Deitei a menina no tatame e corri até a porta do quarto, abrindo uma fresta e colocando a cabeça para fora. Gritei bem alto pela cozinheira, que veio trazendo bolinhos e uma tigela de ramen quentinha, afinal era hora do almoço. "Tem como trazer mais? É que eu estou com bastante fome", eu pedi e ela foi buscar. Por sorte, era um dos raros dias em que meus pais não almoçavam comigo em casa, por isso eu iria comer no meu quarto. Ela voltou com mais dois bolinhos e uma tigela menor de ramen, eu agradeci e corri para a pequena, que ainda não acordara.

"Ei, ei menina!", chamei bem baixo. "Venha comer alguma coisa, rápido!", falei a ela e chacoalhei um pouco seus ombros, e aí sim ela acordou. "Vamos, tem bolinhos e ramen fresquinho". Ela levantou lentamente e sorriu ao ver a comida à sua frente.

"Obrigada", ela suspirou e posso dizer que enfiou a cara na tigela de ramen. Confesso que amei o jeito como ela comeu, e como eu sempre fazia quando comia sozinha, enfiei a cara no ramen também (que minha mãe nunca saiba disso). "Minha mãe nunca me deixou comer isso", ela murmurou. "É muito bom".

"Sua mãe nunca te deu ramen?! Cara, ela deve ser a mãe mais doida do mundo!", falei e ela deu uma risada baixa. Logo terminamos o ramen e fomos para os bolinhos. "E então, se ela nunca deixou você comer ramen, o que ela te dava pra comer?", perguntei desse jeito mesmo, e confesso que nunca perdi meu jeito descarado de ser.

"Hm... Sopa, macarrão e pasta de feijão", ela disse meio sem jeito, e deve ter percebido minha expressão de desacreditada, pois corou um pouco. "O que foi?".

"Ahn... É que essas comidas não são lá essas coisas de gostosas... Você deve ter uma ideia", falei e ela meneou a cabeça, assentindo. "Enquanto você estiver comigo, vou te dar muito ramen, bolinho e várias outras coisas gostosonas", prometi e ela sorriu.

Era tão errado de minha parte dizer aquilo quanto era errado da parte dela acreditar, afinal eu era uma criança, e achava que escondê-la no meu quarto era um plano infalível.

"O que sua mãe faz?", perguntei.

Ela ficou quieta e disse que não queria falar daquilo agora. O rostinho dela venceu minha curiosidade e eu fiquei sem saber. As horas correram como um rio, e já era noite quando meus pais chegaram e vieram me dar boa noite. A menina estava escondida debaixo das cobertas, e eu fingi que nada estava acontecendo com perfeição.

Quando eu estava quase pegando no sono, lembrei-me de duas coisas e resolvi perguntar. "Ei, menina... Quem você precisa encontrar mesmo?".

"Ayumu Kinjo e Wakana... Eles vão me ajudar", ela disse com bastante convicção, eu me recordo. "Eles conheciam meu pai".

Notei que ela não estava a fim de falar sobre aquilo, e que estava com sono, por isso achei melhor não perguntar mais. Virei para o outro lado, pronta para dormir, mas então fiz a minha última pergunta. "Quase me esqueci. O meu nome é Hanae Inoue. Qual é o seu nome?".

"Aimi", ela disse.

(...)

"Hanae... Acorda", ouvi uma voz desconhecida e resolvi virar meu corpo para cima e abrir os olhos, e quando os abri quase dei um salto. Era Aimi? Parecia mais uma versão mais velha de Aimi, mas aquilo era impossível, ela era menor do que eu, e eu a conhecera há três dias apenas. "A... Aimi? É você?!".

"Hm... Sim... Oh, céus, aconteceu de novo", ela pareceu se lamentar. Agora ela tinha a minha altura e sua voz tinha ficado um pouco mais grave, mas os traços ainda eram os mesmos de dois dias atrás. "Eu preciso falar com os seus pais... Eles vão me ajudar a encontrar aquelas pessoas", ela disse e parecia preocupada.

"Tá, mas... O que aconteceu contigo, por tudo que é mais sagrado?", perguntei e levantei depressa, e, realmente, ela estava do meu tamanho.

"É coisa da minha mãe... Eu...", ela ia começar a falar quando minha mãe abriu a porta do quarto e se deparou com aquela menina desconhecida.

Lá fomos nós. Fomos com minha mãe até meu pai e eu os convenci a escutar a história de Aimi, afinal eu também queria saber. Depois de quase uma hora de conversa, meu pai, por um milagre, parecia convencido a ajudá-la.

Aimi era filha de uma feiticeira de uma aldeia distante com um homem que ela não sabia quem era. Ela nascera de um tipo de genjutsu muito poderoso e desconhecido para todos nós, inclusive para ela, e o que ela sabia era que: 1) seu corpo não tinha idade, ele mudava com o tempo e depois voltava ao normal, 2) o pai dela fora um guerreiro da folha, 3) o Clã Kinjo poderia ajudá-la.

Meu pai não tinha acreditado até então, até que lera uma carta que Aimi trouxera consigo, e que pedia aos Kinjo que cuidassem da 'criança', assinada por um codinome que meu pai pareceu conhecer, mas sabia que não deveria revelar à pequena menina.

"Então está certo. Vamos escoltá-la à casa dos Kinjo numa aldeia vizinha de Konoha, e lá você poderá pedir a ajuda deles. Eu os conheço, temos bom relacionamento entre as famílias", meu pai começou a dizer. "O caminho não é tão seguro, então enviaremos um de nossos shinobi com você. E Hanae também acompanhará você", ele disse.

Os meus olhos brilharam. Aquilo não podia ser sério, mas era. "Está na hora de você dar uma saída daqui e aprender coisas novas com a vida", meu pai disse e sorriu, bebendo um gole de chá. "E terá sua katana de volta, se você quiser ir...".

"Mas é claro que eu quero ir!", exclamei. "E, eu vou poder ficar por quanto tempo? E vou poder comprar algo novo lá?!", comecei a fazer uma série de perguntas.

"Calma, florzinha", minha mãe pediu. "Você fará o seguinte – se Aimi não for encaminhada para Konoha, você irá voltar em uma semana; mas se os Kinjo acharem melhor que ela vá para a aldeia, você irá junto e ficará por lá até que eu peça que volte", meu pai disse. "Nós temos muitos familiares na Aldeia Oculta da Folha, não haverá problema algum em recebê-la", minha mãe sorriu também.

Parecia um sonho, aquilo estava bom demais para ser verdade. Pela primeira vez na vida eu iria sair de verdade de minha aldeia e iria conhecer Konoha. Enquanto eu arrumava minhas coisas, meu pai mandava falcões aos Kinjo e aos nossos familiares mais próximos na Aldeia Oculta da Folha, para que não houvesse imprevistos. Seria estranho se deixasse que eu fosse assim, sem mais, mas ele explicou que iria me visitar todo mês, para garantir que eu estivesse bem. Acima de tudo, eu estava alegre por poder ajudar Aimi, por mais esquisita que ela fosse. É que eu tinha gostado mesmo dela.


"Então você me achava esquisita? Logo você? A ovelha rosa do Clã Inoue?", Aimi interrompeu minha elaborada narração e eu bufei.

"Posso continuar, sim?", reclamei e retomei meu raciocínio.


Antes de sair do quarto, reparei que Aimi dava uma última olhada no jardim de minha casa, e ao me aproximar da porta, ouvi meus pais falando algo sobre uma pessoa que eu não fazia ideia de quem era. Era um... Tal de... Alguma coisa "da Folha", e a informação ficou no ar, pois eu não achava que iria obter resposta se perguntasse à qualquer um.

Depois de uma despedida calorosa, característica marcante de meu clã, partimos, eu, Aimi e Toshie, uma shinobi muito experiente e amiga de minha família. Seria apenas uma noite de viagem, e deveríamos chegar ao meio dia à aldeia onde viviam os Kinjo, que já haviam sido notificados sobre a vinda de Aimi. Durante a viagem, eu e Toshie, curiosas e interessadas, conseguimos arrancar mais detalhes sobre a história de Aimi.

"Minha mãe não deve gostar muito de mim... Mas eu gosto dela. Ela é minha mãe. Ela me contou que meu pai é um grande herói, e ela nunca quis me dizer quem ele é...", ela dizia tranquilamente. "Ela é uma bruxa, então as pessoas não gostam muito dela e eu entendo, já que ela é bem chata e antissocial".

"Mas... E o genjutsu? Como funciona isso? Eu não entendi nada", disse nossa acompanhante adulta.

"Ah... Tipo, o que eu sei é que já era para eu ser bem mais velha", ela murmurou e olhamos para ela com estranheza. "Eu fui um recém-nascido por muito tempo, e permaneci assim por alguns anos, até que minha mãe decidiu quebrar o genjutsu e aí sim meu corpo se desenvolveu. Daí eu realmente nasci", ela tentou explicar.

"Cara, isso é sinistro. E eu amei", falei e ela sorriu para mim. Eu já gostava muito mesmo dela, minha nova grande amiga.

Half a SoulWhere stories live. Discover now