Afterworlds - II

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Eu não me lembro muito bem de minha primeira melhor amiga, a arquiduquesa Marie Valerie da Áustria. Mas me lembro dos gritos de sua mãe para que eu e ela nos portássemos, de suas longas sessões de embelezamento, da importância que colocava em sua coroa. Eu não sou nenhuma Imperatriz Sissi. Da mesma forma que nunca fui Kat, Ellie ou Deyah. Se, apesar disso, elas querem que eu seja sua líder e princesa, o mínimo que posso fazer é aceitar o papel com humildade.

Nova Orleans, Estados Unidos

19 de outubro

Juliana

Adele Mayfair espera por nós. Ela não é burra. Quando sua filha mais nova foi sequestrada do hospital de fachada em Paris, ela sabia que apenas sua filha mais velha poderia ter feito. Quando, meses depois, a antiga casa dos Delacrois foi comprada por uma benfeitora misteriosa e a notícia circulou na alta sociedade da Louisiana, ela sabia que apenas uma família teria interesse em adquirir a casa legalmente.

Ela sabia que eu vinha e sabia que traria um Exército comigo. Por isso, quando uso a chave de Amelie para entrar na antiga sede dos Apreciadores da Arte do Sangue, eu não faço pelo elemento da surpresa. Estou apenas indo direto ao ponto.

– Parece vazio, mas preciso que vocês chequem. Se alguém estiver aqui, não deixem sair. Vou encontrá-la no andar de cima. – Anuncio.

Kat e Pierre concordam com um aceno. Tatiana hesita, ela é a pessoa mais fácil de se machucar entre nós quatro, a menos que fogo esteja envolvido. Digo a ela que nada de ruim vai acontecer, mas em silêncio me sinto grata por ter distraído Alex e evitado que ela viesse hoje. Ela não precisava estar aqui. Se depender de mim, ela nunca mais verá nenhuma das pessoas que a machucaram.

Ando pelos corredores e pela escada luxuosa com os olhos bem abertos e observando tudo, mas poderia fazer o caminho de olhos fechados – meu sangue me guia até minha mãe, pulsando em minhas veias e me lembrando que eu vim dela e a ela precisava retornar.

Passo pelo antigo salão de reuniões e percebo que em nenhuma das vezes que vim até aqui, esta casa esteve tão quieta. Me lembro da última vez que estive aqui, a noite de nossa festa de despedida, em que Pierre invadiu a casa, completamente bêbado. Lembro de pensar que nunca mais poderia voltar a Nova Orleans e querer beijá-lo por me possibilitar isso. Parece uma outra vida, tempo demais atrás. Tudo mudou na noite da batalha final. Exceto por alguns desejos.

Abro a porta da sala em que sei que minha mãe está sem cerimônias, mas fico parada na soleira observando o lado de dentro. A luz clara do meio da tarde entra por cortinas marrons, deixando a sala – decorada como a sala de estar de muitas das casas em que servi: móveis caros, chaise longues de couro e ouro, prateleiras tomadas de souvenires do mundo inteiro e cristaleiras cheias de baixelas antigas – em um tom de bege. Tão bege quanto o resto da sala é a imagem da mulher parada de costas para a porta, de frente para uma das janelas.

Quando a porta é aberta, uma força sobrenatural vira minha mãe para mim. Ela está vestida em um roupão de seda, como se tivesse acabado de acordar. Os cabelos cacheados e volumosos com pouquíssimos fios acinzentados estão derramados sobre seu colo, delicadamente organizados. Na mão direita cheia de anéis um copo pela metade de conhaque se pendura. Meu coração se afunda quando eu percebo o quanto pareço com ela.

– Você parece um fantasma. – Ela diz, andando até a mesa mais próxima para depositar seu copo.

– Não é a primeira vez que ouço isso. – É a minha resposta.

Ela vem até mim. Eu ainda estou na soleira da porta, sem querer entrar. Esta sala me traz lembranças estranhas, coisas que eu não entendo.

– Você está usando as joias dos Delacrois. – Ela diz, estendendo a mão para segurar meu brinco.

As Crônicas de Kat - A História CompletaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora