Capítulo 24

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Capítulo 24

A casa de Angelica estava absolutamente abarrotada de pessoas, segundo ela, todas da família. Muitos tinham seus rostos pintados com imagens de caveiras. Aliás, caveira é o que não faltava! Havia caveiras por toda parte. Imagens, crânios, desenhos, bonecos... Caveiras para todos os lados.

Angelica nos recebeu dando um beijo em Liam e um caloroso abraço em mim. Foi tão inesperado que eu nem sequer a abracei de volta. Ela estava usando uma coroa de flores brancas, um vestido florido e batom vermelho. Seus cabelos ondulados eram tão longos que iam até o meio das costas.

- Toma - ofereceu Angelica. Nas mãos ela tinha flores, várias flores, de um amarelo vibrante, quase alaranjado. Colocou uma no bolso da minha camisa.

- Obrigado.

- É uma tagete patula. A flor dos mortos - ela explicou. - Dizem que o odor atrai as almas dos seus entes queridos neste dia.

Ela colocou uma flor atrás da orelha de Liam, tomou-o pela mão e nos levou para perto do altar onde estavam todas as oferendas para os falecidos.

Era um altar imenso, inteiramente decorado com cravos-amarelos, cravos-da-india, flor-nuvem... Era flor que não acabava mais! Também havia mais caveiras e bonecos de esqueletos vestidos de mariachis. Fotos estavam posicionadas ao longo do hercúleo altar; eram fotos dos falecidos que estavam sendo homenageados naquele dia. Além disso, havia comida, muita comida! Pães, água, frango, enchilladas, ovos, chilli, carne, doces e uma variedade de outras coisas, mas ninguém estava comendo. A mãe de Angelica explicou que aquelas eram oferendas aos mortos. Aquilo que eles mais gostavam de comer em vida.

A princípio achei tudo meio mórbido, mas eles acabaram me sensibilizando quando disseram que tinha espaço no altar, caso eu quisesse deixar alguma oferenda para o meu pai. Foi Angelica quem falou:

- Sam, eu soube que você perdeu seu pai. Talvez queira fazer uma oferenda para ele no altar também.

Liam arrancou do bolso uma foto de sua falecida avó e colocou no altar, junto com um terço, um crucifixo e uma trufa de licor.

- Era a comida preferida dela - ele esclareceu. - Ah, cara, me desculpa! Esqueci de te avisar para trazer uma foto do seu pai.

Na hora tive vontade de brigar com Liam por ter se esquecido de mencionar algo tão relevante. Mas não quis estragar o clima festivo. Então tirei meu celular do bolso, encontrei na galeria uma foto do meu pai e deixei no altar.

- O que ele gostava de comer? - A mãe de Angelica perguntou. - Eu posso tentar preparar.

- Não precisa se incomodar, mamá. - Mamá era como ela gostava de ser chamada, mas seu nome era Maria Carmen. - Tenho certeza que meu pai não se importaria de beliscar qualquer uma das delícias que já estão postas na mesa do altar.

Ela sorriu afetuosamente e empurrou um prato de quesadillas para mais perto da foto.

A festa era animadíssima! As pessoas cantavam, dançavam, comiam e bebiam. Apesar de ser uma celebração lúgubre, era tudo muito colorido, entusiástico e divertido. Queria que funerais fossem mais parecidos com isso, assim eu não me sentiria tão mal cada vez que tivesse que ir a um.

O grande momento da noite foi a apresentação solo de Angelica. Ela tocou violão e cantou, tão maravilhosamente que levou algumas pessoas às lágrimas! Eu não entendi uma única palavra da canção, já que era inteiramente em espanhol, mas, ainda assim, foi lindo de se ouvir!

Agradeci muito ao Liam por ter me levado, nunca pensei que fosse gostar tanto de uma festa funérea, mas foi de fato muito divertido!

Três dias depois, ele me convidou para ir ao pub onde Angelica se apresentava nos fins de semana, e eu fui, porque uma oportunidade de ouvi-la cantando novamente não era má ideia.

Angelica se apresentou durante 45 minutos, fazendo cover de várias canções country famosas, mas para mim, o ápice da apresentação foi quando ela cantou sua versão de "Take me Home, Country Roads", tão primorosamente que foi aplaudida de pé. Angelica fazia jus ao nome, porque (com o perdão do trocadilho) tinha uma voz absolutamente angelical!

Naquele fim de semana Jessie e eu não nos falamos por telefone porque ela foi a uma reserva ambiental com suas colegas de faculdade, onde não havia sinal de celular e por isso ficou incomunicável até a segunda seguinte.

As semanas que se seguiram pareceram se arrastar. A rotina era quase sempre a mesma: estudos, academia, tutorias de Jen, ligações para Jessie e visitas ocasionais à minha casa nos fins de semana.

Finalmente chegou o dia mais esperado do mês, a quarta quinta-feira de novembro, o dia de ação de graças. O dia em que eu veria Jessie novamente, depois de quase três meses.

Eu queria ter ido ao aeroporto com sua família para buscá-la, mas minha mãe precisava da minha ajuda com as coisas da casa.

Eu lavei os banheiros, aspirei o chão da sala, piquei legumes, ajudei a limpar o peru e a amassar as batatas para fazer o purê. Quando finalmente terminei meus afazeres, Jessie já havia chegado em sua casa. Liguei para ela para confirmar sua presença.

- Desculpa por não ter ido te buscar. Eu precisava ajudar minha mãe.

- Tudo bem, você não perdeu nada. Aliás, se salvou de passar uma vergonha. Jen levou Joy e ele fugiu correndo pelo aeroporto. Nós tivemos que pedir ajuda à segurança para conseguir pegar o cachorro. Ele já estava na esteira de bagagens.

- Eu queria ter visto isso - respondi entre risos. - Mas então, você vem que horas?

- Eu vou? Pensei que você fosse vir aqui para casa - ela pareceu surpresa.

- Não, não. O combinado é que você viria passar o Dia de Ação de Graças comigo, lembra?

- Eu nunca disse isso. O que eu pensei é que você viria para cá e passaria com a gente, como no ano passado - ela agora já parecia um pouco nervosa. - Eu não vejo minha família há quase três meses, Sammy. Pensei que fôssemos ficar com eles.

- Mas Jessie, eu preciso passar com a minha família. Não passo um feriado de ação de graças com elas há três anos. Não é justo!

- Ué, então por que você não trás elas para cá também? Tenho certeza de que serão muito bem vindas! A casa vai estar cheia, vai ser divertido! Vamos, Sammy, por favor?!

Seu tom de voz de pedinte era quase que irresistível para mim. Não havia como dizer não a ela. Então eu concordei, desci até a sala fui dar a notícia ao restante da família.

- Mamãe, Meggie, venham aqui!

As duas apareceram na porta da cozinha e ficaram me encarando.

- O que foi? - disseram em coro.

- Boas notícias! Não precisamos cozinhar mais. Fomos convidados para o jantar de ação de graças na casa dos McGregors.

- Pensei que você tivesse dito que sua namorada viria para cá - minha mãe disse.

- Eu também pensei. Mas ela tem que ficar com a família.

- Sinto muito, filho. Mas agora eu já fiz comida demais!

- Mas mãe, nós podemos levar.

- Não dá... - mamãe suspirou. - Eu já convidei o Zane para vir aqui.

- O quê? - perguntei sem acreditar no que tinha acabado de ouvir.

- Eba! - Megan comemorou.

- Desculpa, filho. Mas é que ele não tem família aqui, e eu não podia deixá-lo passar esse dia sozinho.

- Quando ele vem, mamãe? - perguntou Meggie.

- Já está a caminho.

Minh mãe voltou ao que estava fazendo e eu permaneci sentado na sala, sem saber como lidar com aquela situação.

SOB O MESMO CÉUWhere stories live. Discover now