"Cala-te, cala-te!!!" Leva as mãos à cabeça em sinal de desespero. Um momento de silêncio constrangedor no ar. "Dêem-me os vossos telemóveis, agora!"

"Mr. Brown..."

"Cala-te, cala-te sua cabra!!" O revólver apontado para mim de novo.

"Hey, hey, calma! Calma, fique com os telemóveis." Louis pede-lhe retirando o seu do bolso. De seguida dirige-se à minha mala e retira o meu entregando-os.

"O telefone da secretária, corta o fio com a tesoura que está em cima da mesa." A arma agora apontada para Louis, o jornalista nervoso e apavorado. "Agora!" Um grito rouco e imponente.

Vejo o seu vulto a virar costas assim que Louis cumpre as ordens do advogado, este dirige-se para a porta e quando eu tenho tempo de me aperceber o que ele vai fazer, eu e Louis já estamos trancados dentro do meu escritório.

"Não, não, não..." Atiro o meu punho contra a porta.

O desespero a acumular-se dentro de mim. Oiço a agitação do outro lado da porta e nesse mesmo momento sinto-me nauseada. O coração a ficar apertado, a garganta a fechar-se sendo difícil de respirar. Enquanto estava dentro deste escritório Brown tinha duas presas, agora, lá fora tem centenas delas... Bato com o punho na madeira, grito, volto a bater, um latejar percorre o meu braço.

"Não, não..." Corro até à minha secretária ligando o computador.

"O que estás a fazer?" Louis questiona-me, vendo-me nervosa a carregar no teclado.

"Preciso de avisar alguém o que está aqui a acontecer. Não somos só nós que corremos perigo, são todos os funcionários desta firma." Digito o meu nome e a palavra passe, sem sucesso, repito a ação uma e outra vez. "Merda!" Atiro o teclado para o chão, gritando. "O cabrão quando me despediu apagou os meus registos, não consigo sequer aceder à merda do computador!"

Cruzo o meu olhar com o de Louis. Ambos sabemos que estamos completamente encurralados. Não temos qualquer acesso ao que se está a passar fora daquelas quatro paredes, não temos telemóveis, não temos telefone, não temos computador. Estamos completamente isolados, impossibilitados de fazer o que quer que seja...

E assim sem mais nem menos, o som que eu e Louis menos queríamos ouvir faz-se ouvir do outro lado da porta. Sobressalto-me com o som ensurdecedor, mais alto do que alguma vez pensei, a ecoar infinitamente pelos meus tímpanos. Temo ter parado de respirar, temo que o meu batimento cardíaco tenha cessado, mas sei que não é verdade, continuo ali de pé, imóvel, com a audição bem apurada. Audição essa que passa a ouvir os gritos desesperados do outro lado da porta, e se eu pensei que o tiro tinha mexido com o meu interior, os gritos magoam ainda mais. Gritos finos e agudos, magoados e feridos, despidos e nus. Coloco a palma da mão na madeira da porta, um sentimento de culpa a invadir-me. O que fui eu fazer? E quando eu acho que a culpa não pode aumentar mais, os tiros voltam a ecoar pelas paredes. Um, dois e três....

Olho perdida para Louis, peço-lhe ajuda silenciosamente, ele sente-se tão ou mais culpado que eu. Ambos sabemos que podem estar a morrer pessoas inocentes por nossa causa, e ambos não suportamos isso. Vejo a raiva a apoderar-se dele, as suas iris a ficarem vermelhas, a boca cerrada e tensa.

"Sai da frente." Ele pede decidido.

Dou um passo atrás e Louis pega na cadeira em frente à secretária, ganha balanço e corre até à porta atirando a cadeira o mais forçosamente que consegue. A porta mantem-se estática resistindo ao ataque do jornalista. Louis não desiste, repete o ato duas vezes consecutivas, a impotência a deixá-lo louco.

"Louis..." Tento chamá-lo à razão, tentar dizer-lhe que aquilo não vai resultar, embora tenha esperança do contrário.

"Sai..." Volta a pedir-me, afasto-me com um aperto no peito.

Desta vez a cadeira é mirada para a maçaneta da porta, Louis dá um grito seco e a maçaneta cede, caindo no chão. Ambos olhamos um para o outro não querendo acreditar. De seguida, Louis lança-se contra a porta, embatendo com o ombro na mesma. A porta range e abre.

Com a porta aberta os gritos parecem três vezes mais altos, impossíveis de ouvir, agoniantes e sofredores. Apesar da porta já se encontrar aberta, é me difícil ganhar coragem para enfrentar o cenário apocalíptico. No meu interior, rezo para que aqueles tiros tenham sido só uma forma de chamar a atenção, de assustar, sem nenhum alvo na mira. O meu pé deixa o escritório, sabendo que entro, provavelmente, no inferno. Dou alguns passos, lentamente, muito lentamente, sentido que todo o meu sistema está descontrolado e desequilibrado. Louis prossegue atrás de mim, pé ante pé, tentando encontrar o ser humano consumido pela raiva.

O cenário que encontro gela-me o sangue que corria pelas minha veias. Todos sentados no chão do átrio principal, tento contar cabeças, tentar perceber quantas vidas coloquei em perigo. Vejo mais de meia centena, engulo em seco. Uma arma apontada para o grupo de reféns. Olho para as suas faces durante um segundo, e nesse segundo vejo o medo que exalava daquelas pessoas, o sofrimento, a dúvida se iriam voltar a ver as pessoas que amavam, pais, filhos, maridos e mulheres. Eu, eu tinha causado aquele medo, não o homem que erguia a arma contra eles.

As palavras que Louis me dissera alguns dias antes, ecoavam na minha mente. De que vale salvar a vida de Harry, se para isso tivermos de colocar a vida de muitos em perigo? A Molly foi claramente o primeiro exemplo disto, indiretamente, quase que matamos a Molly. Mas eu sempre quis ignorar o perigo, o mal que estava a fazer aos outros. Para mim estava tudo bem, a Molly tinha ficado bem, não havia nada a temer. Louis alertou-me, avisou-me, implorou-me que parasse. Eu não dei ouvidos, pior, arrestei-o até aqui, a este sítio, a este dia, a esta hora. Tudo porquê? Para lhe salvar a vida... Naquele momento, eu percebi o pior, o que negava até agora, eu estava cega, completamente cega pelo amor dele, pelo amor que tinha por ele. Há muito que isto já não se tratava de salvar uma vida, tratava-se de salvar a vida à pessoa que eu amava, que eu odiava que amasse. Se Harry não fosse o Harry eu provavelmente já teria desistido há muito tempo... Culpa, culpa é um dos piores sentimentos do mundo, um dos mais avassaladores. Já era mau o suficiente eu o amar, mas vendo todas estas pessoas em risco, sei que pisei a linha, que ultrapassei todos os limites. Estas vidas, vidas inocentes também contam, também interessam, e eu sacrifiquei-as pela vida dele. Uma lágrima a escorrer-me pela face, o desespero a instalar-se. Afinal eu não sou diferente do monstro que ergue a arma em direção a todos aqueles inocentes, nós somos iguais, completamente iguais.

Brown ainda não deu pela nossa presença, demasiado ocupado a gritar ordens àquela meia centena de pessoas. Fito o chão, um rasto vermelho a pintar o mesmo. Assassina, tu és uma assassina, April... Tu, não ele... Sigo involuntariamente o rasto de sangue, sem saber para onde me leva, sem me aperceber que passo em frente da arma do meu chefe, da pessoa que construiu esta firma. Vejo um corpo caindo ao longe, uma mulher. Os meus pés continuam a levar-me até ela, sempre pelo caminho de sangue, pé ante pé, como se mundo à minha volta tivesse desvanecido e só aquilo importasse. Estaco, paro, reconheço a silhueta caída a poucos metros de mim. As mãos tremem sem parar, sustenho a respiração, um aperto no peito impede-me de inalar o ar poluído pelo sangue. Pelo sangue dela... Pelo sangue da única pessoa importante para mim aqui, a única pessoa a quem eu podia, eventualmente, chamar amiga. Ali, sozinha, deitada numa poça do seu próprio sangue. Caio de joelhos no chão, grito sem transmitir qualquer tipo de som, um grito mudo, o pior grito dos gritos. Grito um grito mudo. Naomi....

"Tchick, tchick, BANG!" Talvez este BANG, tenha sido o meu. 

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⏰ Last updated: Nov 18, 2019 ⏰

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