Capítulo 60

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Capítulo 60

Liam e eu não nos víamos há quase duas semanas, desde a nossa formatura. Mas eu já havia contado com os conselhos dele por muitas vezes nos últimos anos, e imaginei que ele poderia me ajudar a tomar a decisão correta mais uma vez.

— Desculpa, eu te acordei? — perguntei, meio sem graça.

— Não. Eu nem dormi essa noite.

Típico do Liam, pensei, deve ter festejado a noite toda.

— O que você está fazendo?

— Dirigindo — ele respondeu, monossilábico.

— Então me ligue quando parar. Preciso mesmo falar com você.

— Não dá para parar agora. Estou trabalhando.

— Trabalhando? — chequei meu relógio para confirmar que ainda não eram nem 8h da manhã. — Que horas são onde você está?

— Está me perguntando que horas são na Flórida? — Ele estranhou. — Onde você está? Por acaso voltou para o Alasca?

— Não. Estou na Flórida também. Pensei que você tivesse voltado para a Califórnia. Como é que você pode estar trabalhando uma hora dessas, um dia depois do natal? E desde quando você trabalha?

— São tempos difíceis, meu caro. Estou rodando como motorista de aplicativo. Não paro desde ontem a noite.

Aquilo era dolorosamente inacreditável.

— Está em Daytona?

— É, estou.

— Está com algum passageiro agora?

— Estou indo buscar um.

— Cancela! Eu pago essa viagem. Preciso que venha até aqui.

— O que foi que você aprontou agora, meu irmão?

— Só venha até aqui, por favor. Sabe onde fica Spruce Creek?

— Mas é claro que eu sei!

Claro que ele sabia. Todo bom piloto sabe. E Liam era um excelente piloto! Eu o enviei minha localização e em poucos minutos ele estava lá. Contei tudo a ele, mostrei a casa e o avião, assim como Pickford havia feito comigo momentos antes.

— Não é inacreditável? — perguntei.

— Cara isso é realmente incrível!

Nós dois estávamos sentados na cabine de comando da aeronave enquanto conversávamos.

— Eu não sei o que fazer — confidenciei.

— Você só pode estar de brincadeira, Hart! Sabe por que eu fiquei em Daytona? Só para tentar uma vaga como instrutor de voo permanente na Embry-Riddle, para ver se conseguia horas suficientes para concorrer a uma vaga em alguma pequena empresa aérea regional e quem sabe abrir caminho até uma grande companhia aérea. Estou morando de favor na casa dos pais da Angelica, e me matando de rodar com meu carro de Uber, Lyft, Cabify e tudo mais que você puder imaginar, só para tentar levantar uma graninha para me manter. Você está recebendo, de mão beijada, uma proposta para ser comandante do seu próprio jatinho particular e poder juntar todas as horas que quiser. Como você ainda não disse sim? Eu mataria por uma chance dessas!

Cortava meu coração ver meu melhor amigo passando por dificuldades, mas aquela era mais ou menos a realidade da grande maioria dos pilotos recém formados nos Estados Unidos. Oportunidades assim não apareciam todos os dias. Eu tinha de aceitar. Devia. Não, eu *precisava* aceitar! Mas não podia. Não da forma como me havia sido ofertado.

Estar sentado ali, na cabine de comando daquele pequeno avião, ao lado de Liam, me fez ter uma ideia. Talvez eu pudesse fazer algo de bom com aquilo tudo afinal.

Pedi para Liam esperar ali. Aguardei até que Pickford tivesse voltado para me buscar, e então lhe dei a notícia:

— Me desculpe, Zane, mas não posso aceitar sua oferta.

— É uma pena, garoto...

Antes que ele terminasse sua frase, eu o interrompi, para continuar a falar:

— Em vez disso, tenho outra proposta para lhe fazer.

— Estou ouvindo.

— Não quero voar sozinho. Eu quero ter um copiloto. Aquele é Liam — apontei para meu amigo, que ainda estava dentro da cabine do avião, de onde não podia nos ouvir. — Ele se formou junto comigo. Você pode dividir pela metade o salário que me ofertou, ele poderia morar aqui também e dividiríamos as tarefas. Com certeza será mais seguro para todos se não precisar voar sempre só com um piloto.

— Deixe-me ver se entendi bem — Pickford coçou o queixo, pensativo. — Você está me oferecendo que eu pague o mesmo valor, mas tenha dois pilotos na cabine. Dois pelo preço de um?

— Exatamente.

— Rapaz, você sabe que eu sou um negociante, não sabe?

— Sei, sim.

— Então você tem plena consciência de que está praticamente me dando um presente como condição para aceitar o que eu antes lhe ofertei como um presente, certo?

— Bom, neste caso, feliz natal, eu diria.

Ele sorriu. Eu sorri também.

— Este sujeito é...

— Liam — eu o relembrei do nome.

— Isso. Liam. Ele é um bom piloto?

— O melhor que conheço.

— Bom, então espero que esteja certo. Vou confiar em sua palavra — ele estendeu a mão para mim. — Negócio fechado?

— Fechado — eu apertei a mão dele.

SOB O MESMO CÉUOnde as histórias ganham vida. Descobre agora