Espinhos negros

26.

      Não consigo dormir. Não importa o que eu faça, o quão cansada eu esteja, nem que meus olhos estejam pesados e implorando para se fecharem, minha mente não me permite descansar. Venho tendo problemas para dormir esses dias — esses meses, para ser mais exata. Gostaria de lembrar como é deitar a cabeça em um travesseiro fofo e confortável, e simplesmente dormir tranquilamente. Sem preocupações, sem coisas a planejar.

     Eu viro para o outro lado e meu braço esbarra na mão fria de Lucy. Prendo a respiração para que ela não acorde, não quero estragar a noite de sono de outra pessoa. Estamos todos dormindo em nada além do chão, com qualquer coisa que podemos improvisar para nos cobrir ou usar de travesseiro. Conseguimos algumas mantas, cobertores e sacos de dormir, mas não é suficiente para todos nós, por isso eu e Lucy estamos dividindo um cobertor. Atlas, que dorme ao seu lado, repousa a cabeça nos próprios braços, enquanto sonha profundamente.

      Eu queria estar dormindo com Arin agora, para ser verdadeira comigo mesma. Não precisaria de cobertor nem de travesseiro, contanto que tivesse seus braços ao meu redor, como dormimos algumas vezes na Floresta. Mas eu não queria levantar tantos comentários, sabendo de como minha reputação não está bonita, e ele respeitou isso. Talvez não devesse. Talvez eu estivesse só sendo estúpida. Posso ver seu corpo esticado no chão lameado se esticar meu pescoço. Duvido que ele esteja dormindo realmente.

      Não aguento mais dormir assim, ninguém aguenta. Isso não é certo. Essas pessoas moravam em tendas, e mesmo não sendo como casas grandiosas e super confortáveis, há uma gigante diferença de uma cama e uma cobertura para o chão e as estrelas. Foi um dos argumentos que usei para convencer os líderes de que precisávamos ir mesmo sem Theodore — que ainda não retornou, nem Laia. A conversa durou horas. Horas longas que consistiram comigo jurando que podíamos confiar em Atlas e Theodore, dando minha palavra que não é uma armadilha, que é nossa melhor saída.

      Eles tiveram que ceder no fim das contas. Precisam dar um salto de fé, mas já estamos a beira do precipício de qualquer jeito, então por que não? Eu os convenci, levando em consideração as pessoas e a perspectiva de uma fazenda para reagrupar e fazer uma jogada logo, além do fato de estarmos muito expostos e feridos, presas fáceis para qualquer um que se aproxime. Atlas deu sua palavra que estava conosco, que a fazenda é real e que não fazia ideia do porquê seu irmão havia partido. Eu confiei nisso desconfiando. Sei o quanto os dois estão próximos de um tempo para cá, por isso, não posso apostar todas as minhas fichas que Atlas realmente não sabe o que deu no irmão. Porém, não tive tempo de pressiona-lo por uma resposta porque estava convencendo os líderes de que o eterno Príncipe também é um homem de palavra.

      Partimos amanhã pela manhã. Todos nós, crianças, idosos e até feridos, atrás de uma promessa de terra isolada e segura. O que é muito arriscado e me tirou meu sonho. Todas essas vidas estão em minhas mãos agora. Eu nunca pedi por isso, nunca quis, mas isso envolve ser uma Rainha. As decisões de um líder nunca são as mais fáceis para ele e sempre envolvem sacrifícios. Colocar todo um povo a frente dos seus desejos deve ser a coisa mais difícil a se fazer, quando todos nós somos essencialmente egoístas. Talvez seja por isso que a maioria dos líderes tornam-se maus e orgulhosos. É apenas mais fácil ir pelo caminho o qual todos esperam: o egoísmo. O povo será sempre o povo, eles não tem para onde ir, não importa como você governe.

     Meu peito dói e decido que não posso mais ficar deitada ao lado de tanta gente, imaginando todos seus corpos sem vida em minha cabeça. Não estou levando todos nós a um cemitério, eu confio nos príncipes. Eu confio. Então por que você fugiu, Theo? Solto um grunhido baixinho enquanto me levanto cuidadosamente e ajeito a coberta em Lucy. Preciso de ar, preciso ficar sozinha.

     Eu salto por entre as pessoas dormindo e isso faz com que meu estômago se revire dentro de mim. Eu vejo seus rostos calmos e inocentes, tão vulneráveis, penso em tudo que estão arriscando por mim, por uma causa louca e... isso não pode ser justo. Eles deviam estar em suas casas, com suas famílias, com seus empregos — mas tudo isso lhes foi negado. Não posso ignorar o fato de que essas pessoas não tem aonde ir. Não é sobre mim, é sobre melhor algo péssimo. Alguém precisa lutar pelo direito de todos, já que a maioria não tem essa possibilidade.