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Theodore Vetturius

     Encaro o quadro em branco por cinco minutos inteiros, deixando que apenas suspiros curtos escapem pelos meus lábios. Estou sentado em frente ao cavalete por duas horas e não consegui nada. Nada. Pintar costumava me trazer a paz e o equilíbrio necessário para seguir em frente. Mas agora... agora tudo que quero fazer é partir este maldito quadro em mil pedaços, jogar o cavelete pela janela e derramar toda tinta no chão. Eu quero gritar. Porque dói demais.

      Não consigo mais pintar porque ela me tirou isso. Hyacinth foi a única pessoa que ficou tão admirada quanto impressionada com meus desenhos. A única que pediu um desenho aleatório e o pendurou na parede. A única que me deixou coberto por tinta e sufocado por toda necessidade de tê-la próxima a mim. Então, quando olho para este quadro agora, tudo que consigo pensar é que ela me deixou. Que ela pode estar em perigo. Que eu...

      Que eu estraguei tudo. Como sempre.

      Eu sabia sobre sua verdadeira identidade. Eu sempre soube. E acho que eu... que eu realmente não planejava contar isso a ela. Hyacinth era magnífica por si só, ela não precisava ser outra pessoa. Do que importava quem era quando nasceu, se foi criada como outra pessoa? Bem, aparentemente, importava muito.

      Solto um grunhido de raiva e finalmente tomo coragem para jogar a tela no chão com um tapa forte. O barulho é leve e oco, não alivia a raiva do jeito que gostaria. Estreito meus olhos e esfrego meus cabelos.

       Eu fui treinado a minha vida inteira e instruído a não me permitir ter um ponto fraco. Eu sabia quem Hyacinth era, sabia porquê iria me casar com ela e tinha plena noção que era um pouco cruel. Pelos ceus, talvez eu seja mesmo o vilão como Atlas gosta de dizer. Porque estar no poder significa abrir mão de seus sentimentos e ser puramente racional e firme. E eu sou racional e firme. Menos quando se trata de Hyacinth. Eu não esperava conhecer a garota que deixaria meu coração todo tolo. Achava que ela era como os jornais diziam, uma moça incrivelmente linda, mas cabeça de vento.

       Só que Hyacinth não é nada disso. Ela fala demais. Pergunta demais. E mesmo assim... mesmo assim é a pessoa mais forte que conheço. Atira flechas melhor do que qualquer arqueiro do Reino, e parece gostar de sair escondida na madrugada. Ela não hesita em proteger as pessoas que ama, nem em deixá-las. Ela não hesitou em quebrar minhas barreiras da indiferença. Não hesitou em se importar com minha mãe. E não hesitou em fugir do Palácio.

      Suas palavras ecoam em minha cabeça o tempo todo. Eu amo você, mas precisa me deixar ir. Como eu poderia deixá-la ir? Como eu poderia fazê-la ficar? Minhas mãos estavam atadas e tive de assistir enquanto ela deixava o Palácio, declarando guerra direta contra meu pai. Contra mim. Mas ela estava certa, afinal. Isso não era sobre nós. Hyacinth acreditou ser responsável pelo Reino e foi lutar por isso. Escolheu fugir do lugar onde mentiram para ela durante toda sua vida e a usaram da forma mais suja que alguém poderia fazer. A atraindo para uma armadilha fantasiada de vestidos bonitos e coroas. Tudo que ela precisava era dizer sim, e nenhum Clarke existiria mais.

       Talvez ela não me amasse o suficiente. Não. Theodore! Levanto rapidamente do banquinho e chuto o cavelete de madeira a minha frente. É frustante vê-lo se partir com este movimento. Isso não é sobre mim. Mas estou com raiva.

      Por que ela não pediu para que eu fosse com ela? Falou coisas absurdas como venha comigo e vamos tirar seu pai do poder juntos. Hyacinth não via diferença entre mim e quem está no poder. Talvez ainda estivesse magoada comigo. Eu estaria. E talvez não mereça seu perdão. Não enquanto ainda tiver todos esses pensamentos. Não enquanto ainda não consigo decidir quem eu sou no meio disso tudo.

Espinhos negrosWhere stories live. Discover now