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      Eu tusso várias vezes e busco o ar mesmo sabendo que está completamente contaminado pela fumaça densa e escura do fogo. Apoio meu corpo em minhas mãos, reunindo forças para ficar de pé novamente, sentindo arranhões começarem a arder em minhas pernas. Quero fechar meus olhos e parar de ver tudo isso. Não quero encarar esta realidade. Isso não está acontecendo. Não está! Solto um gritinho estrangulado que arranha minha garganta. É como um rosnado de gato.

      Arin tosse de forma rouca do meu lado e seu peito chia com os movimentos. Mesmo estando ao ar livre, precisamos parar de respirar essa fumaça. Todos nós. Ele pisca os olhos e tenta focar novamente; como eu, ele tem uma expressão confusa de dor no rosto. Outra casa queimando debaixo dos seus olhos. E mais uma vez a culpa é minha. Só que preciso engolir a necessidade de sentir pena de mim mesma, isso não vai me ajudar em nada aqui.

       O vento sopra quente em meu rosto, como se apenas o ar pudesse queimar. Estamos cercados por paredes de chamas, que se espalham rapidamente de tenda em tenda devido ao material que são feitas. O fogo começa a lamber até mesmo a grama que cobre o chão e este lugar não vai durar mais uma hora sem ter se tornado um punhado de cinzas e lágrimas. É a casa de tantas pessoas. O que vamos fazer?

       Arin finalmente se levanta e me puxa para ficar de pé junto com ele. Meu corpo está mole de medo.

— Preciso ver se alguém está precisando de ajuda. — Arin grita para mim.

      A fuligem escura começa a grudar em seu peito descoberto e nas bochechas. Ele está inalando esta fuligem, ele precisa sair! Mas é claro que tem pessoas precisando de ajuda. Gritos desesperados não param de preencher o ambiente, são tantos que sinto vontade de cobrir meus ouvidos e parar de escutar. Nomes de desaparecidos estão sendo chamados no escuro, banhados por laranja e vermelho — o fogo é a única coisa que ilumina nossa noite.

— Pelos céus, Hyacinth! — Só uma pessoa ainda me chama assim. Eu me viro em direção a voz e encontro Kile ofegante correndo até minha direção. — Estava tudo em chamas quando acordei! E isto estava fincado na saída.

       Meu estômago se revira como se uma bola de aço explodisse em milhares de fragmentos ali dentro. Um tremor se espalha por meu corpo e não há gritos, não há calor e não há claridade. Há apenas a adaga cravejada com pedras preciosas ainda suja com o sangue do Rei, presa a um pequeno papel que diz "Você vai pagar." Eu sabia que não ficaria por menos, eu sabia! Um grito assustado escapa da minha boca e mordo minha mão para evitar que outros saiam. Ele veio atrás de mim. Braken veio atrás de todos nós. Eu despertei sua fúria contra nós. Eu mereço isso, mas não eles. Não, não, não, não.

— Tire-a daqui. — Escuto Arin ordenar.

— Não! — Grito.

      Mas eu vejo no rosto do meu irmão em quem ele vai depositar sua confiança e obedecer. A adaga ainda está em sua mão quando ele vem para cima de mim, e eu quero que esta coisa suma! Suma. Eu não quero nunca mais olhar para isso! E também não quero deixar Arin! Ele vai colocar a vida em risco, ele não vai sair daqui. Ele não pode me abandonar também. Não pode.

— Kile, não! Não! — Eu grito desesperada enquanto meu irmão agarra meu corpo e me joga por cima dos ombros.

       Eu esperneio como uma presa antes de ser devorada pelo predador. Eu bato em suas costas e balanço minhas pernas no ar. Ele não entende que não posso deixar Arin! Ele não entende que se alguém morrer esta noite... se alguém morrer esta noite... a única pessoa que merece sou eu. Não é justo que eu me salve enquanto outros não vão conseguir.

— Vá o mais fundo da Floresta que conseguir. Tente juntar outras pessoas com você. — Arin ordena de forma apressada, andando de um lado para o outro.

Espinhos negrosWhere stories live. Discover now