Capítulo 85

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Capítulo 85

Frustração. Essa era a palavra que melhor descrevia meu sentimento naquele momento. Eu estava inconformado com o fato de que, após ter passado mais de um ano completamente distante de Jessie, quando eu finalmente havia vindo para mais perto, ela estava indo para muito, mas muito mais longe. E por seis meses. Seis meses inteiros nos quais eu ficaria completamente impossibilitado de vê-la.

Seis. Longos. Enormes. Intermináveis. Meses.

Mas eu não podia pedir para que ela não fosse. Seria egoísmo meu. E eu sabia disso. Sabia que precisava dar apoio a ela, aquele era o meu dever. E eu o fiz. Forcei um sorriso e usei palavras de incentivo. Disse que estava muito feliz por ela, o que em parte era verdade mesmo. Eu de fato estava feliz por Jessie. Eu só não estava muito feliz por mim. Por ter de ficar mais seis meses longe da mulher que eu amava. Por isso eu não estava nem um pouco feliz.

Deitei-me para dormir às sete da noite, porque teria de acordar às três da manhã, e a companhia era bastante rigorosa sobre a quantidade mínima de horas de sono que um piloto deveria ter para estar em condições de voar. Mas confesso que naquela noite eu dormi bem pouco.

Me levantei às três para estar no aeroporto antes das cinco, com tempo de sobra antes do meu primeiro voo daquele dia. De acordo com a minha escala eu estava prestes a iniciar uma jornada de trabalho que me deixaria longe de casa por cinco dias. "Longe de casa" – pensei comigo: mas onde exatamente é minha casa? Isso eu já não sabia mais.

Havia ido para Nova Jersey para estar mais perto de Jessie, e agora ela estava prestes a sair de lá por bastante tempo. Tinha deixado para trás uma casa que já não me fazia mais me sentir "em casa" realmente. Não, minha casa já não era em Spruce Creek. Nem tampouco em Nova Jersey, com Bob. Não, aquela era a casa do Bob. Eu só estava ali por um tempo.

Onde era minha casa então? Era esta a pergunta que eu tinha em mente quando o capitão Harris me tirou do meu devaneio:

— Algum problema, jovem?

Capitão Harris era um dos poucos pilotos negros além de mim na companhia. Era casado e tinha 4 filhos sobre os quais falava quase que o tempo todo durante as viagens. Nós estávamos em altitude de cruzeiro há alguns minutos, e a calmaria de uma viagem em tempo bom no piloto automático havia me concedido o ambiente perfeito para divagar em meus próprios pensamentos. Não pensei que ele fosse notar. Mas ele notou.

— Não, capitão. Está tudo bem — menti.

— Você parece um pouco distraído esta manhã.

— Eu só estou... com saudades de alguém — suspirei.

— Ah, bem vindo ao mundo da aviação comercial, rapaz. Quando não se está com saudades de alguém ou de um lugar, é porque está com saudades de estar aqui — ele abriu as mãos, sem apontar para nenhum lugar em específico, apenas referindo-se àquela cabine, àquele ambiente, a se estar no ar.

E foi aí que eu percebi. Aquilo havia passado a ser minha casa. Eu não tinha mais um lugar com o qual tivesse afeição suficiente para chamar de lar. Mas ali sim, ali era o meu lugar. Era para isso que eu havia batalhado a minha vida inteira. Para estar no ar.

Pilotar não é sobre o glamour, o dinheiro, o status, ou os lugares que se pode conhecer. Eu me tornei piloto porque voar era o que me fazia feliz. Me fazia sentir completo. Não importava o destino ou a origem. O que me importava era estar voando. E decidi me ater a isso.

Capitão Harris começou mais um comprido monólogo sobre seu filho mais velho, Kurt, mas foi interrompido por uma das comissárias de bordo que entrou na cabine para nos entregar nossos lanches.

SOB O MESMO CÉUWhere stories live. Discover now