Capítulo 71

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Capítulo 71

Acordei de manhã sentindo principalmente duas coisas: primeiramente uma leve torcicolo, por ter dormido inteiramente torto no sofá estreito; e, em segundo lugar, um desejo enorme de ver Jessie. Havia visto minha namorada pela última vez no final de agosto, antes de suas aulas recomeçarem. Agora já estávamos em meados de outubro e eu sentia saudades.

Era domingo. Talvez eu pudesse mesmo vê-la. Liguei para ela e perguntei se poderíamos nos encontrar ainda naquele dia. Ela disse que tudo bem. Liguei para Pickford e pedi para usar o avião só por algumas horas. Ele autorizou. Voei até Nova York e me senti tão grato pelo privilégio de ter toda aquela conveniência.

Jessie foi me encontrar na estação de metrô da rua 8, perto da universidade. Ainda estávamos no outono, a temperatura era agradável, nem muito fria, nem muito quente. Mesmo assim, Jessie estava usando um moletom verde que ficava simplesmente enorme nela. A costura dos ombros caída sobre os braços, o capuz parecia duas vezes maior do que sua cabeça, as mãos estavam desaparecidas dentro das mangas longas demais. Quando vi o símbolo dos Jets no peito, não pude evitar o comentário:

— Seu pai ficaria decepcionado contigo. — Ela só me olhou, confusa, então eu apontei. — Blusa dos New York Jets. Justo você, filha do mais fanático fã dos New England Patriots.

Ela riu.

— Não é minha. Essa blusa é do Andrea. Ele me emprestou um dia porque eu estava com frio, mas era tão confortável que eu nunca mais devolvi.

Eu imaginei a cena em minha cabeça: Jessie se encolhendo de frio, recostada no ombro do italiano. Ele cordialmente tirando seu agasalho e o oferecendo a ela... Logo espantei esses pensamentos para não morrer de ciúmes.

Jessie me levou para o Central Park, e nós só caminhamos por lá até escurecer. Ficamos conversando sobre tudo, e sobre nada em específico. Era gostoso conversar com ela. Comemos besteira em um Chick Fil'A. Andamos de mãos dadas até nos cansar. Depois sentamos em um banco e nos aconchegamos um no outro.

A brisa gelada do outono trazia uma espécie de presságio do frio cortante que ainda viria no inverno porque, diferente da Flórida, as estações eram muito bem divididas em Nova York.

Nós nos beijamos algumas vezes. Os lábios gelados contrastando com o hálito quente de nossas bocas, que virava uma fumaça visível no ar quando falávamos. Passamos o tempo assim, ora nos beijando, ora conversando. O único assunto que eu queria evitar era o tal Andrea. Mas Jessie insistia em falar nele o tempo todo. Lá pela terceira ou quarta história que ela contava envolvendo aquele cara, eu tive de comentar:

— Você fala muito desse Andrea. Eu não gosto dele.

— Você iria gostar, se desse uma chance de conhecê-lo melhor. Tenho certeza. Não sei por que sente tantos ciúmes dele.

— Porque ele está claramente a fim de você, Jessie. Não me diga que não sabe disso.

— De onde tirou isso? — ela riu. Eu continuei sério.

— Dá para perceber. Pelas histórias que conta. E Becca também achou isso quando vocês foram lá no recesso de primavera do ano passado.

Jessie revirou os olhos.

— Lá vai você de novo, falando dessa tal Becca. No seu caso está tudo bem morar com uma mulher. Mas eu não posso ter um amigo homem sem te causar todo esse desconforto.

Eu fiquei surpreso. Até aquele momento, jamais tinha me ocorrido que Jessie poderia sentir ciúmes da relação que eu tinha com Becca, a quem eu considerava minha irmã.

— Não é a mesma coisa — tentei me justificar.

— É exatamente a mesma coisa!

— Não é, não! Rebecca e eu somos irmãos.

— Irmãos emprestados. Isso não é nem parente!

— Ainda assim, não é a mesma coisa, porque mesmo que nós não tivéssemos absolutamente nenhum parentesco, ela não está secretamente apaixonada por mim. Ela é só minha amiga.

— Eu também era SÓ sua amiga, até não ser mais.

— É diferente — insisti. Àquela altura, eu já estava ficando sem argumentos.

— Não é diferente, Sammy. Só você não vê. Vocês não são irmãos. O fato de o pai dela ser casado com sua mãe não faz de vocês irmãos. Vocês se conheceram quando já eram adultos.

— Exatamente! Becca e eu nos conhecemos quando eu e você já estávamos juntos há bastante tempo. Não acredito que você possa estar com ciúmes. Isso não faz sentido. Jessie, eu te garanto que você não precisa ter ciúmes dela.

— Não faz? E seus ciúmes do Andrea fazem todo sentido! — a voz dela agora tinha um tom irônico que eu desconhecia. — Sabia que eu também conheci Andrea quando eu e você já namorávamos? Você devia seguir sua própria lógica.

— Ah, então essa coisa toda não é nem por ciúmes? — concluí. — É só porque EU tenho ciúmes do seu amiguinho? Está fazendo isso para se vingar, não é? Para que eu prove do meu próprio veneno.

— Se você acha isso de mim, então você realmente não me conhece nem um pouquinho!

— É, talvez eu não conheça mesmo.

— Pelo jeito, nem eu te conheço mais. — Aquela frase me machucou mais do que ela esperava, certamente. Eu não tive resposta, então ela continuou: — Não somos mais as crianças que éramos quando nos conhecemos.

— Eu não era criança quando te conheci — enfatizei.

— Talvez devêssemos só superar isso.

— Superar o que? — me assutei. — Superar essa briga, ou um ao outro?

Ela não respondeu. Suspirou pesadamente e olhou para o chão.

— Escuta, eu n... — comecei a falar, mas ela me interrompeu:

— Preciso ir. Não posso dormir muito tarde. Tenho aulas amanhã bem cedo.

— Você pode ao menos me responder? Superar o que?

— Agora não. Eu preciso mesmo ir.

— É uma pergunta simples, Jessie, você não pode responder antes de ir?

— Eu não quero.

— Jessie, por favor, só me responda.

— NÃO! — gritou. — Não quero responder isso agora, porque sei que não vai gostar da resposta. E nem eu.

Eu abri a boca para falar, mas logo fechei de novo.

— Vamos só deixar como está agora — ela disse, já começando a caminhar para longe de mim. — Vamos permanecer assim por um momento. Não vamos resolver isso agora e eu não quero tomar nenhuma decisão precipitada. Então eu vou embora. Se você quiser brigar comigo depois, ótimo, brigamos quando eu sair das aulas amanhã. Mas agora eu tenho que ir. Prefiro deixar assim.

Ela saiu sem que eu tivesse a chance de responder. Suas palavras ressoavam em minha mente como o eco de um grito em um cômodo vazio. Ela me deixou ali, sentindo a dor que só o pensamento de poder perdê-la me causava.

Depois de algum tempo tentando assimilar o duro golpe que havia levado, a primeira coisa que fiz foi pegar o telefone e ligar para a única pessoa que eu tinha certeza que me entenderia naquele momento.

— Alô? — ela atendeu.

— Oi, Becca. Sou eu, Sam.

— Está tudo bem?

— Eu acho... — dei um longo suspiro antes de continuar — acho que Jessie vai terminar comigo.

SOB O MESMO CÉUOnde as histórias ganham vida. Descobre agora