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     Depois que conto todos os detalhes para Laia, sem deixar nada passar, finalmente colocando todos os meus sentimentos em palavras, toda minha culpa e minha dor para fora, eu me sinto pronta para seguir em frente. Não sei quanto tempo o luto deveria durar, nem se deveria terminar, mas preciso realmente seguir em frente por todos — não só por mim. Fico tentada a perguntar detalhes sobre ela e Theo — culpo a Arin e sua teoria de que os dois se beijaram — mas deixo para lá, eventualmente. Ela me conta da campanha que fizeram por Serasar, entrando em contato com chefes importantes por lá, conta sobre Philip e sua aparente devoção a causa, mas não cita Grace em momento algum. Talvez Laia ache que não noto, mas noto. Não sinto nenhum remorso pela forma que Grace me tratou no dia que invadi o palacio de Serasar, meu irmão fez com que eu percebesse que não tinha o direito de sentir. 

     O mundo continua a girar com ou sem você. Não importa quem você seja, quem ame ou o que almeje, nada para por você, e há uma beleza e tristeza neste fato. Sei que Jasmine ia querer que seguissemos em frente, que não ficassemos tristes, porque ela era assim, mas ao mesmo tempo não parece justo.

      Porque não é justo. É um maldito mundo em que vivemos, onde tudo que você ama é tirado de você. Eu não tenho medo de morrer, não tenho medo nem de perder esta guerra desgraçada, mas tenho medo de perder mais alguém que amo. Tenho medo de perder Arin, ah pelos céus, eu morro de medo de perder Arin. Ele é tudo o que deixa meu mundo mais bonito. Sei que geralmente as declarações incríveis de amor partem dele, mas a verdade é que sinto o mesmo. Amar Arin é ter a quem voltar, é ter um motivo para voltar. E é exatamente com esse pensamento que esbarro em Theo.

      Suas mãos me seguram pelos braços e abro um sorriso — mais triste do que queria aparentar. Foi assim que soube que eu não o amava mais, talvez nunca realmente amei. Eu não quis voltar para ele. Nunca passou por minha cabeça que eu teria um motivo para voltar lá e recuperá-lo. Eu me sinto uma megera quando penso nisso, mas não posso evitar. Não posso evitar porque sinto que as coisas entre nós estão mal resolvidas, como se ainda houvessem coisas que precisam ser ditas.

— Eu nunca te pedi desculpas, não é? — Eu pisco os olhos duas vezes, tentando entender onde ele quer chegar. É desconcertante olhar para este Theo, é como olhar para um desconhecido. — Por ter escondido de você quem era.

      Eu nunca tinha pensado nisso. Quer dizer, eu não achava que ele se sentia culpado por isso. Theo confessou que não planejava me contar e aquilo ali acabou tudo entre nós. Não imaginava que ele ainda pensava sobre isso... sobre nós.

— Theo, isso está no passado. Apenas deixe para lá. — Murmuro.

— Só que não está. Eu... Eu sinto muito mesmo, Helena. — Não posso evitar a minha boca de forma uma careta surpresa. É a primeira vez que ele me chama de Helena, por meu nome verdadeiro. — Eu estava preso no passado. Preso no que devíamos ter sido, eu não queria deixar Hyacinth para trás porque... porque ela me amava.

      Meu corpo inteiro treme. Theo não tem coragem de encarar meus olhos e nunca o vi tão inseguro. Ele olha para os próprios pés, as mãos enfiadas nos bolsos da calça. Eu paraliso. Quero tocar seus ombros e dizer que vai ficar tudo bem, mas como eu poderia dizer isso? Não tenho como consola-lo, não com o que o atormenta.

— Está tudo bem, você não precisa ficar tão assustada assim. — Ele murmura e uma risadinha escapada por minha boca. — O que nós tínhamos acabou. Acabou mesmo. E estou finalmente aceitando. Sem comparações, sem pensar em como poderia ter sido diferente. As coisas são como são, e eu nunca vou poder medir o quanto sou grato por tudo que você fe... — Eu o envolvo em um abraço apertado, o pegando totalmente de surpresa.

— Você é minha família, Theo. — Seus braços envolvem meu corpo. — Sempre vou tomar conta de você e de Atlas. Você sempre vai ser importante para mim.

      As coisas podiam ter sido diferente, mas elas não são. De nada importa pensar em como minha vida séria se eu não tivesse descoberto quem realmente sou. Não importa. Tudo que temos é o agora, é este caminho pelo qual nossas escolhas estão nos levando. Theo partiu meu coração e eu despedacei o dele, e tenho certeza que não era intenção de nenhum dos dois, mas é nossa história.

— Eu quero que você seja feliz, Theo. Feliz de verdade. — Digo, depois que separo nossos corpos, olhando em seus olhos.

— Também quero que seja feliz, Helena. Você merece. — Meus olhos enchem de lágrimas. Esse é um ponto final de verdade.

      Eu poderia perguntar a ele sobre Laia, mas acho que Theo precisa de um tempo sozinho e descobrir quem ele é, onde ele se encaixa no novo Reino que estamos tentando construir, e talvez depois quem sabe, ele esteja inteiro a ponto de poder transbordar uma pessoa. Quando descobri quem eu era, minha verdadeira história e meu propósito, eu me senti completa, como se finalmente meu quebra cabeça estivesse quase completo. Faltava apenas uma última peça nele, e esta peça é Arin.

       Jasmine ficaria orgulhosa de mim, de como lido com as coisas agora. E é tudo que importa.

***

      Esfrego as palmas das minhas mãos na calça jeans surrada que cobre minhas pernas. Conforme o tempo passa — uma semana inteira —, mais nervosa eu fico. O plano é cheio de falhas, e não estou sendo pessimista, apenas realista. Se uma coisa, uma coisinha minina sair dos trilhos, tudo vai. Se os pequenos protestos e ataques espalhados pelo Reino não chamarem atenção, se quando eu gritar por Vetturius na porta do Castelo, ele não me atender, se os guardas estiverem muito atentos a entrada e saída dos criados.... O destino de milhares de vidas depende uma ação de horas.

— Parece que você vai arrancar a própria mão, passarinha. — A voz de Kya faz com que eu pare de encarar a parede e gire os calcanhares em suas direção.

— O que você está fazendo aqui? — Pergunto.

— Uau, você está mesmo nervosa, devo alertar que esta recepção me magoou. — Reviro meus olhos. Não estou com muita paciência para Kya tirando sarro de mim. — Você acha que vai invadir o Palácio de Viridia sem minha ajuda? Na-ao. Estou do seu lado, esqueceu? — Ela joga os cabelos prateados para trás. — Eu segui o principezinho e a desagradável.

      Kya e Laia não se dão bem. Aparentemente nunca se deram. São duas personalidades muito fortes para convergirem invés de divergirem. Eu levanto uma sobrancelha. Se Kya os seguiu, será que alguém também seguiu?

— Sei o que está pensando e a resposta é não. Eu estava de olho neles há um tempo. Se Braken os pegasse, metade dos nossos planos seriam arruinados. — Ela explica.

— Obrigada. — Sorrio. — É bom ter você de volta. — Ela pisca o olho direito antes de me deixar sozinha novamente.

     O momento está chegando. O momento em que meu futuro e de todas as pessoas de Viridia será decidido. E eu estou morrendo de medo. Porém, eu não estou acostumada a não ter o que eu quero, porque no final eu sempre consigo.

Espinhos negrosTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon