Capítulo 24

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Antônio vestiu sua melhor máscara para pegar Janete na hora do almoço. Parou o carro vermelho em frente a casa deles e respirou fundo, fechou os olhos e lembrou de Marina. No final, não trabalhara nada, nem conseguiu resolver as pendências da manhã, apenas esteve com ela. Lembrou do olhar da secretária quando saiu do escritório, minutos depois de Marina. Aquele sorriso cínico ele sabia o que significava, a postura de bom marido fora por água a baixo.

Janete viu quando ele chegou e saiu com Joana no colo estranhando a atitude do marido.

— Por que não entrou? - ele correu ao vê-la com a bolsa grande e a bebê no outro braço.

— Desculpa Nete. Muita coisa no trabalho. - há um tempo não via Janete arrumada daquele jeito, o vestido florido rodado e o cabelo solto a fizeram ficar linda. - Nossa! Você está demais, gata.

— Deixa de ser besta Tonho. - ela riu. - Agora me ajude, vou com Joana atrás.

Tirando as vezes que a levara ao médico, aquela era diferente, aquele passeio seria inédito. Acomodou Janete atrás com Joana no colo, colocou o carrinho no porta malas e a bolsa do lado dela. Sentou no banco do motorista.

— Tudo em ordem? - a viu pelo retrovisor, quando assentiu. - Sabe estava pensando, por que não saímos mais? Você e eu?

— Você sabe porquê. Joana precisa de mim. - ela o olhou de terno marcando os ombros, as sombrancelhas juntas e o carro parado. Ele também precisava dela. - O resguardo acaba em alguns dias, quem sabe você não me leva a algum lugar...

Aquele sorriso fora cativante, Janete ficou satisfeita em ver o marido bem, sem ao menos saber o que ele fizera há pouco.

....

— Está bom? - Cláudia colocou um calça jeans de cintura alta com uma blusa de mangas compridas. Não queria que a amiga visse as marcas em seu corpo, apesar de saber que ela perguntaria o que aconteceu.

— Está linda - Bruno fora sincero, mesmo pelo corpo magro era a Cacau que conhecia.

— Eles irão perguntar o que houve. Não sei o que responder. - sentou no sofá marrom desolada. Não queria contar sua história de vida.

— Eles irão enteder se não quiser responder. Fique tranquila. - Bruno ficou ao lado dela passando a mão pelas duas costas.

Bateram a porta e Bruno se levantou. Cláudia não viu o que a arrebatou mas passado o susto retribuiu o abraço forte de Janete, olhou por cima do ombro da amiga e viu o loiro com uma neném linda. As amigas choravam baixinho pelo encontro, não se sabe o valor de uma pessoa até que a perca.

— Nete, como você está forte! - riu Cláudia aliviada.

— E você aqui! Quanta falta me fez amiga. Muita falta.

Os homens só observavam, Bruno foi cumprimentar o amigo e sentiu o cheiro de um perfume conhecido. Encarou Antônio que desviou o olhar, passou Joana ao padrinho. Quando o abraço das amigas acabou foi a vez dele abraçar Cláudia. Sentiu o corpo magro e lembrou de coisas que não deveria. Sentiu raiva de si mesmo.

— Como está Claudinha?

— Indo. E você Antônio? Fazendo minha amiga feliz? - o clima ficou pesado, apenas Janete não percebeu.

— Tentando, estou aplicado nessa missão.

— Olha quem veio conhecer a madrinha?

Ao se aproximar com a pequena Janete passou Joana para o colo de Cláudia. Os olhos inundaram instantaneamente. Estava consumado o amor que Bruno descreveu, amor maior seria apenas com o seu próprio filho e, pelo o caminho que sua vida estava indo, não sabia se isso seria possível.

— Você é linda! Puxou a sua mãe. - os dedinhos de Joana apertavam o dedo dela. Tão perfeita! Tão pequena! Tão indefesa! - Nada te fará mal, sua vida não será como a minha. Nunca!

Os amigos a olharam surpreendidos pela firmeza da voz. Do jeito que Bruno a encontrara não sabia que veria essa força nela de novo. A conversa foi direcionada a Joana, o que de todoa forma Cláudia agradeceu. Tinha muito o que saber da menina e eles não deveriam saber o que aconteceu a ela. Ela não estava a fim de reviver todo momento que passara com Jorge.

— Ela será doutora! - falava Antônio todo cheio de ego.

— Não, ela será o que quiser, acredito que ela terá a oportunidade de escolher, Tonho. - Janete ria do marido.

— Acredito que sim, o Brasil está cada vez mais aberto. Logo essa ditadura cairá. - Bruno comia seu purê de batata e feijão fradinho. Todos estavam a mesa e Joana no carrinho, dormindo alimentada e limpa pela madrinha, que fez questão de trocar a fralda, mesmo com medo de esperar a menina com o alfinete.

— A empresa está crescendo cada vez mais. O governo investe em tecnologia, e nos montadores de computadores estamos em ascensão. Ainda a internet será a realidade de muitos brasileiros. - Antônio não era alheio a situação do país, difícil seria a internet chegar às classes populares mas não impossível. - Estou pensando em investir nela.

— Sério Antônio? Sabe que é furada. A internet está apenas no âmbito empresarial e governamental, não chegará tão cedo às nossas mãos, amigo.

— Mas quando Joana decidir o que fará da vida, já terá acesso a ela. Estou pensando em instalar a intranet lá em casa. Assim ela teria acesso desde pequena ao computador e comunicação... - enquanto os amigos discutiam Janete olhava para Cláudia. Quanto sofrimento e dor havia em seu olhar, estava disfarçando, porém muito mal.

— Cláudia, por que você não vai a nossa casa amanhã? - a mão pousou delicadamente na de Cláudia, que sentiu um conforto.

— Claro, vou sim. - ficou sem graça mas não poderia discordar da amiga. Sabia qual assunto Janete iria abordar, só não sabia se estava preparada para isso.

Respirou fundo e sorriu, amizade igual a deles não teria, mesmo sendo contra o casamento de sua amiga. Mesmo sabendo que Antônio estava, está ou ainda iria vacilar e magoar um coração tão puro quanto de Janete. Pelo menos havia carinho, isso ela não negava. O olhar dele para a esposa era de afeição mas não de amor ou paixão. 

"Onde você foi amarrar seu burro, Nete?"

O início do sonhoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora