmo que estejam encostando no chão e sustentando meu corpo. Tenho medo de tirar os sapatos e não conseguir mais colocá-los, e é pior ficar descalça do que com sapatos que rasgam meus pés. Mais uma vez só quero chorar e chorar. Não quero me levantar e continuar, não consigo, não tenho forças.

      Meu estômago ronca e nunca senti tanta fome na minha vida. Na verdade, eu nem sabia o que era fome. Quando um pequeno sinal de fome vinha, eu escapulia para a cozinha e buscava qualquer besteira saborosa que pudesse encontrar. Nós, pelo menos, comemos os pássaros que Arin conseguiu pegar. Mas isso foi ontem, na hora do almoço. Já estamos no dia seguinte, depois de andarmos o dia inteiro e boa parte da noite. Arin não teve sucesso em pegar nada quando já estava escuro, então não comemos nada antes de dormir. Mal falamos. Ele estava concentrado em abrir caminho e eu em segui-lo.

      Vejo tudo rodar assim que abro os olhos e sento no chão. É só cansaço. Isso é muito para uma garota acostumada a andar apenas por cômodos de casa. Começo a achar que isso é muito para mim, de novo. Por exemplo, está frio. A noite foi absurda de frio e mesmo estando bem próxima da fogueira, quase me queimando, não ajudou muito as coisas.

— Você chorou a noite toda de novo. — Demoro a localizar Arin de tão lenta que estou, além de dolorida. Meu torcicolo não melhorou e continuo sem conseguir olhar para o lado.

      Ele já está de pé, recolhendo os gravetos e espalhando as cinzas, da mesma forma que fez ontem. Ele também parece cansado. Isso não deve ser nada para ele, mas círculos arroxeados começam a marcar os olhos violetas. Ele está dormindo? Ele precisa dormir. Ele não deve estar dormindo porque alguém tem que ficar de vigia, e eu sou sempre egoísta e durmo!

      Começo a chorar. Como uma cachoeira incontrolável, as lágrimas escorrem dos meus olhos. Arin faz uma careta.

— Ah, não, não, não. — Ele balança a cabeça e murmura. Em poucos passos, está ajoelhado a minha frente. — Princesa, vamos lá. Progredimos bem. Ontem foi um bom dia, precisa superar o de hoje. Guarde a água do seu corpo, vamos. — Ele parece sem saber o que fazer, se afaga meus ombros ou os sacode.

— Não consigo. Não posso. — Murmuro. Minha mente dá voltas e voltas e sempre para me lembrando que vou falhar. Vou falhar, já estou falhando. 

— Você consegue. Estamos conseguindo. É só se levantar e seguir em frente, princesa. Você precisa. — A sua voz é urgente.

— Você não entende. — Vocifero. — Perdi tudo. Todos. Abandonei a todos. Então, não me diga o que fazer. — Não sei porquê explodo com Arin dessa forma. Estou com raiva de mim mesma por ser tão fraca e estúpida, por chorar tanto.

— Princesa... você não pode se sentir assim. Não é verdade. — Sua voz é calma, mas seus olhos não param. Estou acabando com sua paciência, sei disso.

— O que eu deveria sentir? — As lágrimas secam conforme deixo que toda a fúria se liberte. — Me desculpe se eu ainda estou engolindo tudo que aconteceu comigo nas últimas semanas, querido.

      Será que ele não entende?! Eu não tive tempo de sentar e absorver tudo que estava acontecendo comigo! Tive que ser forte mesmo quando sentia mãos apertarem minha garganta. Não é culpa minha que meus sentimentos estejam explodindo no momento que tenho silêncio e calmaria. Eu fugi daquilo que fui preparada a vida toda. Eu deixei para trás o homem que amo por conta de uma causa, por conta de ser alguém que nem me sinto como.

      Arin levanta do chão em um pulo. Os olhos estreitos, assumindo um tom tão escuro que quase se tornam azuis marinho. Ele explode.

— Você tem noção que não é a única com uma história triste de vida, não é? — Ele solta uma risada irônica. — Espere, sua história nem é triste! Seus pais adotivos amaram você! Você teve tudo!

Espinhos negrosWhere stories live. Discover now