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Helena Clarke
Na manhã seguinte ao incêndio

— Não se meta. — Kya rosna como uma loba furiosa para Thryne, enquanto eu apenas deixo meus olhos voarem de um para o outro.

— Por que você está opinando? Pode ir correndo para sua caminha no Palácio como cachorrinha do Rei. — Thryne retruca, e juro, há veneno escorrendo pelo canto de sua boca. Bem, ele é corajoso, tenho que assumir.

— Eu vou matar você. — Kya ameaça e dou um passo para trás, só em caso dela realmente cumprir com sua palavra.

— Parem vocês dois. Não temos para onde ir, isso é fato. Precisamos pensar e nos organizar... continuarmos escondidos na Floresta é a melhor opção. — Gray pontua. Seu rosto está coberto por fuligem e as roupas chamuscadas, então pela primeira vez, ele parece desequilibrado. Como todos nós.

      Esfrego minhas têmporas com os dedos para afastar a dor de cabeça. A madrugada foi intensa. Gostaria de apagar de minha mente todos os acontecimentos de algumas horas atrás. Não consegui dormir porque os pesadelos me arrastavam para as chamas todas as vezes. A culpa me consumia, e consome ainda. Ninguém realmente gritou comigo ou diretamente me culpou, mas vejo em seus olhares — quando olham para mim. Os líderes estão evitando me encarar. Thryne pareceu o único prestes a dizer algo, seu olhar era repleto ódio, mas Robert empurrou seu ombro e chamou sua atenção.

      Estamos reunidos — os líderes — para decidir o que fazer com as centenas de pessoas famintas e desabrigadas agora. Sem falar na nuvem pesada de tristeza instalada por aqui. O ar é denso de perda. Está em todos os rostos, até no de Arin. Eu o deixei dormindo depois de chorar em meus braços a madrugada inteira. Eu nunca o vi desabar, acho que ninguém. Ele estava desolado, e eu sufocada por saber que causei este sofrimento nele. Em todos eles.

— Vamos ser práticos e separar grupos. Perdemos nossas tendas, sim, mas isto ainda é um acampamento e as funções tem de ser mantidas. — Kya é prática e ninguém pode negar sua liderança nata. Kya é a ferramenta que eu levaria a uma ilha deserta.

— Certo. Vamos separar grupos de caça, grupos para buscar água, grupos de vigia, um grupo para voltar ao acampamento, os que irão preparar os alimentos, e quem ficar por aqui, precisa cuidar dos outros. Também precisamos de um grupo para pegar medicamentos. — John complementa e todos concordam. A melhor forma de seguir em frente, para nossa própria sobrevivência, é começarmos a nos mover.

— Quero estar no de caça. — Eu me voluntario. Todos ficam surpresos e parecem só agora notar minha presença.

    Preciso sair daqui. Preciso parar de olhar rostos contorcidos em dor e luto. Quero me mover, respirar ar puro e liberar toda minha ansiedade atirando uma flecha — isso se ainda houver um arco inteiro. Minha mira é excelente, estaríamos apenas desperdiçando isso por me deixar aqui. O que é exatamente o que eles planejavam fazer pelas expressões de seus rostos.

— É melhor que fique por aqui... — Robert começa em uma voz tranquila.

— Ela está no meu grupo. — A voz de Kya é forte e alta ao afirmar. Posso não confiar nela, mas somos aliadas neste jogo.

     Nenhum deles tem vontade de começar uma guerra que irão perder ao discutir com Kya sobre me incluir ou não. Estamos todos cansados e tristes demais para brigar por tudo. Será que em algum momento terei tempo de tomar um banho? Estou coberta por fuligem e cinzas, é agoniante.

Espinhos negrosWhere stories live. Discover now