— Faz parte, um dia a gente ganha, outro perde. Mas os jogos não são mesmo pra todos! — o Edil olhou para Lucille. — A senhorita Lucille parece mais amadurecida para esse tipo de evento.

   Ótimo, agora sou considerada imatura.

   — Achei emocionante! — Lucille abriu um sorriso largo — Nunca tinha sentido isso!

   — Deve ter sido mesmo, até esqueceu de mim. — reclamou a Camila, com um olhar feio para a Lucille.

   — Desculpe, Camila, me empolguei com a vitória.

   — Foi uma bela apresentação mesmo! — disse o Tibérius — Seu campeão precisa de treino, mas foi uma ótima estreia!

   — Obrigada, Tibérius! — Lucille falou num tom derretido. — Ele não teve muito tempo para treinar, por isso, quando fui escolher a nacionalidade e o estilo, copiei olhos mais capazes. Espero que não tenha se importado.

   Mas que oferecida! Ela se referia ao Raskos e o Golias serem gauleses e lutarem no mesmo estilo. Camila tinha ficado enojada. Por isso ela tinha virado patrona.

   — De forma alguma! — O rapaz pareceu sem jeito com a lisonja — O mérito ainda é só seu!

   — Quer dizer então que teremos outra apresentação do Degolador em Napoles? — O Edil perguntou ao lanista.

   — Teremos, o adversário dele sairá do meu ludus, da Casa Titanus. — disse seu pai, orgulhoso.

   — Grande Lucios! Sempre conquistando as melhores principais!

   Camila olhou assustada para o pai, essa luta ela não faria a mínima questão de assistir.

   — O nobre que estava conosco no tablado era o representante do Degolador. Essa luta de hoje foi um aquecimento para ele. Ele quer enfrentar o melhor de Napoles.

   — Representante? — indagou a Camila.

   — Sim. O Degolador é um homem livre que anda de cidade em cidade desafiando os melhores gladiadores. — explicou o Lucios.

   A ideia de esbarrar com aquele indivíduo na rua a fez estremecer.

   — Homem? Pra mim aquilo é um animal. — disse o Edil rindo, depois pareceu se lembrar de algo — Gostaria de pedir algo a uma das duas. Fui convidado para um passeio num navio de festas, encomendado pelo imperador. Será realizado um cruzeiro teste por uma noite na orla da nossa cidade. Eu ia com o Tibérius, mas, compromissos comerciais me impedirão. Então, alguma das senhoritas tem interesse de acompanhar o meu filho no meu lugar? Será um passeio e tanto.

   Aquilo era um presente dos deuses, exatamente o que ela precisava para se reaproximar do Tiberius.

   — Eu gostaria — a resposta veio das duas em uníssono.

   Camila olhou para Lucile, incrédula e perplexa. Era a única que sabia o quanto aquilo era importante para ela. O quanto tinha esperado por ele.

   O Edil olhou para as duas por alguns segundos e abriu um sorriso sem jeito.

   — Agora entramos num impasse.

   — Cruzeiro teste? — disparou Lúcios. — É seguro?

   — Completamente, bom Lúcios. Eu mesmo inspecionei a construção, é um navio incrivelmente grande e estável. Mas, como vamos resolver essa questão?

   Todos ficaram se olhando por um tempo. Camila notou alguns escravos a venda, na curva do corredor.

   — E se disputássemos numa luta?

   Todos olharam para a Camila franzindo o cenho.

   — Digo, luta entre nossos patrocinados.

   — Não sabia que era uma patrona! — falou o Edil, num sobressalto animado.

   — Sim — respondeu, olhando incerta para o pai, torcendo para ele não desmentir — para mim é natural, afinal, cresci ouvindo historias dos titãs da arena.

   — Seria interessante um embate desses. Mas para a senhorita é fácil. Bastaria pegar um dos homens indicados pela longa experiência do seu pai. Não seria justo com a senhorita Lucille.

   — Não mesmo! — Lucille falou franzindo o cenho.

   — Estão vendo aqueles escravos? — Camila apontou para onde um mercador estava expondo um pequeno grupo de homens — Comprarei um agora, meu pai não dará nenhum pitaco, isso seria justo?

   — Completamente! — o bom Edil pareceu gostar da brincadeira, ela virou-se para o pai, que assentiu.

   Ao chegarem à curva do corredor oval, Camila viu cinco escravos acorrentados e dois comerciantes na frente. Um deles era um homem gorducho com um grande bigode, jurando de pés juntos que possuía escravos da melhor qualidade para a arena.

   O outro usava um colete e segurava um chicote. Não parou de olhar para os acorrentados nem mesmo quando os pretensos fregueses chegaram.

   — Leve o tempo que precisar, pequena Camila — disse o Edil e ela se aproximou dos escravos.

   Ao passar os olhos nos cinco homens, apenas dois lhe pareceram viáveis para uma compra. Os outros pareciam raquíticos demais para suportar uma briga. Um deles era alto e musculoso, nariz amassado e marcas de chicote no braço. O que ele fez para merecer esses ferimentos?. Fazia o tipo que se dava bem na arena.

   O outro era mais baixo, estatura média romana. Cabelos negros, curtos, corpo perfeitamente esculpido em músculos enxutos, rosto angular bonito, olhar intenso.

   — A senhorita gostaria de ver as partes intimas deles? — perguntou o bigodudo, Camila enrubesceu e seu pai deu um passo à frente.

   — Cala a boca, idiota! — disparou Lúcios e perguntou em seguida — Eles falam a nossa lingua?

   O homem balançou a cabeça negativamente.

   — Tenho certeza que aprendem rápido.

   — Vamos comprar semana que vem na praça, eles não entendem uma palavra que estamos dizendo.

   — Pai, o plano era que eu deveria escolher.

   — É verdade! — disse o Edil em tom divertido, Lucios recuou com a cara fechada.

   — Eles são da onde? — perguntou a Camila, olhando para o comerciante.

   — O grandão é da Gália, o outro é de alguma tribo barbara dos etruscos.

   Gaulês. A mesma nacionalidade do Golias e do Raskos da Lucille. De certa forma, tem até o mesmo tamanho.

   — Terei mais personalidade que a Lucille, não vim aqui copiar o Tibérius. — comentou a Camila, com mordacidade — Escolho o da tribo etrusca.

   Lucille franziu o cenho e não disse nada. O seu pai não pareceu gostar da escolha.

   A compra fora realizada. Lúcios teve que pedir um cocheiro para ir à escola de gladiadores buscar um guarda para escoltar o novo escravo.

   Por fim, combinaram que a luta pelo cruzeiro seria realizada na casa do Edil, durante a festa de aniversário da madrasta do Tibérius, dentro de duas semanas.

   Ao chegar em casa, Camila não estava muito certa do que havia feito. Era o primeiro escravo que tinha em seu nome e o colocaria numa arena para arriscar a vida.

   Então, lembrou o que o seu pai vivia repetindo. Os gladiadores eram os únicos escravos com chances reais de alcançar a liberdade. Até enriquecer.

   Isso é misericórdia. Repetiu para si mesma, porque precisava acreditar nisso.

A Domina e o Centurião - COMPLETOWhere stories live. Discover now