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    Minhas mãos tremem enquanto coloco vinte flechas afiadas na aljava. Ainda estão tremendo quando a prendo em minhas costas e penso que posso estar carregando vinte vidas ali — vinte que posso tirar, vinte que posso salvar. Eu me sinto dez anos mais velha, como se tudo que aconteceu antes do casamento — que nunca ocorreu — , fosse a vida de outra pessoa. Cada conversa, cada passo, cada vida sacrificada foi em prol deste momento: o ataque real e direto ao Rei e a Coroa. Tomamos o triplo de precaução em cada planejamento. O Rei está nos esperando porque isto era o que queríamos dele: que ele estivesse me esperando na porta da frente.

     Pequenas revoltas vão implodir em diversos cantos do Reino para dispersar a atenção dos soldados. Atlas, Lucy e Scar são os responsáveis por isso. Em pontos diferentes, atraindo resistentes distintos, auxiliando o povo, devidamente avisado. Claro que fomos descuidados o suficiente — e propositalmente — para que o Rei soubesse de alguns pontos. Vetturius precisa acreditar que está um passo em nossa frente. Seu orgulho precisa cega-lo.

     Eu vou estar gritando seu nome em frente ao Palácio, clamando por minha Coroa na frente de todos. Convidamos o povo para enfrentar o Rei de frente, e não tenho certeza se alguém estará lá. Essa ideia não foi exatamente minha, foi dos líderes e estou jogando o jogo deles. Eles acham que isso vai intimidar o Rei, quando eu desmoraliza-lo na frente de todos. Eu já fiz isso quando gravei o vídeo e enviei para os quatro cantos de Viridia uma cópia do meu exame de sangue provando quem sou. Só que é óbvio que perderíamos um combate direto com o Rei, seria suicídio generalizado.

     Por isso, meu plano é mil vezes melhor. Eu sou a distração. Arin, Theo, Laia, Oscar, Kile e mais um grupo de cinco são a arma secreta. São eles que vão invadir o Palácio pela entrada dos criados, que provavelmente terá um guarda ou dois vigiando. São eles que vão invadir o Palácio e ataca-lo por dentro. Uma vez que o Palácio for tomado, será bem mais fácil entrar pela porta da frente. O futuro de Viridia depende de todos nós, de cada um envolvido no plano. Para que tudo ocorra perfeitamente, ninguém pode cometer erros.

     Bem, por conta disso, eu não durmo há três dias. Tem tanta em coisa em jogo, tanta gente importante para mim que posso perder hoje. Hoje. Não daqui a duas semanas, não amanhã. Hoje, porque estamos prestes a partir. E eu não estou preparada para perder mais ninguém. Ninguém. O lado positivo é que mesmo que percamos, eu não vou sobreviver para lamentar. 

      O trajeto até o coração de Viridia leva em média dois dias, dormindo durante as noites. Estou tão ansiosa que poderia apenas cavalgar sem parar — o que seria injusto com o cavalo, de qualquer jeito. Idosos e crianças vão ficar, além daqueles que não tem condições de enfrentar uma batalha e os que vão ficar para proteção.

— Ei, você está bem? — A mão de Arin toca levemente meu pulso. — Você parece meio... verde.

     Eu olho para ele. Olho bem para ele. Olho para os cabelos despenteados marrons escuros, olho para a pele brilhante em tom de caramelo, olho para os olhos mais lindos que já vi em minha vida, um tom injusto conosco, pessoas com tons normais de cor nos olhos. Olho bem para ele e memorizo cada detalhe de seu rosto, cada detalhe presente nele — como se eu já não soubesse de cor.

— Tem algo de errado? — Ele limpa a garganta, e eu abro um sorriso.

— Eu não posso olhar para o meu namorado? — Pergunto, arqueando uma sobrancelha.

— Huhum. — Ele murmura, e mostra que é um jogo que ele também sabe jogar por me encarar por longos minutos. Eu ruborizo, sentindo minhas bochechas arderem. — Não fuja da pergunta.

— Bem como "vou ganhar hoje" ou bem como "não posso perder você hoje"? — Pisco meus olhos.

— Ei... — Os braços de Arin envolvem minha cintura e me puxam para perto dele. — Você não vai me perder.

Espinhos negrosWhere stories live. Discover now