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Theodore Vetturius

     Respiro fundo antes de bater duas vezes firmemente na porta do grande casarão de nossa antiga babá — Martha. Levamos um dia e meio cavalgando sem parar nenhuma vez, ignorando fome, sede e cansaço. Estive esperando que a Guarda aparecesse a qualquer momento e eu fosse levado diante meu pai para sofrer uma humilhação tremenda, assistir Atlas ser enforcado e ficar vivo para colher infinitas consequências. Esperei que meu pai aparecesse a qualquer momento enquanto ainda pegavamos nossos cavalos — mas não aconteceu. Talvez, algo no meu íntimo quisesse que isso acontecesse para que eu pudesse olhar em seus olhos durante minha partida. Queria que ele visse, queria machuca-lo. Mas o único a sair machucado seria eu, ao ver meu pai olhar para mim como olha para um inimigo.

      Eu olho para Atlas, que ajeita a bolsa nos ombros de forma distraída. Nossa relação ainda é um fio bem sensível, mas estamos a construindo e melhorando passo a passo. Eu morreria por meu irmão sem pensar duas vezes.

      A porta se abre e revela uma garota baixinha de cabelos volumosos escuros e olhos grandes ameaçadores, como se ela tivesse saído de um desenho animado ou algo assim. Ela olha desconfiada para nós dois e pergunta o que queremos. O que queremos? Eu grito para mim mesmo internamente. Isso vai dar errado. Como pude deixar isso acontecer? Tão amador! Meu pai nunca perde. O que eu fiz?

      Graças aos céus, Atlas abre a boca e diz que estamos procurando por Martha, antes que eu comece a hiperventilar ali mesmo, pensando demais em tudo que pode — e vai — dar errado. Não há mais volta.

       A menina estreita os olhos e nos analisa. Que desserviço! Será que ela não está nos reconhecendo? Somos os príncipes! Eu poderia ordenar que ela abrisse a porcaria da porta agora e... Bem, acho que vou ter que me acostumar a parar de usar este título como palanque. Sair do Palácio foi abrir mão dele. Ela parece nos dar a vitória e desaparece atrás da porta, a batendo a nossa frente. Eu e Atlas trocamos um olhar confuso.

      Além de preocupado com nossas cabeças, estou preocupado com Hyacinth. Já faz um dia e meio do incêndio e não sei mais nada sobre. Quero apenas uma refeição e sair para procurá-la. Quanto mais tempo demorarmos, mais vulneráveis eles estarão e mais apreensivo eu estarei. Preciso me certificar que ela está viva e bem.

— Peço desculpas por Annelise, ela é simplesmente tão desconfiada e... — Martha surge abrindo a porta e falando de forma distraída, só quando ela põe os olhos em nós dois, é que suspira e se dá conta de quem é. — Meus meninos! — Ela exclama.

      Eu já esperava o aperto em minhas bochechas, mas não quer dizer que estava preparado para suas mãos as amassarem. Ela continua da mesma maneira que me lembro. Sua cabeça ainda bate abaixo do meu peito, os cabelos ainda são curtos na direção do queixo e as feições do rosto ainda são duras, contrastantes dos olhos bondosos. Martha cuidou de mim até meus quinze anos, e de Atlas até essa idade também. Ela já trabalhava no Palácio antes de meu nascimento, e depois que crescemos, ela se aposentou e veio viver numa fazendo no meio do nada. As moças que a ajudam estão sempre diferentes, já que ela logo trata de arranjar maridos para elas.

— O que estão fazendo aqui? Vieram buscar a moça bonita? Afinal, com qual dos dois ela deve se casar? — Martha dispara nas perguntas, e eu vejo o peito de Atlas subir e descer de forma mais pesada quando menciona casamento.

— Acho melhor conversarmos lá dentro. — Respondo, e ela entende tudo por minha feição séria no rosto.

     Martha nos dá espaço para entrar. Sua sala é imensa — grande demais para uma senhora minúscula. Acho que as moças que sempre estão por aqui são para preencher os espaços vazios de sua vida solitária. É uma boa ação, no final da história.

Espinhos negrosWhere stories live. Discover now