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— Eu não acreditei quando me disseram que você estava aqui. — Digo, ainda de costas, olhando para o jardim.

    Tenho vindo bastante na Sala do Trono, mas nunca me sento nele. Tenho a sensação que o assento ainda está quente, como quando alguém senta numa cadeira que outra pessoa estava sentada há poucos minutos. Ou, parece que quando me sentar ali, Vetturius vai cruzar a porta com um sorriso largo mostrando seus caninos e zombar da tola garotinha que acreditou que tinha ganhado. Não me sinto nem um pouco Rainha.

     Já tem cinco dias desde que acordei. O povo ainda não sabe, mas ainda estão todos em festa. Fazem dez dias que Vetturius morreu e as pessoas não parecem cansadas de festejar sua morte e sua nova Rainha – a que aparentemente ainda não acordou. Os líderes da Resistencia – conselheiros, como se intitulam agora – acharam melhor permanecer em silencio enquanto não estou cem por cento. Acham que posso apresentar fragilidade e abrir a brecha que sabemos que Braken está aguardando.

     Não sou estupida, o povo vai cansar disso e começar a clamar pelas mudanças prometidas em breve. Estão eufóricos, mas quando a euforia passar, vão exigir suas recompensas. Tenho pessoas trabalhando nelas — nas promessas que fiz no vídeo — agora mesmo, inclusive. A nova Corte foi estabelecida e me encontrei com todos dois dias atrás. Sorrisos e apertos de mão, promessas de lealdade e ofertas. Não senti firmeza em nenhum deles, mas Theo parecia confiante. O príncipe está numa reunião com o Júri de Viridia, trabalhando com algumas burocracias, longe do Palácio por alguns dias.

     Eu me pergunto se ele e Laia conversaram. Ou se estão simplesmente deixando o que quer que tenha acontecido com eles afundar no meio dessa maré louca que estamos vivendo. Espero que não. Espero, com todo meu coração, que lutem por isso.

     O Palácio parece vazio e frio. Disse a Arin que não me sinto em casa aqui. Ele não queria me desanimar, mas vejo como seus ombros estão sempre tensos e como nunca baixa a guarda – o mesmo que acontece comigo. Essa é a casa de outra pessoa e Vetturius está por todos os lugares. Parece que somos intrusos, ou pior, prisoneiros. A marca que ele deixou em todos nós brilha entre essas paredes, e Céus, eu odeio este lugar.

      Com Atlas e Lucy ainda na Nova Itália, Theo resolvendo muitas coisas, Oscar, Kile e Arin organizando a Guarda e Laia tomando conta das coisas com o povo, eu me sinto sozinha. E é só uma palinha do que minha vida vai ser. Em breve, vou estar tão sufocada de tarefas diplomáticas, que me questiono o que vai sobrar de mim? O que vai sobrar de Helena Clarke, a garota que finalmente estava livre naquele acampamento na divisa dos Reinos?

     Mas, concentro-me na sombra prateada que me encara do outro lado da Sala.

— Acredite, não quero problemas, passarinha. Laia me mandou embora e no mesmo dia eu fui. — A voz de Kya é suave e me viro para a mesma. – Achei que estaria vestindo uma coisa mais... Rainha?

     Ah. Eu não sei se consigo me adaptar a vestidos pomposos e bufantes de novo. Por enquanto, estou vestindo apenas uma calça jeans escura e uma blusa de algodão verde clara. Ninguém conseguiu me convencer de colocar um vestido. Minha vestimenta não é muito diferente de sua calça preta e blusa da mesma cor, o que realça ainda mais os lábios vermelhos e os olhos azuis gélidos.

— Kya... como você pôde? — Tinha acabado. Vetturius estava rendido. Eu decidi poupar sua vida.

— Nunca venceríamos se ele estivesse vivo. Você precisa entender isso. Vetturius era uma ponta solta. Sempre teria alguém para apoiá-lo. — Ela vocifera, quase como se estivesse cansada de dar a mesma explicação de novo. — Seu Reinado é frágil, Helena. Eu sei que ninguém está querendo aceitar este fato, mas você tem muito que construir ainda. Vetturius era uma ameaça forte demais para continuar vivo. E eu não me arrependo. — Kya nunca se arrepende.

Espinhos negrosOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz