30.

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     Arin me encara como se eu fosse um quebra cabeça que ele não está conseguindo montar. Sobrancelhas franzidas, olhos vidrados e os lábios comprimidos em uma linha fina de concentração. Ele quer fazer alguma coisa. Pelos céus, eu aposto que ele gostaria de tirar a dor que estou sentindo e colocá-la toda nele. Foi isso que senti quando ele voltou depois do incêndio, totalmente quebrado e desmoronando, eu queria pegar toda aquela dor e sofrimento e tirar dele, para que nunca mais se sentisse daquele jeito. Acho que ele também está com medo da decisão que vou tomar.

      A roupa parece mais errada em meu corpo do que antes. Não paro de lembrar da voz de Jasmine perguntando sobre o déjà-vu, e então minha mente corta para seu corpo caído no chão usando um vestido exatamente igual a este. É a única roupa que eu tenho disponivel. Eu passo as mãos de forma nervosa por meu cabelo, esquecendo por um segundo, que não há quase mais fios ali e agarro o ar. Antes, as pontas do meu cabelo ultrapassavam a minha cintura. Agora, não tocam nem meus ombros. Fios loiros cortados de forma rebelde despontam para vários lados de maneira desigual. Eu poderia arrancar todos os fios da minha cabeça.

       Eu respiro fundo e levanto minha cabeça. Círculos roxos marcam meus olhos, contando para qualquer um que eu não dormi nada. Se eu tivesse que fazer uma proclamação agora, a qual meu trono dependesse, eu o perderia. Não pareço nem um pouco confiante e forte, nem um pouco. Mas eu posso fazer isso. Eu posso.

      Quando entro no Salão, meus olhos vão direto para o lugar em que Jasmine caiu no chão. Acho que busco seu corpo ali, busco uma mancha horrorosa de sangue, qualquer coisa que indique uma morte dramática, mas não há nada. Nada. Ela não sangrou, ela não se feriu por fora, pelo contrário, o veneno corroeu seu corpo por dentro. Como alguém pôde ter coragem de fazer isso?!

      Preciso balançar minha cabeça e me forçar a olhar para outro lugar sem ser o espaço de Jasmine. Todos se amontoam e se reúnem de forma ansiosa e barulhenta. A mesa está vazia, ninguém senta nas cadeiras, pelo contrário, se amontoam de pé ao redor, aguardando as cenas do próximo capítulo. Eu vejo crianças. Crianças que costumavam passar o dia inteiro com Jazz, com seus rostos cobertos por lágrimas, mesmo que não tenham nem entendido o que realmente aconteceu ainda. Eu olho para Henry, e eu posso jurar, é como se este bebê soubesse o que aconteceu. Seu rosto redondo é como um tomate vermelho e ele se esguela de chorar, enquanto veste a roupinha amarela que Jazz tricotou, a que parecia uma meia gigante. O ar pesa a luto e cheira a dor.

       Todos se calam quando enfim notam minha presença. Gray, John e Robert viram os rostos para mim, a feição séria já voltou a seus rostos. Como não teria retornado? É como se todos estivessem esperando para que eu dite o próximo passo, como se eu soubesse, como se eu merecesse. Meu coração se aperta dentro do meu peito e olho para Arin, que se recosta no meio da multidão de braços cruzados. Ele silabia "você não precisa fazer isso." Mas ele está errado, porque eu preciso, ou ninguém vai fazer. Parece que eu era a única que faltava.

      Eu vou até onde Arin está e fico do seu lado. Ele tenta pegar minha mão, mas eu a deixo presa a meu corpo de propósito, a centímetros de tocar sua pele. Não quero ser confortada, não quero ser tratada como frágil, estou com tanta raiva, tanta raiva...

     E então vejo Kilian e é como toda essa raiva se dissolvesse em pura e plena dor. Ele está de braços cruzados, no meio de uma multidão do outro lado da mesa. Arin devia estar lá com ele, não comigo. Mas... olho bem para Kilian e sua expressão abatida no rosto. Não só abatida, ele parece... parece tão sem vida quanto Jasmine. Ele não está realmente ali, apenas uma casca que sobrou depois que seu coração foi arrancado. Ninguém está sofrendo mais do que ele, nenhum de nós poderia nem mesmo chegar perto. Eu amo... amava... Jasmine, mas jamais poderia aproximar este amor do que Kilian sentia por ela, essa espécie de devoção que sentimos por uma só pessoa. Que eu sinto por...

Espinhos negrosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora